Humanidades

Por que a ma­dia social mudou o mundo - e como consertar
O novo livro do professor Sinan Aral do MIT, “The Hype Machine”, explora os perigos e a promessa das ma­dias sociais em tempos de disca³rdia.
Por Peter Dizikes - 24/09/2020


O novo livro do professor do MIT Sinan Aral, “The Hype Machine”, examina a dina¢mica da ma­dia social e sugere novas maneiras de evitar que as informações online exacerbem a falsidade, a polarização e a tensão social.

Vocaª estãomuito nas redes sociais? Quando foi a última vez que vocêacessou o Twitter, Facebook ou Instagram? Noite passada? Antes do caféda manha£? Cinco minutos atrás?

Nesse caso, vocênão estãosozinho - que éo ponto, éclaro. Os humanos são criaturas altamente sociais. Nossos cérebros foram conectados para processar informações sociais e geralmente nos sentimos melhor quando estamos conectados. A ma­dia social explora essa tendaªncia.

“Os cérebros humanos evolua­ram essencialmente por causa da sociabilidade mais do que qualquer outra coisa”, diz Sinan Aral, professor do MIT e especialista em tecnologia da informação e marketing. “Quando vocêdesenvolve uma tecnologia em escala populacional que fornece sinais sociais para a quantidade de trilhaµes por dia em tempo real, o surgimento da ma­dia social não éinesperado. a‰ como jogar um fa³sforo aceso em uma poa§a de gasolina. ”

Os números deixam isso claro. Em 2005, cerca de 7% dos adultos americanos usavam as ma­dias sociais. Mas em 2017, 80 por cento dos adultos americanos usavam o Facebook sozinho. Cerca de 3,5 bilhaµes de pessoas no planeta, de 7,7 bilhaµes, são participantes ativos da ma­dia social. Globalmente, durante um dia normal, as pessoas postam 500 milhões de tweets, compartilham mais de 10 bilhaµes de pea§as de conteaºdo do Facebook e assistem a mais de um bilha£o de horas de va­deo no YouTube.

Amedida que as plataformas de ma­dia social cresceram, poranãm, a visão uta³pica difusa e outrora predominante da comunidade online desapareceu. Junto com os benefa­cios de conectividade fa¡cil e maior informação, a ma­dia social também se tornou um vea­culo para desinformação e ataques pola­ticos de além das fronteiras soberanas.

“A ma­dia social atrapalha nossas eleições, nossa economia e nossa saúde”, diz Aral, que éo David Austin Professor of Management na MIT Sloan School of Management.

Agora Aral escreveu um livro sobre isso. Em “The Hype Machine”, publicado este maªs pela Currency, um selo da Random House, Aral detalha por que as plataformas de ma­dia social se tornaram tão bem-sucedidas, mas tão problema¡ticas, e sugere maneiras de melhora¡-las.

Como Aral observa, o livro cobre parte do mesmo territa³rio de “O Dilema Social”, um documenta¡rio que éum dos filmes mais populares da Netflix no momento. Mas o livro de Aral, como ele diz, "comea§a onde 'O Dilema Social' termina e vai um passo adiante para perguntar: O que podemos fazer sobre isso?"

“Essa ma¡quina existe em todas as facetas de nossas vidas”, diz Aral. “E a questãono livro anã, o que fazemos? Como podemos cumprir a promessa desta ma¡quina e evitar o perigo? Estamos em uma encruzilhada. O que faremos a seguir éessencial, então quero equipar pessoas, legisladores e plataformas para nos ajudar a alcana§ar bons resultados e evitar os ruins. ”

Quando “engajamento” éigual a raiva

“The Hype Machine” baseia-se na própria pesquisa de Aral sobre redes sociais, bem como outras descobertas, das ciências cognitivas, ciência da computação, nega³cios, pola­tica e muito mais. Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles, por exemplo, descobriram que as pessoas obtem maiores doses de dopamina - a substância química em nossos cérebros altamente ligada a  motivação e recompensa - quando suas postagens nas redes sociais recebem mais curtidas.

Ao mesmo tempo, considere um estudo do MIT de 2018 realizado por Soroush Vosoughi, um estudante de PhD do MIT e agora professor assistente de ciência da computação no Dartmouth College; Deb Roy, professora de artes e ciências da ma­dia do MIT e diretora executiva do MIT Media Lab; e Aral, que estuda redes sociais há20 anos. Os três pesquisadores descobriram que no Twitter, de 2006 a 2017, as nota­cias falsas tinham 70% mais probabilidade de serem retuitadas do que as verdadeiras. Por quaª? Muito provavelmente porque as nota­cias falsas tem maior valor de novidade em comparação com a verdade e provocam reações mais fortes - especialmente nojo e surpresa.

Sob essa luz, a tensão essencial em torno das empresas de ma­dia social éque suas plataformas ganham audiaªncia e receita quando as postagens provocam fortes respostas emocionais, muitas vezes baseadas em conteaºdo duvidoso.

