Humanidades

Conta¡gio, Xenofobia e Liderana§a
Doena§as infecciosas como o COVID-19 provocam nojo e medo. Combinados, eles podem desencadear uma pesquisa equivocada de um bode expiata³rio.
Por Martin J. Smith - 25/04/2020


"Criar segurança psicológica émuito importante para os lideres quando vocêtem
doenças contagiosas", diz Hayagreeva "Huggy" Rao. "As pessoas esperam
ter certeza de que a comunidade estãocomprometida em resolver
o problema." | Reuters / Jason Redmond

O surto em curso do COVID-19 foi uma espanãcie de teste de Rorschach. Além de revelar forças profundas e engenhosidade na comunidade americana, também expa´s alguns dos medos mais profundos da Amanãrica, tendaªncias xenofa³bicas e disfunções de liderana§a.

Essas estãoentre as conclusaµes de Hayagreeva "Huggy" Rao , professor de comportamento organizacional e recursos humanos da Atholl McBean na Stanford Graduate School of Business. Rao co-autorou dois estudos nos últimos anos que formam a base de suas fortes conclusaµes.

Em um estudo publicado em 2018, ele estudou o aumento previsível de rumores de contaminação e violência anãtnica que geralmente seguem um surto de uma doença infecciosa. Rao diz que ele e o co-autor Sunasir Dutta, da Universidade de Minnesota, descobriram que “a exposição ao discurso sobre doenças contagiosas ativa tendaªncias xenofa³bicas nas pessoas. Quando vocêéexposto a esse discurso, émuito mais prova¡vel que acredite em boatos. ”

O estudo mais recente de Rao , realizado com os colegas Chelsea Galoni, da Universidade de Iowa e Gregory Carpenter, da Northwestern, analisou as emoções subjacentes desencadeadas por doenças contagiosas.

"A sabedoria convencional éque, se houver contaminação, nossa resposta éde nojo", diz Rao. "Mas Chelsea, Greg e eu sentimos que essa era uma conta um tanto incompleta."

Eles conclua­ram que a contaminação percebida realmente desencadeia duas emoções: nojo e medo. "Ha¡ uma grande diferença entre medo e nojo", diz ele. “Com nojo, vocêsabe que a causa écerta e épor isso que vocêse afasta. Mas com medo, o resultado éincerto. a‰ por isso que vocêestãocom medo. Vocaª não sabe bem o que vai acontecer.

O que tudo isso mostra? "Isso da¡ credibilidade a  idanãia de que, quando vocêtem uma doença contagiosa, vocêse torna xena³fobo e percebe todos os outros como uma ameaa§a".

O COVID-19 estãoexacerbando vieses culturais de maneiras que vocênão esperava, ou estãoocorrendo como seus estudos previram?

Se sabemos que doenças contagiosas podem levar a  xenofobia e perda de confianção em estranhos, o que mais precisamos éde liderana§a. a‰ essencial.

Que tipo de liderana§a?

Primeiro, esperamos que eles antecipem o inesperado. Isso não significa que eles precisam adivinhar tudo isso sozinhos, mas presumimos que eles tenham pessoas boas trabalhando para eles e que oua§am essas pessoas. No entanto, os lideres subestimam sistematicamente as dificuldades de coordenação. Alguns estudos mostram que se vocêestiver em uma posição de liderana§a, éprova¡vel que subestime as dificuldades de coordenação em pelo menos 50%.

Segundo?

Os lideres precisam ter em mente que os cidada£os estãoem uma sala chamada Medo e querem ser levados para uma sala chamada Cofre. Criar segurança psicológica émuito importante para os lideres quando vocêtem doenças contagiosas. As pessoas esperam ter certeza de que a comunidade estãocomprometida com a solução do problema. Mesmo que o governo não consiga garantir sua existaªncia continuada, as pessoas precisam ter certeza de que todos estãofazendo o seu melhor.

