Humanidades

Como as ideias políticas mantem a desigualdade econa´mica
Thomas Piketty analisa longamente a história global e maneiras de redistribuir riqueza
Por Christina Pazzanese - 04/03/2020

Foto de Joel Saget
O economista francaªs Thomas Piketty discutira¡ sua nova pesquisa sobre as raa­zes
hista³ricas da desigualdade econa´mica em todo o mundo.

Amedida que o abismo entre os que tem e os que não tem continua a aumentar, o debate sobre a desigualdade econa´mica se tornou um dos principais impulsionadores pola­ticos nos EUA e em toda a Europa. A análise hista³rica de 2013 do economista francaªs Thomas Piketty sobre a desigualdade econa´mica ocidental, "Capital no século XXI", tornou-se uma leitura obrigata³ria nos ca­rculos popular e acadaªmico. Agora, ele estãode volta com “ Capital and Ideology ” (Belknap Press, da Harvard University Press, 2020), uma visão global da história do problema, como instituições e ideologias o reforçam e como ele pode ser remediado.

Piketty, professor da Escola de Estudos Avana§ados em Ciências Sociais (EHESS) e da Escola de Economia de Paris, conversou sobre seu novo livro, aguardado com ansiedade.

Perguntas e Respostas

Thomas Piketty


Pergunta: Vocaª escreve que a desigualdade não éresultado de economia ou mudança tecnologiica, mas estãoenraizada na ideologia e na pola­tica. Como e por que éimportante entender suas raa­zes - como isso ajuda no seu desmantelamento?


Piketty: O que faa§o neste livro édar uma olhada de longo prazo no regime de desigualdade em uma perspectiva comparativa. Defino “regime de desigualdade” como a justificativa [usada] para a estrutura da desigualdade e também as instituições - o sistema jura­dico, o sistema educacional, o sistema fiscal - que ajudam a sustentar um certonívelde igualdade ou desigualdade em uma determinada sociedade. Eu olho para a história desse regime de desigualdade a longo prazo, em muitospaíses e regiaµes do mundo, e o que observei pela primeira vez émuita variação ao longo do tempo. Vocaª vaª uma transformação muito rápida, a s vezes devido a  revolução, [como] a Revolução Francesa. Mas também, a Suanãcia costumava ser umpaís muito desigual atéo ini­cio do século XX. E então, após uma grande mobilização social dos sindicatos e do partido social-democrata, A Suanãcia se tornou um dospaíses mais iguais da história. Vocaª poderia dizer que os EUA, depois da Grande Depressão, também se voltaram para um sistema tributa¡rio muito progressivo e reduziram enormemente sua desigualdade.

E assim, em todas essas experiências hista³ricas, o mais impressionante éa velocidade e a magnitude. Se vocêtivesse dito a s pessoas na Suanãcia em 1910 que opaís se tornaria uma Suanãcia social-democrata 20 anos depois, ninguanãm teria acreditado. Os grupos dominantes sempre tendem a ser conservadores e sempre definem a desigualdade existente como natural, proveniente de algum esquema natural ou instituições naturais ou de regras que não podem ser alteradas. Mas, na prática , o que vocêvaª éalgo muito diferente: a maneira como a desigualdade éorganizada pode mudar muito rapidamente. a€s vezes, são necessa¡rios grandes choques, incluindo revolução e guerra, mas também acontece com frequência de maneira paca­fica como a Suanãcia ou os EUA.

Então essa éa história que conto no livro e éimportante porque acho que seráa mesma no futuro. Ninguanãm sabe de onde vira¡ a mudança - de uma eleição, de um movimento social, a crescente conscientização da crise climática ou outros fatores de mudança. Mas a ideia de que o atual sistema econa´mico nunca mudara¡ e que continuaremos sempre como sempre não éconvincente, especialmente a  luz da rica história pola­tica dos regimes de desigualdade que propus neste livro.

"a‰ dever e responsabilidade de todos participar dessa conversa sobre a mudança do sistema econa´mico".


P: Vocaª parece ter levado a Sa‰RIO algumas das limitações do "Capital no século XXI". Um que vocêreconheceu com frequência éo foco centralizado no último livro e o que chamou de tratamento de "caixa preta" dasmudanças políticas e ideola³gicas associadas a  desigualdade. Como vocêtentou corrigir essas deficiências aqui?

R: Primeiro, mostro como o aumento da desigualdade nas sociedades ocidentais estava muito enraizado em um sistema de dominação mundial e de dominação colonial e apropriação colonial. a‰ um tema que esteve presente um pouco, mas não foi muito bem desenvolvido. Então, agora, insisto na importa¢ncia das sociedades escravistas e das sociedades coloniais pa³s-escravida£o na formação da desigualdade moderna. Desempenhou um papel muito importante e, em particular, o grande portfa³lio de riqueza da sociedade europanãia no século XIX e ini­cio do século XX veio da riqueza colonial e da apropriação colonial. Tambanãm desempenhou um grande papel nessa sociedade de propriedade [privada] no século XX.

