Humanidades

“O acerto de contas éreal”: sobre a escravida£o, a igreja e como algumas instituições comea§am a falar sobre reparações
Rachel Swarns, do Instituto de Jornalismo Carter, explora como o uso da abunda¢ncia de registros hista³ricos pode nos ajudar a avana§ar para uma abordagem mais construtiva da rede emaranhada de injustia§as da escravida£o.
Por James Devitt - 11/02/2020

Crédito da foto: JDawnInk / Getty Images

A professora de jornalismo da NYU e a escritora colaboradora do New York Times, Rachel L. Swarns, desencadeiam novas conversas após seus relatórios e pesquisas sobre a Igreja Cata³lica e seus laa§os com o comanãrcio de escravos americano.

“Quando cresci em Staten Island, Nova York, eu morava a poucos quarteiraµes de distância de um convento que administrava uma livraria e um festival da comunidade que era o destaque dos veraµes da minha infa¢ncia”, lembra Rachel Swarns, professora do Arthur Carter Journalism Institute e escritor colaborador do New York Times . “Minha ma£e, minhas tias, três dos meus tios e as minhas duas irmãs foram todas educadas por freiras cata³licas. Minha ma£e e sua fama­lia, que emigraram das Bahamas para Nova York, viveram por um tempo em uma fazenda administrada por Dorothy Day , fundadora do movimento Trabalhador Cata³lico e candidata a  santidade. ”

No entanto, atéquatro anos atrás, "quando comecei a relatar sobre os padres jesua­tas que venderam 272 pessoas para ajudar a manter Georgetown a  tona", diz Swarns, "eu não sabia nada sobre padres e freiras que compravam e vendiam seres humanos".

Swarns, negra e cata³lica e que vai a  missa com a familia aos domingos, pesquisou e escreveu uma sanãrie de histórias em 2016  sobre a Universidade de Georgetown, os padres jesua­tas que fundaram e administravam a faculdade e seus laa§os com a escravida£o. Desde então, ela continuou sua pesquisa, relatando no ano passado as freiras cata³licas que compraram e venderam pessoas escravizadas e os esforços que os conventos e outras instituições religiosas estãofazendo para compensar sua participação no comanãrcio de escravos americano.

“As pessoas me perguntam se esse trabalho afetou minha fanã. No começo, foi surpreendente para mim ”, diz ela. “Logo percebi que não deveria ter me surpreendido. Afinal, a Igreja Cata³lica, como muitas instituições americanas, estava profundamente enraizada no que era essencialmente uma sociedade escravista. ”

Suas investigações foram parte de uma recente onda de exames paºblicos sobre a permanente e profunda cicatriz que a escravida£o deixou na nação - uma que levou a um debate renovado sobre se e como as instituições com laa§os hista³ricos com a economia escrava podem fazer as pazes hoje.

O ta³pico ganhou nova visibilidade em 2014, quando o autor Ta-Nehisi Coates, agora um ilustre escritor residente no Carter Journalism Institute, escreveu  "The Case for Reparations"  no  Atla¢ntico , ajudando a ressurgir a consideração de descendentes compensadores de povos escravizados. Cinco anos depois, Coates testemunhou perante o Judicia¡rio da Ca¢mara em nome da  HR 40 , uma lei que estabeleceu uma comissão para estudar e desenvolver propostas de reparação. Em 2016, Washington DC viu a abertura do Museu Nacional de Hista³ria e Cultura Afro-Americana, que explora, em detalhes dolorosos, a instituição da escravida£o e suas conseqa¼aªncias.

Hoje, háum reconhecimento generalizado do impacto da escravida£o no 21 st  século. No ano passado, o Pew Research Center  relatou  que mais de 60% dos americanos acreditam que a escravida£o "afeta a posição dos negros na sociedade americana atual". No entanto, as divisaµes sobre o progresso racial permanecem, com quase 80% dos adultos negros acreditando que os EUA não tem. fez bastante progresso em dar aos negros "direitos iguais" - comparados a menos de 40% dos adultos brancos que se sentem assim. O  Projeto 1619 do New York Times - uma sanãrie de ensaios que examinam as inaºmeras maneiras pelas quais a escravida£o foi e continua sendo tecida na experiência americana - gerou um podcast, um curra­culo do ensino manãdio e um pra³ximo livro.

Antes de ingressar na faculdade na NYU, Swarns passou 22 anos como repa³rter em tempo integral no  New York Times , onde trabalhou como escritora saªnior e correspondente de Washington, e se tornou a primeira afro-americana a servir como chefe de escrita³rio no sul áfrica.  Mais tarde, ela escreveu a  tapea§aria americana: A história dos antepassados ​​negros, brancos e multirraciais de Michelle Obama,  que traz os antepassados ​​da ex-primeira dama desde o século XIX, identificando, pela primeira vez, os ancestrais brancos na a¡rvore geneala³gica da sra. Obama atravanãs de pesquisa de arquivo e teste de DNA. Ela também écoautora de  Unseen: Black History inanãdito do New York Times Photo Archives, que desenterrou centenas de fotografias poderosas que haviam permanecido invisa­veis e inanãditas por décadas.

O NYU News conversou com Swarns sobre como o uso da abunda¢ncia de registros hista³ricos pode nos ajudar a avana§ar para uma abordagem mais construtiva da rede emaranhada de injustia§as da escravida£o.

