Humanidades

Estudo aborda a importa¢ncia da revisão textual para a produção de trabalhos acadaªmicos
A pesquisa de nome “Derrubando a Torre: o papel da revisão na acessibilidade de textos acadaªmicos” aborda a importa¢ncia de tornar a linguagem dos trabalhos acadaªmicos mais acessa­vel aos leitores e sugere como colocar essa teoria em pra¡tica.
Por Mariana Bier - 13/09/2019

Foto: Rochele Zandavalli/UFRGS
O revisor assume um papel de leitor prévio, alguém que fornece a reação que o paºblico tera¡ ao texto

O trabalho de conclusão de curso (TCC) de Bianca Ractz, formanda de letras da UFRGS, tem como tema a atividade do revisor de textos dentro da academia. A pesquisa de nome “Derrubando a Torre: o papel da revisão na acessibilidade de textos acadaªmicos” aborda a importa¢ncia de tornar a linguagem dos trabalhos acadaªmicos mais acessa­vel aos leitores e sugere como colocar essa teoria em prática . Quem laª o texto também éresultado de como ele éescrito.

A expressão “Torre de Marfim”, utilizada no tí­tulo do trabalho, éum termo empregado para designar assuntos intelectuais amplamente desenvolvidos academicamente, mas que não interessam a população em geral. A expressão existe desde o século XVI na tradição judaico-crista£ e éencontrada também na literatura do século XIX e presente atéhoje em referaªncias de livros e filmes. O borda£o carrega uma conotação de elitismo acadaªmico.

Bianca, hoje com 23 anos, atua como revisora e tradutora de textos freelancer. Durante sua graduação, trabalhou por dois anos como bolsista na gra¡fica da UFRGS e foi o tempo que permaneceu la¡ que lhe despertou o interesse pelo tema do seu TCC. Ela conta que a inacessibilidade dos textos que lia a deixava incomodada, uma vez que percebia que a linguagem utilizada não era a melhor para entender o conteaºdo. “Um texto acadêmico deve ser o mais claro possí­vel, já que faz parte do conhecimento produzido na universidade pública ser difundido para população em geral”, explica. Atualmente o trabalho do revisor de texto éfocado em corrigir desvios gramaticais e seguir regras da Associação Brasileira de Normas e Tanãcnicas (ABNT). Revisar a mensagem e avaliar se o conteaºdo écompreensa­vel não évisto como parte da função. Como expaµe a estudante, “uma sintaxe correta não quer dizer que o texto esteja lega­vel”.

No ponto de vista dela, o papel do revisor de texto émuito mais do que corrigir grama¡tica; éuma forma de proporcionar um espaço de reflexa£o para quem escreve. O revisor assume um papel de leitor prévio, alguém que fornece antes da publicação a reação que o paºblico tera¡ ao texto. Bianca cita o vianãs cognitivo da “Maldição do Conhecimento”, que ocorre quando um indiva­duo possui amplo doma­nio sobre determinado assunto, mas que, ao tentar se comunicar com outras pessoas, tem dificuldade de torna¡-lo simples e explica¡-lo. a‰ estar tão envolto com o pra³prio saber que não se consegue difundi-lo aos outros.

Um exemplo da preferaªncia da academia por textos exageradamente rebuscados ose não necessariamente entenda­veis osfoi o “Caso Sokal”, de 1996. Alan Sokal, fa­sico e professor da Universidade de Nova Iorque e da University College London, havia apresentado um artigo para a revista acadaªmica de estudos culturais pa³s-modernos Social Text. O texto “Towards a transformative hermeneutics of quantum gravity” (Atravanãs de uma hermenaªutica transformativa da gravidade qua¢ntica, na tradução para o portuguaªs) foi aceito e publicado, mas o trabalho afirmava que a gravidade não passa de uma construção social. O fa­sico queria testar o rigor intelectual da revista e provar que muitas vezes a academia perde o foco do conteaºdo para a linguagem elaborada demais. No dia da publicação do artigo, Sokal revelou que era tudo uma experiência ose que se confirmou mais do que o esperado.

Um trabalho acadêmico écomo um livro: são se comunica com o paºblico e exerce sua função de instruir a sociedade quando élido e osprincipalmente osentendido pelo paºblico. Conforme afirma o professor Luiz Cla¡udio Martino, da disciplina de Teorias e Epistemologia da Comunicação da Universidade de Brasa­lia, no livro “Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendaªncias”, a atividade do leitor éimprescinda­vel para a informação virar comunicação. E, para que isso ocorra, o enunciado precisa ser acessa­vel a todos os leitores.

Como sugestãopara uma revisão de textos mais acessa­vel, Bianca menciona noções da área de Design e de Terminologia, as quais buscam distanciar-se da revisão estritamente gramatical. Ela propaµe que os revisores levem em consideração a escolha dos elementos visuais utilizados, como a fonte das letras. a‰ preciso atentar-se que diferentes fontes servem para diferentes formatos e que o texto impresso difere do digital, por exemplo. Tambanãm éimportante hierarquizar adequadamente as informações. Usar escalas, linhas ou sinalizar partes que merecem mais destaque ajudam o leitor a se localizar melhor na pa¡gina.

Segundo uma pesquisa realizada em 2018 pelo Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), 3 em cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, tem dificuldade para ler e interpretar textos. Se uma grande parcela da população brasileira não écapaz de fazer reflexões profundas sobre o texto, não conseguira¡ compreender os na­veis alta­ssimos de complexidade acadaªmica. A escrita anã, por vezes, mais uma manifestação do problema de a universidade ser mais elitista do que democra¡tica.

Bianca pretende dar continuidade aos estudos dentro do tema por meio de um mestrado no pra³ximo ano. Ela conta como vaª a acessibilidade dos textos acadaªmicos como um assunto ainda pouco explorado, mas com muito potencial de análise. E, além de tudo, éuma questãode interesse fundamental dentro da universidade.

 

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