Humanidades

Modelo matema¡tico busca entender comportamento dos partidos pola­ticos no Congresso
Manãtodo permite visualizar coesão entre partidos e identificar situaa§aµes de fragmentaa§a£o e isolamento que podem levar a rupturas
Por Júlio Bernardes - 25/06/2020


Pesquisadores usaram manãtodos matema¡ticos para definir conjuntos que mostram a coaliza£o, a fragmentação e o isolamento entre partidos pola­ticos no Congresso Nacional;  modelo criado na pesquisa permite analisar de forma sistema¡tica as aliana§as políticas no cena¡rio brasileiro atual osFotomontagem: Jornal da USP

A matemática éusada para entender o comportamento dos parlamentares brasileiros no Congresso Nacional em pesquisa do Instituto de Ciências Matema¡ticas e de Computação (ICMC) da USP, em Sa£o Carlos. Com base nas votações realizadas pela Ca¢mara dos Deputados entre 1991 e 2019, os pesquisadores usaram manãtodos matema¡ticos para definir conjuntos que mostram a coaliza£o, a fragmentação e o isolamento entre partidos pola­ticos. O estudo concluiu que, apesar do grande número de partidos, os deputados se reaºnem em poucos grupos, conforme o alinhamento com o governo. A pesquisa criou um modelo que permite analisar sistematicamente as aliana§as políticas no cena¡rio brasileiro atual.

“a‰ possí­vel verificar, por exemplo, se o partido anterior do presidente da República estãose dividindo em votações, se ainda tem a mesma pauta, ou se aproxima de partidos de diferentes ideologias. Outra possibilidade éverificar se hádivergaªncia entre os partidos em tempos de covid-19”, afirma ao Jornal da USP o professor Diego Raphael Ama¢ncio, do ICMC, que coordenou o estudo. “Tambanãm pode-se verificar se as recentes aliana§as políticas do governo afetam a maneira de votar dos deputados, e ainda se háformação de novos grupos ou se deputados abandonam os grupos anteriores no qual estavam conectados.”

“O objetivo do trabalho éentender como o sistema pola­tico brasileiro evolui com o tempo”, diz o professor. “Especificamente, buscou-se responder como os partidos pola­ticos se relacionam entre si ao longo do tempo. Embora o sistema pola­tico brasileiro tenha vários partidos, tentou-se agrupa¡-los a partir de comportamentos similares, ou seja, se os deputados votam de modo semelhante. A ideia era identificar um padrãono comportamento pola­tico que possa indicar alguma ruptura, como, por exemplo, um impeachment.” As conclusaµes do estudo são descritas em artigo da revista cienta­fica Plos One.

De acordo com Filipi Nascimento Silva, da Indiana University (Estados Unidos), que participou do estudo, os pesquisadores utilizaram a técnica de redes complexas, uma forma de representar sistemas compostos pelas relações entre seus elementos. “Na pesquisa, os elementos, conhecidos como nós, são os deputados e as relações, chamadas de arestas, indicam se dois deputados votaram com padraµes similares em proposições no Congresso Nacional”, explica. “Foram usados alguns conceitos de redes traduzidos para o ambiente pola­tico, com a finalidade de quantificar os fena´menos ocorrendo no sistema pola­tico. Isso inclui a coaliza£o, fragmentação e isolamento entre partidos.”

O isolamento acontece quando um partido se distancia dos outros, isto anã, os deputados de um partido votam de forma diferente com relação aos outros partidos. “A fragmentação define o quanto os deputados de um mesmo partido estãodistantes entre si. O sistema de coalizaµes édefinido pelas comunidades de deputados de acordo com quanto similar eles votam”, relata Silva. “Por exemplo, se os deputados do partido A votam de forma similar ao partido B, eles formam um grupo na rede e estes grupos podem ser detectados atravanãs de técnicas de detecção de comunidades.”

