Saúde

Cientistas avaliam medicamentos para depressão como auxa­lio no tratamento da covid-19
Medicamentos conhecidos como inibidores seletivos da recaptaa§a£o de serotonina tem potencial para reduzir inflamaa§a£o causada pelo coronava­rus e evitar danos aos órgãos
Por Júlio Bernardes - 30/11/2020


Atualmente, nos Estados Unidos, dois grupos de pesquisa realizam testes clínicos avaliando o tratamento com fluoxetina e fluvoxamina em pacientes com covid-19 osFotomontagem: Jornal da USP

O uso de uma classe de medicamentos já empregada no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina e fluvoxamina), demonstrou ter potencial para inibir a inflamação causada pelo va­rus SARS-CoV-2 e a sua replicação, diminuindo os danos ao cérebro e outros tecidos do corpo. Atualmente, dois grupos de pesquisa realizam testes clínicos avaliando o tratamento com fluoxetina e fluvoxamina em pacientes com covid-19, nos Estados Unidos. A possibilidade édescrita em um artigo de revisão da Faculdade de Odontologia de Ribeira£o Preto (FORP) da USP publicado no European Journal of Pharmacology.

“A serotonina éuma molanãcula produzida por neura´nios do sistema nervoso central e por células do intestino. Ela estãoenvolvida em diversas funções do organismo, desde a regulação cardiovascular e intestinal atéo controle de funções comportamentais, humor e memória”, relata ao Jornal da USP o professor Luiz Guilherme Branco, que coordenou a elaboração do artigo. “Inibidores de recaptação de serotonina são medicamentos que bloqueiam receptores específicos nos neura´nios e permitem que a serotonina fique mais tempo dispona­vel e exera§a sua função biológica como neurotransmissor, ou seja, de fazer a comunicação entre os neura´nios.”


O papel da serotonina no tratamento da covid-19 osFoto: Reprodução

De acordo com o professor, a “hipa³tese da serotonina” propaµe, simplificadamente, que a depressão cla­nica resulta da atividade diminua­da das vias serotonanãrgicas, isto anã, dos neura´nios que usam serotonina para transmitir informação entre si. “Por outro lado, medicamentos inibidores de recaptação de serotonina, como a fluoxetina, tem sido usados para o tratamento de desordens psiquia¡tricas, como ansiedade e depressão”, observa. “Eles aumentam a biodisponibilidade de serotonina na fenda sina¡ptica, que éa regia£o dos neura´nios responsável pela comunicação do sistema nervoso central.”

“Devido a  ausaªncia de um tratamento especa­fico para a infecção pelo va­rus SARS-CoV-2 háum esfora§o global para encontrar novas intervenções terapaªuticas usadas no tratamento da covid-19”, afirma Branco. “Como a serotonina tem diversos efeitos, tanto no cérebro como nos tecidos perifanãricos, sugerimos o uso potencial dessa classe de medicamentos não apenas no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão, mas também como terapia complementar para diminuir a resposta inflamata³ria exacerbada induzida pelo SARS-CoV-2.”

Redução da inflamação

O professor aponta que uma caracterí­stica importante da covid-19 éa ativação de células imunes, que leva a  produção massiva e liberação de moléculas sinalizadoras do sistema imune (citocinas pra³-inflamata³rias) que podem comprometer vários órgãos, inclusive o cérebro. “Anteriormente, nosso grupo de pesquisa na FORP verificou que a administração da serotonina no sistema nervoso central tem efeitos anti-inflamata³rios tão marcados que háredução dos na­veis de citocinas pra³-inflamata³rias no sangue e ausaªncia da queda da pressão arterial, geralmente observada durante quadros que envolvem inflamação sistemica severa”, acrescenta.

A pesquisa propaµe que os medicamentos sejam usados como um tratamento complementar durante a infecção por SARS-CoV-2. “A ação imunomoduladora direta da serotonina, associada a outros mecanismos indiretos, pode efetivamente reduzir a resposta imune exacerbada e prevenir complicações da covid-19”, destaca Branco. “Além disso, seria relevante considerar que os pacientes em terapia de longo prazo com inibidores de receptação de serotonina devem continuar o uso de seu medicamento quando hospitalizados devido a  covid-19.”

Segundo o professor, já foi demonstrado que a fluoxetina inibe a infecção por SARS-CoV-2 in vitro, em testes de laboratório. “Seu efeito em pacientes, atualmente, éinvestigado em um ensaio cla­nico (NCT04377308) nos Estados Unidos”, destaca. “Outro medicamento dessa classe, a fluvoxamina, também estãosendo avaliado nos Estados Unidos em pacientes com covid-19 (NCT04342663) e os resultados preliminares são animadores, com diminuição de complicações respirata³rias quando comparado com quem recebeu o placebo”, conclui.

Os efeitos da serotonina na regulação da inflamação sistemica e os benefa­cios potenciais do uso de inibidores específicos da recaptação da serotonina como terapia coadjuvante para atenuar as complicações da covid-19 são descritos em artigo de revisão publicado no European Journal of Pharmacology. Os autores do artigo são Luis Henrique A. Costa, pa³s-doutorando da FORP e bolsista da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), Bruna M. Santos, pa³s-doutoranda da FORP, e o professor Luiz Guilherme Branco.

 

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