Estudo faz uma arqueologia da representação polatica e exalta a democracia radical
Em livro, professor da Faculdade de Direito defende democracia radical e recorre a arqueologia para construir uma cratica a representaa§a£o polatica
Os curdos que lutam, em condições extremamente adversas, contra o Estado Isla¢mico em Rojava, no Norte-nordeste da Saria, habitam uma república auta´noma de fato, surgida em novembro de 2013, que tem hoje população de 4,6 milhões de pessoas. Organizada em cantaµes auta´nomos e apoiada em economias alternativas e princapios como o feminismo e o ecologismo, Rojava se constitui como confederalismo democra¡tico, tipo de administração polatica não estatal, em que as decisaµes são tomadas pelas bases, e delegados atuam, por tempo limitado, como porta-vozes e executivos.
A experiência dos curdos de Rojava émencionada, com algum destaque, no livro recanãm-lana§ado Representação polatica contra democracia radical: uma arqueologia (a)teola³gica do poder separado (Fino Traa§o), de Andityas Soares de Moura Costa Matos, professor da Faculdade de Direito da UFMG. “O caso do ‘Curdistão sario’ mostra que modelos polaticos diferentes são possaveis. Nãose trata da ausaªncia de ordem, mas da superação do poder hiera¡rquico e separador. O poder, numa estrutura como a de Rojava, éfluxo de ideias e de ações entre sujeitos que se reconhecem como iguaisâ€, comenta o autor.
Andityas não estãointeressado, diga-se, em sugerir modelos de democracia radical osele se dedica, muito antes, a uma cratica radical do sistema de representação polatica. Para investigar a representação, ele lana§a ma£o da arqueologia, manãtodo filosãofico consagrado pelo italiano Giorgio Agamben. O objetivo, afirma o professor, é“identificar continuidades e descontinuidades dos fena´menos, para além de sua origem e de sua suposta linearidade hista³rica, buscando nos discursos e nas prática s as marcas, ou assinaturas, que carregam e espalhamâ€.
Imagem de capa do livro
Reprodução
Santese disjuntiva
Segundo Andityas Matos, uma assinatura da representação polatica éa separação entre governantes e governados. “Trata-se de uma santese disjuntiva: a representação une e separa, a um são tempo. O dito povo soberano vota para escolher um representante e, com o mesmo ato, desempodera-seâ€, diz o professor da Faculdade de Direito. “Autoridades representativas não tem relação de responsabilidade com o eleitor. O controle éindireto, fra¡gil.†Mediação e representação, tradicionalmente associadas, na verdade, contrapaµem-se, defende Andityas. Para ele, não hámediação na representação polatica, mas simplesmente separação.Â
Andityas não estãointeressado, diga-se, em sugerir modelos de democracia radical osele se dedica, muito antes, a uma cratica radical do sistema de representação polatica.
Originada na Idade Manãdia, a representação polatica toma emprestadas técnicas da teologia osdestinadas a “fazer visível o invisívelâ€, segundo Andityas Matos ose promove “ilusionismo polaticoâ€. “As sociedades, mesmo as que se julgam laicas, são perpassadas por elementos teola³gicos invisibilizados, difaceis de combaterâ€, afirma.
Formado pela Faculdade de Direito da UFMG, da graduação ao doutorado, Andityas Matos fez estudos de pa³s-doutorado em Filosofia do Direito na Universidade de Barcelona e cursou um segundo doutorado, agora em Filosofia, na Universidade de Coimbra. O livro resulta, sobretudo, do trabalho realizado nessa última etapa.Â
Quando aborda o conceito de democracia radical, ele destaca que, para que ela se potencialize, épreciso repensar os três elementos tradicionais da Teoria do Estado: povo, territa³rio e poder. Para Andityas, a ideia de povo éuma ficção criada pelo poder, um mito polatico. “O povo deve ser pensado não como massa, mas como conjunto de singularidades irrepresenta¡veis e colaborativasâ€, afirma, em alusão ao conceito de multida£o, desenvolvido pelo italiano Antonio Negri e pelo norte-americano Michael Hardt.
Como diz, no prefa¡cio da obra, Alexandre Franco de Sa¡, professor da Universidade de Coimbra, o contraste entre representação e mediação, no texto de Andityas Matos, “projecta-se na tentativa de pensar a possibilidade de um tempo novo em que a democracia radical possa ter lugarâ€. Trata-se, segundo ele, de “um discurso entusiasmado, seduzido pela possibilidade de retirar a mediação do jugo da representação e de, por meio dela, descobrir novas possibilidades para a polaticaâ€.