Humanidades

Sociedade e doena§a: lições sobre pandemia nas pa¡ginas da história
Naomi Rogers fala sobre o que as epidemias passadas podem nos ensinar sobre a crise atual, como um aumento nos sentimentos anticienta­ficos não énada novo e muito mais.
Por Susan Gonzalez - 05/02/2021


Collection. Atribuição 4.0 Internacional, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons)

Enquanto fazia pesquisas como estudante de graduação na Austra¡lia no final dos anos 1970, Naomi Rogers topou com alguns volumes empoeirados do British Medical Journal na biblioteca médica de sua universidade. Nãoeram usados ​​ha¡ muito tempo, mas para Rogers - que buscava debates, entre as décadas de 1870 e 1880, sobre se as mulheres deveriam ser admitidas nas faculdades de medicina - havia algo de “ma¡gico” naquelas pa¡ginas. Na anãpoca, dividida entre uma carreira na música ou na história, ela começou a se inclinar para a vida como historiadora.

Desde que ingressou no corpo docente de Yale em tempo integral em 2001, Rogers ensinou história da medicina, com especialização em doenças e saúde pública, gaªnero e saúde, deficiência, ativismo feminista e medicina alternativa. Nomeada professora titular em 2015, ela escreveu sobre epidemia de pa³lio em dois de seus livros, “Dirt and Disease: Polio Before FDR” e “Polio Wars: Sister Kenny and the Golden Age of American Medicine,” e agora estãotrabalhando em um livro que examina o ativismo pela saúde desde 1945.

Durante a pandemia COVID-19, Rogers, professor de história da medicina e história na Faculdade de Artes e Ciências, foi convocado pela ma­dia e outros para oferecer uma perspectiva hista³rica sobre epidemias, saúde pública, ciência e medicina. Ela recentemente falou com a YaleNews sobre o que as epidemias passadas podem nos ensinar sobre a crise atual, o que a pandemia lhe ensinou como historiadora e como um aumento na desinformação e nos sentimentos anticienta­ficos durante uma emergaªncia de saúde pública não énovidade.

A conversa foi editada e condensada.

Vocaª começou sua carreira como historiador da medicina no momento em que a crise da AIDS estava se desenrolando. Vocaª vaª algum paralelo entre nossa experiência de COVID-19 e AIDS?

Abordo essa questãocom humildade, porque me lembro que muitos colegas meus seniores nos anos 1980 foram chamados por repa³rteres para falar sobre a AIDS. Então, não tivemos muito tempo para trazer uma compreensão mais sutil do que uma pandemia significa em sua anãpoca especa­fica, e havia muitas coisas que nós, historiadores da medicina, erramos. Embora entendaªssemos algumas das grandes questões em torno da AIDS, como discriminação e mensagens inadequadas de saúde pública, a esperana§a constante durante toda a década de 1980 era que haveria uma vacina em apenas alguns meses. Em muitos aspectos, quando olho para trás em minha dissertação, que buscava vincular a epidemia de pa³lio de 1916 a  nossa experiência com a AIDS, ela era incrivelmente ma­ope e grande parte dela não resistiu ao teste do tempo.

Eu realmente acho que esta éuma pandemia muito diferente de se viver. A AIDS nunca foi vista como algo que pudesse fazer mal a todos. Era vista como uma doença direcionada, atémesmo como uma punição por determinados tipos de comportamento de certos tipos de pessoas, principalmente gays.

Como historiador, tem sido interessante observar como estamos lidando com uma doença em que estãoclaro que qualquer pessoa éum propagador potencial e qualquer pessoa épotencialmente vulnera¡vel. Isso tem implicações profundas nasmudanças de comportamento pessoal. Embora a AIDS também tenha resultado emmudanças de comportamento pessoal, a doença foi primeiro realmente entendida pela comunidade gay, e também pelas profissionais do sexo, como uma que exigiamudanças de comportamento - sexo seguro por meio do uso de preservativos.

O medo da comunidade foi tão disseminado durante a epidemia de pa³lio como tem sido com COVID?

A poliomielite era vista principalmente como uma doença infantil, mas isso, éclaro, significava que todos os pais também se preocupavam. Era um problema comunita¡rio assustador porque ninguanãm sabia como se espalhava ou quem poderia estar infectado com o va­rus. As criana§as que desenvolveram paralisia a s vezes melhoraram. Mas a s vezes isso não acontecia e não havia como prever isso.

Houve esforços desesperados para encontrar maneiras de proteger a comunidade. Embora os profissionais de saúde pública venham dizendo hános que a poliomielite não étransmitida por insetos como os mosquitos, durante a década de 1950 muitas comunidades, incluindo New Haven, pagaram pela pulverização de DDT. Era um tipo de medida para o caso de precisar.

... uma das coisas que o estabelecimento de saúde pública fez com extrema eficácia foi tornar as vacinações parte de um sistema estrutural padrão...

naomi rogers

Um desafio particular durante a pandemia COVID éuma discorda¢ncia sobre a própria ciaªncia, como vimos com mensagens anticienta­ficas, desinformação ou falta de confianção na pesquisa cienta­fica. Isso éalgo novo?