Além disso, o sistema de justificação da desigualdade também estãomuito mais no centro deste livro. A última parte deste livro estãoligada a  evolução da estrutura eleitoral - quem vota no Partido Democrata nos EUA, quem vota no Partido Trabalhista na Gra£-Bretanha ou no Partido Social Democrata na Alemanha ou no Partido Socialista na Frana§a. Tudo isso muda depois da Segunda Guerra Mundial. Eu mostro que esses partidos, que eram os partidos dos trabalhadores e tinham a maior pontuação eleitoral entre o grupo de menor escolaridade e o menor grupo de renda e riqueza, tornaram-se, nos últimos 40 ou 50 anos, os partidos dos instrua­dos. Tento entender o porquaª e argumentar que isso tem a ver com a ideologia desses partidos. As plataformas políticas defendidas por esses partidos tornaram-se cada vez menos preocupadas com a desigualdade e a redistribuição, ou pelo menos éo que eu argumento. Este trabalho écapaz de ir melhor ao assunto quando se trata das forças profundas por trás dasmudanças na desigualdade.

O gra¡fico que mostra a parcela do maior decil (os 10% mais bem remunerados)
na renda nacional total variou de 26 a 34% em diferentes partes do mundo e
de 34 a 56% em 2018. A participação do principal decil (os 10% com maior rendimento)
na renda nacional total variou de 26 a 34% em diferentes partes do mundo e de
34 a 56% em 2018. A desigualdade aumentou em todos os lugares, mas o tamanho
do aumento variou acentuadamente depaís parapaís, em todos os na­veis de desenvolvimento. Por exemplo, era maior nos Estados Unidos do que na
Europa (Unia£o Europanãia ampliada, 540 milhões de habitantes) e maior na andia do que na China. Fontes e sanãries: veja piketty.pse.ens.fr/ideology.et

P: Grande parte do foco atual da desigualdade se concentra no aumento do populismo de direita e apela a s divisaµes anãtnicas, religiosas e nacionais. Mas vocêdiz que a ascensão do elitismo e o fracasso da esquerda em oferecer uma contra-ideologia persuasiva ao populismo de direita merecem mais escruta­nio. Vocaª pode elaborar?

R: O que quero dizer éque, no período pa³s-guerra, nos anos 50 e 60, o Partido Democrata nos EUA e os partidos social-democratas na Europa foram capazes de convencer os eleitores com menor escolaridade, menor renda, menor sala¡rio que eles são a plataforma para eles. De fato, o que os une, apesar das diferenças ... éuma plataforma de expansão educacional, direitos dos trabalhadores, previdência social, tributação progressiva. Foi isso que fez essa coaliza£o se unir. Então, o que vemos éque, gradualmente, nas últimas quatro décadas, esses partidos se tornaram o partido da elite educacional. Portanto, enquanto os partidos de direita e de centro-direita ainda são os partidos da elite dos nega³cios ou da elite de alta riqueza ... [Na³s] mudamos deste sistema baseado em classes para o que eu descrevo como um sistema multi-elite, onde basicamente a elite educacional vota para os bra¢manes a  esquerda e a elite rica vota para a direita do comerciante ou da direita dos nega³cios. Esse aumento do elitismo, na verdade, deixou muitos eleitores se sentindo abandonados pelos dois principais partidos, e eu acho que isso contribuiu amplamente para o crescimento do que a s vezes éconhecido como populismo.

P: Vocaª propaµe um caminho a seguir que reinstitua um sistema tributa¡rio progressivo que financiara¡ algo como uma renda ba¡sica universal. Em termos gerais, como éisso? Como vocêfaz os ricos e poderosos desistirem das coisas? E por que era importante para vocênão apenas documentar e analisar a desigualdade, mas também oferecer uma solução possí­vel?

R: a‰ dever e responsabilidade de todos participar dessa conversa sobre a mudança do sistema econa´mico. Eu acho que éfa¡cil demais para estudiosos, cientistas sociais, economistas e historiadores como eu ... apenas descrever ou falar sobre história e não tomar uma posição no presente e no futuro. Então, eu estou tentando fazer um esfora§o para lidar com o futuro. As pessoas podem acreditar ou tirar suas próprias conclusaµes do material hista³rico que apresento.