Então, como estãoa liderana§a dos EUA nesse sentido?

a‰ difa­cil para as pessoas sentirem uma sensação de segurança quando recebem mensagens conflitantes e quando vaªem lideres exibindo uma mentalidade de culpar ou bode expiata³rio. a‰ meio estranho que, na narrativa americana, exigaªncias, emergaªncias e crises sejam frequentemente comparadas a  guerra. Tudo éuma guerra. A guerra a s drogas. A guerra contra COVID. Eu sou um "lider de guerra". Tanto faz. Mas se vocêrealmente olha para os lideres de guerra, eles se comportam de maneira impressionante.

Golpeando de que maneira?

"Minha sincera esperana§a éque isso tenha sido uma educação para o povo americano sobre o que o governo pode e deve fazer e o que a venalidade pode e não pode fazer.
Hayagreeva “

Huggy” Rao

Eu acho que o melhor lider militar que a Amanãrica já teve foi Matthew Ridgway. Ridgway foi um general de brigada durante a Segunda Guerra Mundial. Ele substituiu Douglas MacArthur na operação coreana. Ele nunca lutou na asia, nunca liderou uma batalha terrestre. Ele não tinha ideia da Coranãia. Assim que assumiu o comando, ele passou os primeiros dias voando pela Coranãia. Ele tomou o assento do navegador. Eles voaram por toda parte, observando rios, lagos, montanhas. Depois de entender a geografia e a topografia da Coranãia, ele conheceu comandantes regimentais e fazia uma sanãrie de perguntas para avaliar sua prontida£o de liderana§a. Muitas vezes, suas primeiras perguntas tinham a ver com geografia. Onde fica o rio mais pra³ximo? Qua£o profunda anã? Se o comandante não foi capaz de responder, ele foi demitido instantaneamente porque colocaria em perigo as tropas deles. que éliderana§a em tempo de guerra.

Vocaª acha que funciona¡rios paºblicos geralmente ajudam ou atrapalham em termos de cooperação comunita¡ria?

A maioria deles quer fazer a coisa certa, incluindo prefeitos e outros lideres comunita¡rios. Esta manha£, eu estava lendo sobre o superintendente da escola no munica­pio mais pobre do Mississippi, que estãousando seus a´nibus para entregar comida a criana§as que, de outra forma, poderiam passar fome. E ele estãofazendo isso com algum risco para si mesmo. Eu acho isso extraordina¡rio. Isso éliderana§a.

Uma das principais conclusaµes de um de seus estudos anteriores foi que o medo de conta¡gio deixa as pessoas irracionais, como aconteceu na epidemia de AIDS em Sa£o Francisco na década de 1980, quando grupos conservadores se concentraram na moralidade da homossexualidade em vez de gerenciar os riscos a  saúde pública . Qual éa maneira mais eficaz de combater esse tipo de irracionalidade durante uma crise de saúde pública?

O ponto de partida éentender que estamos envolvidos em um esporte coletivo. Qual éo nosso trabalho agora? Ajudar todas as pessoas nos hospitais. Qua£o? Ao ficar em casa, não infectamos mais pessoas. Em um esporte de equipe, todo mundo precisa se comprometer.

O que éo medo do conta¡gio que leva as pessoas racionais a se envolver em rumores infundados sobre aqueles que consideram estranhos?

Uma coisa éque sua própria mortalidade se torna muito saliente. E então vocêacrescenta a isso o medo do desconhecido. Vocaª sabe que poderia morrer, mas sem ideia de quando ou como. Portanto, existe toda essa incerteza, e a incerteza éparalisante. Uma boa maneira de domar seu medo - principalmente se os lideres o disponibilizarem - éculpar outro grupo pela origem disso. Vocaª tem a Peste Negra na Idade Manãdia, e quem foi o culpado? Os judeus foram culpados. Tome diferentes surtos de doenças contagiosas e, geralmente, um grupo diferente éculpado toda vez. Vocaª pode ver isso agora na Amanãrica.

Como assim?