Como suas revelações sobre padres e freiras cata³licas e seus laa§os com a escravida£o afetaram maiores percepções do lugar da igreja na história americana?

Surpreende-nos porque não percebemos o quanto profundamente a escravida£o estava embutida em nossa economia. A escravida£o alimentou o crescimento de muitas de nossas instituições contempora¢neas, incluindo a Igreja Cata³lica. Muitos de nosvaªem a Igreja Cata³lica como uma igreja do norte. Mas a Igreja Cata³lica estabeleceu sua posição no Sul e contou com plantações e trabalho escravo para ajudar a financiar os meios de subsistaªncia de seus padres e freiras e para apoiar suas escolas e projetos religiosos. Esta éuma história que todos devemos conhecer. Mas nosnão. O povo escravizado foi largamente exclua­do da história de origem tradicionalmente contada sobre a Igreja Cata³lica e outras instituições religiosas. Isso estãomudando, no entanto. Instituições religiosas, incluindo conventos, semina¡rios e outros, estãoagora liderando o movimento de reparações que estãosurgindo nestepaís.

VocaªÂ  relatou  que muitas empresas americanas, incluindo várias existentes hoje, desempenharam um papel fundamental na escravida£o. Essas empresas tem a obrigação de reparar o passado de suas empresas? 

Como jornalista, não estou dizendo aos executivos como suas empresas devem lidar com seus laa§os com a escravida£o. Nãovejo isso como meu papel. Mas acho que éfundamental que os americanos entendam que universidades e igrejas não foram as únicas instituições a se beneficiar da escravida£o. Bancos, ferrovias, companhias de seguros e afins também. a‰ importante que as empresas reconhea§am isso. Muitas vezes pensamos na escravida£o como história antiga, como história completamente desconectada de nós. E isso simplesmente não éo caso. Algumas dessas empresas ainda possuem registros que documentam seus va­nculos com a escravida£o. Exorto-os a disponibilizar publicamente esses registros para que jornalistas e estudiosos possam continuar documentando como o legado da escravida£o vive nas instituições contempora¢neas que nos rodeiam. 

Por que muitos americanos ainda não estãofamiliarizados com o papel fundamental que a escravida£o teve nestepaís?

Eu penso muito sobre isso hoje em dia. Por que não conhecemos essa história? Os registros que documentam os va­nculos com a escravida£o estãola¡: em nossos arquivos, em nossas sociedades hista³ricas, em nossos tribunais. Muitos historiadores já desenterraram esses registros e contaram essas histórias. Provavelmente hámuitas razaµes. Mas acho que uma razãoéque nós, como americanos, geralmente preferimos desviar os olhos. Essa história écontra¡ria a  narrativa que gostamos de contar sobre nosmesmos e aos nossos ideais de igualdade e justia§a para todos. Chegar a um entendimento de que a escravida£o era fundamental para umpaís que expaµe esses ideais éprofundamente difa­cil. Então, raramente conversamos sobre isso. Raramente o inclua­mos nas pa¡ginas de história de nossos sites corporativos e da igreja. Nãoensinamos nossos filhos o suficiente sobre isso nas escolas. Muitas vezes adotamos um ambiente conforta¡vel, visão ficcionalizada da história que diz que apenas os proprieta¡rios de escravos do sul se beneficiavam da escravida£o. E eles se foram hámuito tempo. Eu acho que émais fa¡cil para muitos de nossegurar.

Vocaª foi baseada na áfrica do Sul na virada dos 21 st  século um período que viu opaís submeter os desafios da reconciliação racial. Existem lições para os Estados Unidos?

Passei quase quatro anos na áfrica do Sul, que surgira apenas recentemente do apartheid. As feridas infligidas por gerações de doma­nio branco ainda eram muito, muito frescas. Cheguei depois do processo de Verdade e Reconciliação, que tentou reunir autores e vitimas. Nãofoi um processo perfeito, mas foi um esfora§o conjunto para avaliar o passado e compensar as vitimas. Nunca tentamos fazer isso aqui, nos unir como umpaís para contar com a escravida£o e suas conseqa¼aªncias. Nãotenho certeza de como seria um processo formal de cura aqui, mas acho que precisamos comea§ar por reconhecer a história e como ela repercute na vida de muitos de nosainda.

Como vocêse sentiu ao descobrir que, nos últimos meses, várias instituições anunciaram planos de criar fundos de reparação para expiar seus laa§os com a escravida£o?

Em outubro de 2019, a Universidade de Georgetown anunciou que estabeleceria um fundo para beneficiar os descendentes dessas pessoas escravizadas. a‰ a primeira grande universidade americana a sofrer uma punição por reparações. Ha¡ um acerto de contas real acontecendo agora. O Virginia Theological Seminary e o Princeton Theological Seminary também criaram fundos de reparação e outras instituições religiosas estãoseguindo o exemplo. As pessoas debatera£o se isso ébom ou ruim ou adequado. Mas o acerto de contas éreal. Espero que meu trabalho tenha contribua­do para essa crescente compreensão do papel fundamental que a escravida£o e o povo escravizado desempenharam no desenvolvimento de nossopaís e espero que continue contribuindo para isso. 

 

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