Na£o, não anã. Na verdade, éalgo em que sempre me interessei, o tipo de maneiras diversas, a s vezes contradita³rias, que as pessoas procuram para explicar o que estãoacontecendo e, de certa forma, discordam da orientação cienta­fica e de saúde pública.

Recentemente, nos Estados Unidos e em alguns outrospaíses, as autoridades de saúde pública não tem falado a uma são voz. Fico impressionado, por exemplo, como todas as redes de televisão tem três ou quatro consultores médicos. Por que temos vários em cada rede?

Por muitas décadas, especialmente após a epidemia de gripe de 1918, o estabelecimento de saúde pública acreditou ter criado maneiras realmente eficazes de educar as pessoas sobre a importa¢ncia da higiene pública, higiene pessoal e, no caso de vacinas emergentes, o que era e era não éuma droga segura. Mas durante o desenvolvimento da vacina contra a poliomielite na década de 1950, houve o ressurgimento de um movimento antivacinas que hava­amos visto no século XIX. Houve um argumento de que embora a poliomielite pudesse ser transmitida por um va­rus, não era por isso que tantas criana§as estavam paralisadas. Outras explicações foram dadas, a mais popular sendo que os pais estavam alimentando seus filhos com muito açúcar, sal e refrigerante, levando a uma nutrição deficiente. A ma¡ nutrição era vista como a causa da vulnerabilidade do corpo e, portanto, o va­rus da poliomielite ou qualquer outro va­rus, pensava-se,

No caso da COVID-19, muitas pessoas hesitam em relação a s vacinas devido a  rapidez com que foram desenvolvidas. Como as autoridades de saúde pública convencem as pessoas dos benefa­cios de uma vacina?

O que as pessoas mais temem éque as vacinas tenham sido produzidas em um período de tempo apressado; eles temem que os cientistas tenham sido influenciados por forças externas para dizer falsamente que esta vacina ésegura ou suficientemente segura. Mas deve-se ressaltar que essa vacina foi desenvolvida por grupos de pesquisa que trabalham com coronava­rus hámuitos anos e possuem habilidades aprimoradas na produção de vacinas do tipo DNA. Estamos construindo manãtodos bem estabelecidos, que não são novos.

A história nos ensina algo sobre como influenciar antivaxxers?

As pessoas costumavam pensar que antivaxxers eram ignorantes, talvez sem educação e fora de contato, e que o que eles precisavam eram programas educacionais aºteis que lhes mostrassem como estãoerrados. Agora sabemos que isso éingaªnuo, e vocênão fala com pessoas que discordam de vocêsendo condescendente. Nãosei se descobrimos as melhores maneiras de alcana§ar as comunidades antivax, porque elas são muito diversas. Vocaª não pode criar um projeto educacional de tamanho aºnico e imaginar que vai alcana§ar a todos.

Nos últimos 20 anos, uma das coisas que o estabelecimento de saúde pública fez de forma extremamente eficaz foi tornar a vacinação parte de um sistema estrutural padra£o, em vez de perguntar a s pessoas se não haveria problema em vacinar seus filhos ou a si mesmas. Por exemplo, vocênão pode mandar seus filhos para a escola pública se eles não foram vacinados. Por causa desse sistema estrutural, não era comum os pais recusarem. No futuro, eu ficaria surpreso em saber se muitas escolas estariam dispostas a admitir criana§as  não  vacinadas contra COVID.

… Agora háum reconhecimento mais amplo de que pensar sobre ciência e medicina do ponto de vista das humanidades anã… um recurso valioso.

naomi rogers

A pandemia levantou novas questões para vocêcomo historiador?

Eu tive uma sanãrie de perguntas sobre a loga­stica do lana§amento da vacina contra a poliomielite nas décadas de 1950 e 1960. Nãosei quase nada sobre loga­stica, porque essa pergunta não foi feita aos historiadores. Alguns historiadores estãoiniciando pesquisas sobre a história do rastreamento de contatos, sobre a qual também não sabemos muito.

A pandemia me fora§ou, em particular, a ser um conselheiro e mentor familiarizado com materiais prima¡rios e secunda¡rios online, que os alunos de graduação de Yale que estou aconselhando estãousando para escrever seus ensaios de graduação. Agora tenho que reforçar meu entendimento sobre os tipos de fontes disponí­veis para eles, como eles procuram por eles e o que eles podem encontrar ou não encontrar. a‰ todo um tipo de ensino que nunca dei antes.

O COVID chamou a atenção para o valor da história da medicina e da ciência como um campo acadaªmico?

Uma das coisas que me encorajou muito éque agora háum reconhecimento mais amplo de que pensar sobre ciência e medicina do ponto de vista das humanidades não éapenas uma espanãcie de luxo, mas um recurso valioso. Temos sorte aqui em Yale de ter um grupo vibrante de acadaªmicos que tem explorado a história da medicina e da ciência Precisamos que pessoas das humanidades respondam “De onde vem nosso descontentamento com a resposta ao COVID? Existia antes ou foi inventado pela COVID? Qual éa relação entre doença e disparidades raciais? ” Essas são grandes questões que alguns de nostemos abordado hámuitos anos.

 

.
.

Leia mais a seguir