Humanidades

O que nos leva a culpar os marginalizados pelas epidemias?
Historicamente, culpar os marginalizados na sociedade serviu ao propa³sito de explicar as doenças de uma maneira que se conformava a uma visão de mundo especa­fica.
Por Craig Chamberlain - 19/04/2020

Doma­nio paºblico

As epidemias geralmente trazem uma busca por bodes expiata³rios, com o assanãdio anti-asia¡tico na sequaªncia do COVID-19, o exemplo mais recente. Da mesma forma, circulam ideias de que diferentes raças também diferem em sua suscetibilidade a  doena§a, evidenciada pelo mito de que os negros eram imunes ao va­rus. Ambos são assuntos familiares a Rana Hogarth, professora de história da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, que ensina a história da medicina ocidental e a história afro-americana. Ela conversou com o editor de ciências sociais do Bureau de Nota­cias Craig Chamberlain, reproduzida aqui no maisconhecer.com.

O que a história passada de epidemias sugere sobre as causas profundas do assanãdio e do racismo direcionadas aos asia¡ticos e asia¡ticos americanos hoje?

A epidemia pode desencadear tanta ansiedade e as pessoas querem ganhar controle ao tentar entendaª-la. Historicamente, culpar os marginalizados na sociedade serviu ao propa³sito de explicar as doenças de uma maneira que se conformava a uma visão de mundo especa­fica. Ele racionalizou e trouxe uma aparaªncia de ordem a um mundo virado de cabea§a para baixo.

A mira dos grupos a quem culpar muitas vezes também éo resultado de tensaµes sociais ou políticas subjacentes - e os grupos que são vistos como ameaa§as econa´micas, como não assimilando ou conformes, muitas vezes são os que mais sofrem. Assim, como estruturamos as doenças e entendemos as epidemias a  medida que a sociedade se torna pola­tica - por mais apola­ticos que pensemos que sejam as doena§as.

Este foi o caso no ini­cio do século XX, quando a praga apareceu na Chinatown de Sa£o Francisco. Nesse caso, o povo chinaªs foi responsabilizado por sua disseminação e injustamente apontado como portador da doena§a. Antes da chegada da praga, já circulavam idanãias negativas sobre o povo chinaªs, alimentadas por medos econa´micos que atribua­am desemprego e sala¡rios declinantes aos trabalhadores chineses, que muitos americanos brancos também consideravam racialmente inferior. A praga ampliou esses sentimentos e o povo chinaªs foi erroneamente visto como vetor da doena§a. Essa história, dentro de uma longa história de esterea³tipos e sentimentos anti-asia¡ticos relacionados a doenças epidaªmicas, éuma das razões pelas quais chamar COVID-19 de "va­rus chinaªs" éproblema¡tico hoje.

Podemos voltar ainda mais a  violência contra as comunidades judaicas na Europa do século XIV, durante a Peste Negra. As populações judaicas eram vistas como estranhas e injustamente acusadas de causar a praga envenenando poa§os. Essa idanãia ganhou credibilidade entre os que tendem a incorporar pontos de vista anti-semitas em suas explicações para a doena§a.

Parece que vimos uma reviravolta nesse impulso no ini­cio da atual pandemia, quando circulou o mito de que os afro-americanos eram imunes ao va­rus.

Esse éum excelente exemplo de pessoas tirando conclusaµes e criando estruturas explicativas baseadas em informações incompletas. Houve comenta¡rios nas ma­dias sociais de que os negros não estavam recebendo o COVID-19. Avana§ando para o que estamos vendo agora em Chicago e em outros lugares, os negros estãosuper-representados nos casos e nas mortes.

O passado oferece uma perspectiva de como perpetuar tais mitos sobre minorias raciais ou assumir diferenças raciais inatas pode ter consequaªncias devastadoras. Durante a epidemia de febre amarela da Filadanãlfia em 1793, por exemplo, a sabedoria médica da anãpoca dizia que os negros eram inerentemente resistentes a ela em virtude de sua raça, o que mais tarde se revelou falso.

Quando a febre amarela devastou a cidade, os médicos brancos pediram aos habitantes negros livres que ficassem para trás e ajudassem a enterrar os mortos, cuidar dos doentes, cavar covas etc. Um resultado desse mito perigoso foi que um número não trivial de negros realmente ficou amarelo febre e alguns morreram por causa disso.

Seu livro " Medicalizing Blackness " descreve como a medicina americana, desde o ina­cio, desenvolveu idanãias sobre os corpos negros serem diferentes de maneiras ba¡sicas - em relação a doena§as, tolera¢ncia a  dor etc. Como vocêvaª isso ainda hoje?

Um dos meus objetivos ao escrever esse livro era entender como e por que os médicos construa­ram o corpo dos negros como inerentemente distinto dos corpos dos brancos. Para deixar claro, não estou dizendo que não devemos considerar traa§os individuais, nem raça, ao avaliar os resultados de saúde e a vulnerabilidade a doena§as. O que estou dizendo éque devemos ter cuidado em como fazemos isso, porque isso faz toda a diferença.

Os principais meios de comunicação de Chicago e de todo opaís tem relatado como os afro-americanos estãosendo desproporcionalmente afetados por esse va­rus. Vimos manchetes afirmando que os negros representam cerca de 68% das mortes de Chicago pela doena§a, mas apenas cerca de 30% da população da cidade, seguidos por dados sobre suas altas taxas de condições coma³rbidas, como diabetes, hipertensão e doenças carda­acas .
Precisamos lembrar que essas condições preexistentes que tornam a pessoa vulnera¡vel a esse va­rus podem ser exacerbadas pela desigualdade estrutural e pelo racismo. A falta de acesso consistente aos servia§os de saúde ou a falta de cobertura de seguro de saúde podem levar a resultados de saúde abaixo do ideal. Além disso, a discriminação racial nos servia§os de saúde, o vianãs impla­cito na tomada de decisaµes médicas etc. podem tornar muito mais difa­cil para os afro-americanos procurar e receber cuidados adequados.

Um ponto importante que espero enfatizar em meu trabalho éque devemos considerar tais disparidades em função de como o corpo dos negros foi encarado pela profissão médica e em ambientes médicos, além de como eles foram tratados pela sociedade como um todo . Dessa forma, afastamos nossos esforços de tentar entender o que pode ser diferente ou aºnico sobre os corpos das pessoas negras , para tentar entender como os Espaços frequentemente hostis em que seus corpos podem ser forçados a habitar podem influenciar seus resultados gerais de saúde.

 

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