Humanidades

Rafael Panãrez-Escamilla reflete sobre três décadas dedicadas ao Brasil
Seu trabalho o levou por todo o Brasil e gerou muitas colaboraçaµes e parcerias que prosperam atéhoje. Seu trabalho no Brasil emocionou a muitos e levou o lenda¡rio Peléa lhe dar uma bola de futebol autografada.
Por Ivette Aquilino - 14/03/2021


Cortesia

O professor Rafael Panãrez-Escamilla, da Escola de Saúde Paºblica de Yale, Ph.D., trabalhou em todo o mundo durante uma longa e produtiva carreira para criar melhores resultados de saúde e nutrição, com foco na promoção do aleitamento materno, segurança alimentar doméstica e combate a  desnutrição, incluindo obesidade. Ele passou um tempo significativo nos últimos 30 anos no maiorpaís da Amanãrica do Sul, o Brasil, onde trabalhou com colegas para melhorar os resultados de saúde e também ajudou a treinar um quadro de profissionais de saúde. Seu trabalho o levou por todo o Brasil e gerou muitas colaborações e parcerias que prosperam atéhoje. Seu trabalho no Brasil emocionou a muitos e levou o lenda¡rio Peléa lhe dar uma bola de futebol autografada.

O que primeiro te atraiu para trabalhar no Brasil?

Rafael Panãrez-Escamilla: No ini­cio da década de 1990, fui convidado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) para trabalhar em um estudo de trêspaíses examinando o impacto da Iniciativa Hospital Amigo da Criana§a do UNICEF / OMS. Um dospaíses era o Brasil, e foi assim que iniciei minha colaboração de três décadas com a professora Ana Maria Segall-Corraªa, professora emanãrita da Universidade Estadual de Campinas em Sa£o Paulo. O estudo no Brasil acabou sendo a primeira demonstração do impacto da IHAC na melhora da duração do aleitamento materno exclusivo. Aquele trabalho inicial no Brasil foi muito gratificante e teve grande influaªncia na minha carreira, pois me ensinou que era possí­vel traduzir em larga escala intervenções baseadas em evidaªncias. Uma das minhas colaboradoras no Brasil, Dra. Keiko Teruya, era pediatra da filha de Pelanã,

Quais foram alguns dos desafios de saúde pública encontrados em seus primeiros anos la¡?

Rafael Panãrez-Escamilla: O Brasil éum grandepaís formado por um conjunto diversificado de imigrantes que foram atraa­dos pelos ricos recursos naturais da terra. Mas as cola´nias europeias deixaram um legado doloroso de abusos, incluindo escravida£o, contra as comunidades abora­genes. Desde minha chegada ao Brasil, observei enormes disparidades de saúde nopaís e em suas regiaµes, decorrentes de seu passado colonial e presente neocolonial. Portanto, o primeiro desafio foi realmente tentar entender como as intervenções de saúde pública materno-infantil poderiam ser adaptadas aos diversos contextos sociais, culturais e econa´micos das regiaµes, embora permanecendo eficazes. Esse desafio me fez pensar sobre a grande pobreza, racismo e discriminação enfrentados pelos abora­genes e pessoas de cor, e agora garanto que qualquer intervenção em que me envolva seja inclusiva e socialmente justa.

Descreva os tipos de trabalho de saúde pública que vocêrealizou no Brasil.

Rafael Panãrez-Escamilla: Meu trabalho no Brasil tem contribua­do fortemente para o avanço da pesquisa e das políticas em grande escala em todo opaís.

Primeiro, desde 1990, meu trabalho levou a melhorias nos resultados da amamentação por meio da Iniciativa Hospital Amigo da Criana§a do UNICEF / OMS. Usei o sucesso da iniciativa de amamentação do Brasil para informar outrospaíses sobre como ampliar com sucesso seus pra³prios programas. Esse trabalho levou ao desenvolvimento do Modelo de Equipamento para Amamentar e sua operacionalização por meio da iniciativa global Tornando-se Amiga da Amamentação, liderada pela Escola de Saúde Paºblica de Yale.

Em segundo lugar, o desenvolvimento da Escala Brasileira de Segurança Alimentar (EBIA), a partir de 2003, levou a uma explosão de pesquisas em insegurança alimentar que continua atéhoje. Esta pesquisa nos ajudou a entender melhor os determinantes e as consequaªncias da insegurança alimentar familiar, incluindo desenvolvimento infantil deficiente, doenças infecciosas, nanismo e obesidade. Meu trabalho nessa área também foi muito oportuno em termos de pola­tica, pois justificou fortemente o Programa Fome Zero (Fome Zero) e informou o desenho do programa Bolsa Fama­lia, o maior programa de transferaªncia condicionada de renda do mundo, bem como o estrutura dos comitaªs locais de segurança alimentar. De fato, foi por meio da EBIA que o governo do Brasil foi capaz de demonstrar como seus maiores investimentos em políticas sociais equitativas levaram a uma redução da insegurança alimentar em cerca de 30% entre 2004 e 2014.

Terceiro, por meio de meu trabalho com a Sanãrie de Desenvolvimento da Primeira Infa¢ncia da Lancet 2016 e da Organização Mundial da Saúde, contribua­ para o desenvolvimento da estrutura global de cuidados nutritivos que foi fundamental para a concepção e lana§amento do programa de visitas domiciliares de habilidades parentais Criana§a Feliz, que atende milhões de fama­lias de baixa renda em todo opaís.