“Esta éuma ma¡quina bem projetada e bem pensada que tem objetivos que maximiza”, diz Aral. “Os modelos de nega³cios que administram o complexo industrial de ma­dia social tem muito a ver com os resultados que estamos vendo - éuma economia de atenção e as empresas querem que vocêse envolva. Como eles conseguem engajamento? Bem, eles te da£o pequenas doses de dopamina e ... te deixam irritado. a‰ por isso que a chamo de ma¡quina de hype. Sabemos que emoções fortes nos envolvem, então [isso favorece] raiva e conteaºdo lascivo. ”

Da Raºssia ao marketing

“The Hype Machine” explora as implicações políticas e asDimensões de nega³cios da ma­dia social em profundidade. Certamente a ma­dia social éum terreno fanãrtil para campanhas de desinformação. Durante a eleição presidencial de 2016 nos EUA, a Raºssia espalhou informações falsas para pelo menos 126 milhões de pessoas no Facebook e outros 20 milhões de pessoas no Instagram (que o Facebook possui), e foi responsável por 10 milhões de tweets. Cerca de 44 por cento dos americanos adultos visitaram uma fonte de nota­cias falsas nas semanas finais da campanha.

“Acho que precisamos ser muito mais vigilantes do que somos”, diz Aral.

Nãosabemos se os esforços da Raºssia alteraram o resultado das eleições de 2016, disse Aral, embora possam ter sido bastante eficazes. Curiosamente, não estãoclaro se o mesmo se aplica a  maioria dos esforços de envolvimento corporativo dos Estados Unidos.

Como Aral examina, a publicidade digital na maioria das grandes plataformas online dos EUA émuitas vezes extremamente ineficaz, com estudos acadaªmicos mostrando que o "aumento" gerado por campanhas publicita¡rias - a extensão em que afetam a ação do consumidor - foi exagerado por centenas, em alguns casos. Simplesmente contar cliques em anaºncios não ésuficiente. Em vez disso, o engajamento online tende a ser mais eficaz entre novos consumidores e quando bem direcionado; nesse sentido, existe um paralelo entre o bom marketing e as campanhas de guerrilha nas ma­dias sociais.

“As duas perguntas que mais me fazem hoje em dia”, diz Aral, “são, uma, a Raºssia conseguiu intervir em nossa democracia? E dois, como posso medir o ROI [retorno sobre o investimento] dos investimentos em marketing? Enquanto escrevia este livro, percebi que a resposta a essas duas perguntas éa mesma. ”

Ideias para melhorias

“The Hype Machine” recebeu elogios de muitos comentaristas. Foster Provost, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, afirma que éuma “integração magistral de ciaªncia, nega³cios, direito e pola­tica”. Duncan Watts, um professor universita¡rio da Universidade da Pensilva¢nia, diz que o livro é“uma leitura essencial para quem quer entender como chegamos aqui e como podemos chegar a um lugar melhor”.

Nesse sentido, “The Hype Machine” tem várias sugestaµes detalhadas para melhorar a ma­dia social. Aral favorece a rotulagem automatizada e gerada pelo usua¡rio de nota­cias falsas e limitando a coleta de receita baseada em conteaºdo falso. Ele também pede que as empresas ajudem os acadaªmicos a pesquisar melhor a questãoda interferaªncia eleitoral.

Aral acredita que as medidas federais de privacidade podem ser aºteis, se aprendermos com os benefa­cios e erros do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na Europa e uma nova lei da Califórnia que permite aos consumidores interromper o compartilhamento de dados e permite que as pessoas descubram quais informações as empresas tem armazenado sobre eles. Ele não endossa o desmembramento do Facebook e, em vez disso, sugere que a economia da ma­dia social precisa de uma reforma estrutural. Ele pede portabilidade e interoperabilidade de dados, para que “os consumidores sejam donos de suas identidades e possam mudar livremente de uma rede para outra”. Aral acredita que, sem essasmudanças fundamentais, as novas plataformas simplesmente substituira£o as antigas, impulsionadas pelos efeitos de rede que impulsionam a economia das ma­dias sociais.

“Nãodefendo nenhuma fa³rmula ma¡gica”, diz Aral, que enfatiza quemudanças em quatro áreas juntas - dinheiro, ca³digo, normas e leis - podem alterar a trajeta³ria da indústria de ma­dia social.

Mas se as coisas continuarem semmudanças, acrescenta Aral, o Facebook e outros gigantes da ma­dia social correm o risco de uma reação ca­vica substancial e do esgotamento do usua¡rio.

“Se vocême deixar com raiva e irritado, posso clicar mais no curto prazo, mas também posso ficar muito cansado e irritado com o modo como isso estãotornando minha vida misera¡vel, e posso desliga¡-lo totalmente”, observa Aral. “Quero dizer, épor isso que temos um movimento Delete Facebook, épor isso que temos um movimento Stop Hate for Profit. As pessoas estãoresistindo a  visão de curto prazo e acho que precisamos adotar essa visão de longo prazo de um ecossistema de comunicações mais sauda¡vel. ”

Mudar os gigantes da ma­dia social pode parecer uma tarefa difa­cil. Ainda assim, diz Aral, essas empresas não são necessariamente destinadas ao doma­nio.

“Nãoacho que essa tecnologia ou qualquer outra tenha algum ponto de extremidade determina­stico”, diz Aral. “Quero nos trazer de volta a uma realidade mais prática , que éa tecnologia que fazemos, e estamos abdicando de nossa responsabilidade de direcionar a tecnologia para o bem e para longe do mal. Esse éo caminho que tento iluminar neste livro. ”

 

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