Centro, direita e esquerda

Para analisar o comportamento dos congressistas, os pesquisadores geraram uma rede de deputados que muda ao longo do tempo. Os dados cobrem de 1991 atéo primeiro semestre de 2019. “Em uma das análises foram usados algoritmos de agrupamento de dados em redes (detecção de comunidades) e foi verificado que, embora o número de partidos na Ca¢mara tenha aumentado no período, o número efetivo de grupos representados era bem menor”, observa o professor Ama¢ncio. “Ou seja, embora existam muitos partidos, encontrou-se aproximadamente um conjunto de três grupos de deputados, de centro, de direita e de esquerda.”

As redes foram montadas em duas resoluções: a cada maªs e a cada ano. “A dina¢mica dos grupos éum pouco complexa. Durante certos períodos, os dois maiores grupos correspondem aos partidos de direita e aos de esquerda, com um terceiro grupo que a s vezes éde centro e outras vezes se revela como uma outra parte da esquerda ou direita”, aponta Silva. “Isso indica que muitas vezes partidos de direita ou de esquerda nem sempre estãounidos em uma única comunidade.”

2020
2020
A figura ilustra as redes obtidas no estudo. Cada ca­rculo representa um deputado, que são ligados por similaridade de votos ao longo do ano considerado. As cores representam os partidos pola­ticos dos deputados. A rede a  esquerda da figura mostra o cena¡rio pola­tico de 2011, durante o governo Lula. a‰ fa¡cil perceber que DEM e PSDB estãoisolados da rede (oposição), enquanto PT e MDB estãobem pra³ximos. No cena¡rio de 2019 (rede a  direita), um cena¡rio bastante diferente éobservado. Percebe-se um forte isolamento do PT e em menor grau do PCdoB. O MDB, ao contra¡rio de 2011, desconectou-se do PT. Percebe-se também o alto grau de conectividade de deputados do PSL osImagem: cedida pelos pesquisadores

O pesquisador da Indiana University descreve que, em 2000, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB (1995-2003), por exemplo, háduas grandes comunidades, uma de partidos da esquerda e outra de partidos de centro e de direita. “Em 2003, com Lua­s Ina¡cio Lula da Silva, do PT, na presidaªncia (2003-2011), a situação édiferente, com a maioria dos partidos, independente de posição pola­tica, juntos na comunidade que representa o governo”, conta, “exceto por dois partidos, PSDB e DEM, que pertencem a  comunidade da oposição, estrutura que permanece igual durante todo o governo Lula”.

Até2016, no governo de Dilma Rousseff (2011-2016), o professor do ICMC observa que o isolamento do PT era consistente com o de outros partidos. “Um pouco antes do processo de impeachment, o isolamento do partido se tornou claro pelos dados. A partir de então, o isolamento se manteve consistentemente mais alto”, ressalta. “Isto mostra que o aumento do isolamento pode ser um indicativo de perda da base pola­tica, o que poderia levar a consequaªncias mais extremas, como foi o impeachment de Dilma.”

Em 2019 com a posse de um novo presidente e de um novo Congresso, um cena¡rio bastante diferente éobservado, aponta Ama¢ncio. “Percebe-se um forte isolamento do PT e em menor grau do PCdoB. O MDB, ao contra¡rio de 2011, desconectou-se do PT”, destaca. “Percebe-se também o alto grau de conectividade de deputados do PSL”. Na pa¡gina https://filipinascimento.github.io/politiciannetworks/, épossí­vel verificar como os deputados e partidos interagiram ao longo de cada ano analisado.

Os pesquisadores acreditam que o sistema desenvolvido no estudo, junto com outros dados, como nota­cias, economia, redes sociais, podera¡ trazr relações e fazer previsaµes para eleitores e instituições entenderem o comportamento dos partidos, facilitando a tomada de decisaµes, além de permitir ao governo que identifique possa­veis rupturas em sua base parlamentar. “Os manãtodos de ciência pola­tica utilizados nessas previsaµes, em geral, envolvem estata­stica ba¡sica e técnicas de visualização, mas poucos parecem bem adaptados para análises ao longo do tempo”, diz Ana Caroline Medeiros Brito, aluna de mestrado do ICMC.

 

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