"Em primeiro lugar, continuarei treinando e orientando mais alunos e acadaªmicos nos pra³ximos anos".

Rafael Panãrez-Escamilla

Ha¡ alguma intervenção de saúde pública da qual vocêfez parte que foi particularmente bem-sucedida?

Rafael Panãrez-Escamilla: Eu diria que meu trabalho colaborativo no Brasil desempenhou um papel importante no sucesso que opaís teve em melhorar e manter resultados de amamentação mais otimizados. Da mesma forma, o projeto de medição nacional da segurança alimentar domiciliar foi fundamental para apoiar políticas sociais e de segurança alimentar mais equitativas das administrações anteriores, bem como proteger contra o desmantelamento de programas que, de outra forma, já teriam sido desmantelados pela atual liderana§a pola­tica. Por exemplo, os dados dessa iniciativa ajudaram a contrabalana§ar a mensagem do presidente dopaís de que não háfome no Brasil, mostrando claramente não são que háfome no Brasil, mas também que o problema se agravou, principalmente para os muito pobres, sob sua administração.

Qual éa sua lembrana§a favorita da sua passagem pelo Brasil?

Rafael Panãrez-Escamilla: De longe, minha lembrana§a favorita do Brasil éo tempo que passei com minha familia durante uma licena§a saba¡tica na Universidade de Campinas em 2003. Durante esse tempo, pude compartilhar com minha familia as maravilhas naturais do Brasil e as culturas incrivelmente ricas. que juntos representam o que o Brasil realmente é- umpaís vasto e altamente diverso com pessoas, arte, música e literatura incra­veis. Ana Maria Segall-Corraªa e sua familia foram anfitriaµes incra­veis, e por meio deles, conseguimos estabelecer no Brasil muitas amizades e colaborações que tanto valorizamos. Durante esse ano saba¡tico, Ana Maria e eu lana§amos o que se tornou o projeto nacional para mapear a insegurança alimentar domiciliar em todo o Brasil. Este trabalho, que contou com a forte colaboração do Professor Rodrigo Vianna da Universidade Federal da Paraa­ba, ajudou a capacitar e melhorar muito a educação, o treinamento e a pesquisa em segurança alimentar em instituições acadaªmicas e de pesquisa em todo o Brasil. Isso não são acabou influenciando fortemente a pesquisa e as políticas de segurança alimentar no Brasil, mas também levou a grandes melhorias na medição e pesquisa da insegurança alimentar doméstica em toda a Amanãrica Latina e globalmente em forte parceria com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Quais são alguns desafios que vocêenfrentou em seu trabalho no Brasil?

Rafael Panãrez-Escamilla: O maior desafio, de longe, tem sido as principais consequaªncias negativas para a saúde pública dasmudanças abruptas nas prioridades sociais, econa´micas e de saúde pública trazidas pelas administrações políticas desde 2016. O ambiente criado por esse pensamento pola­tico regressivo levou ao desmantelamento de dados baseados em evidaªncias programas de nutrição em saúde pública e uma redução drama¡tica nos fundos de pesquisa para saúde pública e determinantes sociais da saúde em universidades no Brasil. Os esforços do atual governo para enfraquecer as universidades tem sido tão fortes que algumas universidades públicas nem mesmo tem ora§amento para pagar a eletricidade e outras necessidades operacionais ba¡sicas. Apesar disso, nosso trabalho coletivo de colaboração continua a ser feito e esperamos que em um futuro pra³ximo ajude a reverter a atual terra­vel situação que opaís estãoenfrentando.

Qual éo estado da saúde pública no Brasil hoje?

Rafael Panãrez-Escamilla: Infelizmente, as esperanças de grandes avanços, como a saúde universal, foram seriamente prejudicadas pelo atual governo. Onívelde cortes severos e esforços intencionais para minar o sistema paºblico de saúde no Brasil, incluindo a saúde universal, não foi visto em umpaís que, atérecentemente, se orgulhava de cumprir seu mandato constitucional de reconhecer saúde e segurança alimentar para tudo como um direito humano. Por exemplo, o desmantelamento dos comitaªs locais de saúde e segurança alimentar pelo atual governo érealmente desanimador. No final das contas, a implicação de quanto prejudiciais essas medidas tem sido para a população do Brasil se reflete na resposta incrivelmente irresponsável e ineficaz de seu governo a  pandemia COVID-19. A partir de agora,

Quais são alguns dos seus objetivos ao continuar a trabalhar no Brasil?

Rafael Panãrez-Escamilla: Em primeiro lugar, continuarei treinando e orientando mais alunos e acadaªmicos nos pra³ximos anos. Enquanto faa§o isso, continuarei e lana§arei novos projetos colaborativos de nutrição em saúde pública ao longo do caminho. Eu assumi um compromisso de dois anos para colaborar com o Professor Cristiano Boccolini da Fundação Fio Cruz do Rio de Janeiro em abordagens de big data para examinar a relação entre a Iniciativa Hospital Amigo da Criana§a e mortalidade neonatal; com a Professora Rosana Salles-Costa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sobre Tendaªncias da Insegurança Alimentar Domiciliar e Programas de Assistaªncia Alimentar; e com o Professor Emanãrito Cesar Victora da Universidade Federal de Pelotas / RS sobre epidemiologia global das prática s de alimentação infantil. Portanto, minha extraordina¡ria aventura no Brasil continuara¡ por muitos anos!

 

.
.

Leia mais a seguir