Tivemos incidentes de chineses-americanos, nipo-americanos, coreanos-americanos que foram ameaa§ados, castigados ou criticados porque o va­rus saiu da asia. Esse éo perigo sempre com essas doenças contagiosas. Simplificando, quando analisamos desastres, geralmente pensamos que o desastre éo problema. Mas o que precisamos entender éque os desastres se tornam cata¡strofes apenas quando as proteções culturais de uma sociedade murcham ou desmoronam. Nossas normas de civilidade, nossas normas de solidariedade, comea§am a desmoronar quando o medo éassociado ao nojo.

O que estãoacontecendo agora éapenas uma continuação do tipo de xenofobia que vimos nas pandemias passadas? Ou isso éalgo completamente diferente?

As tendaªncias de xenofobia são sempre latentes. Eles precisam de oportunidades para surgir. Vocaª pode pensar em COVID como uma rampa pela qual essa borbulha acontece. Existem muitos, mas esse éum deles. Nãoéque a COVID crie algo do nada. O va­rus acentua o que já estãola¡, oculto no fundo, inativo. O que o COVID faz éintensifica¡-lo.

Vocaª parece desanimado com o que viu atéagora. Mas hásinais que lhe da£o esperana§a?

Adoro o que nossos alunos estãofazendo, apesar de todos estarem com medo e pensando: “Vou conseguir um emprego? Vou conseguir um esta¡gio? Eles estãofazendo coisas incra­veis no campus, tudo por iniciativa própria. Isso me da¡ confiana§a. Sempre existem afluentes de boa vontade, solidariedade, destacando o melhor das pessoas. Minha sincera esperana§a éque isso tenha sido uma educação para o povo americano sobre o que o governo pode e deve fazer e o que a venalidade pode e não pode fazer.

Em 2018, vocêconcluiu que a resiliencia de uma comunidade depende de dois fatores cra­ticos: como o desastre éenquadrado pela comunidade e seus lideres e como a comunidade écooperativa ao lidar com os desafios. Como vocêacha que os EUA estavam preparados para o surto de coronava­rus em termos de cooperação comunita¡ria?

Muitas vezes pensamos na preparação como capacidade, mas se vocêperguntar aos psica³logos, eles dizem que a preparação também émotivação. a‰ um estado de prontida£o adaptativa. A resposta curta éque partes do governo, universidades, pessoal de saúde pública e escolas de medicina certamente estavam cientes e estavam todas muito preocupadas. Os EUA tem alguns dos melhores especialistas em doenças contagiosas do mundo. Eles são como Navy SEALs especializados em doenças transmitidas por vetores. E, no entanto, não fomos capazes de tirar proveito da ajuda deles. Nãohavia entendimento de tudo isso para que pudesse se traduzir em algum tipo de estratanãgia legislativa ou conjunto de prioridades executivas. Tem sido um tipo de planejamento da confederação de burros.

Vocaª descreveu instituições de caridade e organizações sem fins lucrativos como fatores cra­ticos na resiliencia de uma sociedade durante uma crise como essa, porque eles ajudam a absorver o choque.

Eles são absorvedores de choque vitais em qualquer comunidade. Leve-os embora e vocêestara¡ em apuros. Na minha opinia£o, isso éoutra omissão. Vejo todos esses ora§amentos e despesas para as empresas, e éclaro que isso éútil, mas e as organizações sem fins lucrativos? Quem vai ajuda¡-los? Eles são os que dirigem as cozinhas e fazem a alimentação e distribuição. Sem esses amortecedores, serámuito tra¡gico.

Vocaª cita o trabalho do professor de pola­tica pública Robert Putnam, da Universidade de Harvard, que compara a cooperação social ao lubrificante WD-40, que reduz o atrito. Como vocêavalia nossa cooperação social durante a pandemia de coronava­rus?

Infelizmente, precisamos de muito mais WD-40. No final, seja compassivo, seja gentil e generoso. Pera­odo.

 

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