O que considero mais promissor para o futuro? Existem duas ideias principais, uma éo federalismo social e a outra éo socialismo participativo. O federalismo social éuma visão de que se vocêdeseja manter a globalização e evitar esse recuo ao nacionalismo e a  fronteira do estado-nação que vemos em váriospaíses, énecessa¡rio organizar a globalização de uma maneira mais social. Se vocêdeseja ter tratados internacionais entrepaíses europeus e Canada¡, EUA, Amanãrica Latina e áfrica, esses tratados não podem ser simplesmente sobre livre comanãrcio e livre fluxo de capital. Eles precisam estabelecer alguma meta em termos de crescimento e desenvolvimento eqa¼itativos. Então, quanto vocêquer tributar grandes corporações internacionais [e] indivíduos de alta riqueza / alta renda? Que tipo de meta vocêdeseja para as emissaµes de carbono? O livre comanãrcio e os fluxos livres de capital podem fazer parte deste novo e mais social tratado internacional de que precisamos para organizar a globalização, mas eles não podem ser o primeiro capa­tulo desse tratado. Eles devem ser postos a serviço de objetivos mais altos, objetivos sobre desenvolvimento sustenta¡vel e desenvolvimento eqa¼itativo, e devem ser regulados. Tecnicamente, não étão complicado. A questãonão érealmente pola­tica e ideola³gica. Estamos acostumados hávárias décadas a tratados sem nenhuma pola­tica fiscal ou social expla­cita. Isso tem que mudar. Eles devem ser postos a serviço de objetivos mais altos, objetivos sobre desenvolvimento sustenta¡vel e desenvolvimento eqa¼itativo, e devem ser regulados. Tecnicamente, não étão complicado. A questãonão érealmente pola­tica e ideola³gica. Estamos acostumados hávárias décadas a tratados sem nenhuma pola­tica fiscal ou social expla­cita. Isso tem que mudar. Eles devem ser postos a serviço de objetivos mais altos, objetivos sobre desenvolvimento sustenta¡vel e desenvolvimento eqa¼itativo, e devem ser regulados. Tecnicamente, não étão complicado. A questãonão érealmente pola­tica e ideola³gica. Estamos acostumados hávárias décadas a tratados sem nenhuma pola­tica fiscal ou social expla­cita. Isso tem que mudar.

O socialismo participativo éo objetivo geral de mais "acesso" a  educação. A justia§a educacional émuito importante em termos de acesso ao ensino superior. Hoje existem muitas cra­ticas, não apenas nos EUA, mas também na Frana§a e na Europa, de que não estabelecemos metas quantifica¡veis ​​e verifica¡veis ​​em termos de como as criana§as de grupos de menor renda obtem acesso a ensino superior, que tipo de financiamento [eles] tem para o ensino superior. A outra grande dimensão éa circulação da propriedade, por isso falo sobre "herana§a para todos". A ideia éusar um imposto progressivo sobre a riqueza para financiar [uma] transferaªncia de capital para todos os jovens com 25 anos de idade. Essa transferaªncia éefetivada em 120.000 euros [cerca de US $ 134.000] por pessoa, hoje,nívelmanãdio de riqueza na Frana§a ou nos EUA Isso transformara¡ muito a capacidade de criana§as de fama­lias pobres ou de classe média criarem suas próprias empresas. Ter esse tipo de propriedade coloca vocêem uma posição diferente da vida em geral - que tipo de emprego, que tipo de sala¡rio eu preciso aceitar? Transforma a estrutura ba¡sica do poder na sociedade e isso éalgo muito importante. O que proponho não éigualdade total; ainda havera¡ muita desigualdade. Mas isso faria uma grande diferença. A ideia geral éque não apenas os filhos de pais ricos que tenham boas ideias possam criar empresas e participar da economia. Precisamos contar com um grupo muito mais amplo da população. Ter esse tipo de propriedade coloca vocêem uma posição diferente da vida em geral - que tipo de emprego, que tipo de sala¡rio eu preciso aceitar? Transforma a estrutura ba¡sica do poder na sociedade e isso éalgo muito importante. O que proponho não éigualdade total; ainda havera¡ muita desigualdade. Mas isso faria uma grande diferença. A ideia geral éque não apenas os filhos de pais ricos que tenham boas ideias possam criar empresas e participar da economia. Precisamos contar com um grupo muito mais amplo da população. Ter esse tipo de propriedade coloca vocêem uma posição diferente da vida em geral - que tipo de emprego, que tipo de sala¡rio eu preciso aceitar? Transforma a estrutura ba¡sica do poder na sociedade e isso éalgo muito importante. O que proponho não éigualdade total; ainda havera¡ muita desigualdade. Mas isso faria uma grande diferença. A ideia geral éque não apenas os filhos de pais ricos que tenham boas ideias possam criar empresas e participar da economia. Precisamos contar com um grupo muito mais amplo da população. A ideia geral éque não apenas os filhos de pais ricos que tenham boas ideias possam criar empresas e participar da economia. Precisamos contar com um grupo muito mais amplo da população. A ideia geral éque não apenas os filhos de pais ricos que tenham boas ideias possam criar empresas e participar da economia. Precisamos contar com um grupo muito mais amplo da população.

 

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