Humanidades

Um filho se aproximando da idade adulta, sua ma£e se aproximando da morte
O pai distante de Corey se muda para ajudar a cuidar de Gloria, afetada por ALS, no novo romance de Atticus Lish
Por Harvard - 15/09/2021


Atticus Lish '04 éo autor de “The War for Gloria”. Foto de Ryan Hermens

Extraa­do de “ The War for Gloria ” por Atticus Lish '04 publicado por Alfred A. Knopf, um selo do The Knopf Doubleday Publishing Group, uma divisão da Penguin Random House LLC.

Vocaª nunca pensa sobre nervos e respiração. Vocaª considera a respiração garantida. Vocaª da¡ como certo os nervos sob sua pele ou sob a pele de outro animal.

Sua ma£e o amava. Gloria disse: "Vocaª me faz rir." Ele tinha senso de humor sobre suas vidas, aparentemente. Ela era uma ma£e solteira e ele a ajudou a recolher sua biblioteca nas ruas de Boston e nunca reclamou disso. Eles vasculharam caixas de livros juntos e compartilharam o que encontraram. Seu filho nunca ficava entediado, mesmo morando em seu carro.

Ela veio de Springfield, que ela chamava de sua cidadezinha de merda. Ela tinha vindo para Boston para fazer faculdade. Ela queria se apoiar nos ombros de Germaine Greer, autora de “Sex and Destiny”. Ela deu a  luz Corey no Mass General durante o que deveria ter sido seu último ano de faculdade.

Ela caiu em Cleveland Circle, Jamaica Plain, Mission Hill - apenas ela e seu filho - e seus companheiros de quarto em constante mudança. Por um tempo, eles ficaram em uma casa de três andares em Dorchester e ele foi para uma escola onde uma boa metade das outras criana§as eram das ilhas de Cabo Verde. Corey mostrou a  sua ma£e as ilhas do mapa, Boa Vista e Santiago, na costa do Senegal, dizendo a ela que um dia ele estaria navegando aqui quando crescesse e fosse para o mar.

Ele havia aprendido sobre o conceito de um navio morando no carro de sua ma£e. Ele havia aderido ao conceito desde o ina­cio. Talvez sempre tenha estado em sua cabea§a, um dos conceitos ba¡sicos com que nasceu - mulher, terra, sol, barco.

Seu nome completo era Gloria Goltz. Em sua mente, ela sempre foi uma loira brilhante. Ele a via como tendo uma manda­bula de vidro que ela sempre colocava para cima e ficava rachando. Mas quando se tratava dele, ela era corajosa. Uma vez, ela o levou a um KFC e o gerente não quis dar a ela outro biscoito com o pedido, mas ela exigiu porque Corey adorava biscoitos - ele havia lido que os marinheiros comiam carne de porco salgada e dura - e o gerente, com seus braa§os finos e camisa listrada, cedeu.

"Ma£e, vocêestãosempre me dando coisas."

"Vocaª nunca pede nada."

Gloria e Corey cortaram os biscoitos em sua bandeja de pla¡stico marrom e os comeram com manteiga e mel.

"Vocaª se importara¡ quando eu me tornar um marinheiro?"

"Oh não. Mas eu quero que vocêseja um marinheiro inteligente. Eu não quero que vocêseja burro. ”

"Mas vocêse importara¡ quando eu tiver que sair de casa?"

"Eu terei que aceitar isso."

“Eu voltarei e visitarei. As viagens geralmente duram cerca de três anos. As viagens de caça a s baleias podem durar sete. ”

Havia um padrãoentre ela ficando azul e ele ajudando-a. Ela ficou azul por causa de si mesma. Ela não havia realizado a ambição que tinha aos dezessete anos, fumando um cigarro na frente de seu dormita³rio de concreto no Lesley College na sombra de Harvard - na sombra literal de sua biblioteca jura­dica coberta de hera em forma de la¡pide - para pensar e escrever e chocar o mundo, condena¡-lo, sintetizar todas as evidaªncias disponí­veis - arte, história, filmes, imagens e mensagens negativas na ma­dia, sua educação, seu corpo no espelho, seus pra³prios pensamentos, atéas menores coisas atéo cigarro em sua boca - em um aºnico grito de raiva contra o patriarcado.

Em vez disso, ela tinha sido uma gara§onete, uma gara§onete pegando garrafas de um balca£o depois que o bar foi fechado e a banda estava desligando seus amplificadores e era tarde demais para fazer qualquer coisa além de dormir no dia seguinte. E isso durou anos - anos dizendo a si mesma que estava encontrando sua voz, que estava se preparando - anos lendo e não escrevendo, de tardes grogue, um livro feminista em suas ma£os no T, “Sexo e Destino, ”Doc Martens de panã, lendo no Au Bon Pain, pulando de sua cadeira de arame e apoiando-se na biqueira de couro vermelho de suas botas para abraçar os maºsicos de rua que entravam com os pombos, carregando violaµes, usando chapanãus-coco e alema£o gabardinas do exanãrcito, o fedor aºmido do banheiro na esquina e os homens estranhos jogando xadrez o dia todo; os vagabundos de Seattle, skinheads de suspensãorios saudando na rua, um Mohawk tingido do tamanho de uma lâmina de serra circular de uma serraria no topo de uma careca esquelanãtica, criana§as das cidades ricas de Concord e Lexington explorando novas identidades como criana§as abandonadas, a  noite uma matilha de jovens multirraciais de Dorchester la¡ para vender drogas . Suas pernas magras. Ela havia abandonado a escola. Ela tinha estado no The Pit at Harvard Square, sentada de pernas cruzadas em meia-cala§a listrada na parede de granito, seus olhos maquiados, sua boca pintada de preto, debatendo com seus colegas anarquistas, mostrando o quadrado - o banco, os tijolos , o Coop, o rela³gio, o privilanãgio e a hipocrisia. O grito de raiva foi para ela mesma. a  noite, uma matilha de jovens multirraciais de Dorchester la¡ para vender drogas. Suas pernas magras. Ela havia abandonado a escola. Ela tinha estado no The Pit at Harvard Square, sentada de pernas cruzadas em meia-cala§a listrada na parede de granito, seus olhos maquiados, sua boca pintada de preto, debatendo com seus colegas anarquistas, mostrando o quadrado - o banco, os tijolos , o Coop, o rela³gio, o privilanãgio e a hipocrisia. O grito de raiva foi para ela mesma. a  noite, uma matilha de jovens multirraciais de Dorchester la¡ para vender drogas. Suas pernas magras. Ela havia abandonado a escola. Ela tinha estado no The Pit at Harvard Square, sentada de pernas cruzadas em meia-cala§a listrada na parede de granito, seus olhos maquiados, sua boca pintada de preto, debatendo com seus colegas anarquistas, mostrando o quadrado - o banco, os tijolos , o Coop, o rela³gio, o privilanãgio e a hipocrisia. O grito de raiva foi para ela mesma.

Então, a s vezes, com o passar dos anos, ela olhava para si mesma e para o peso do tempo e a evidência de quem ela era batia nela e ela ficava chapada e perguntava: "Sera¡ que algum dia vai ficar tudo bem?" E por alguma razãoseu filho dizia a ela: “Ei, ma£e, não fique triste. Vocaª éa³timo. Vocaª émaior do que imagina. ”

Gloria não apenas juntava coisas; ela os deixou para trás também. Ela não conseguia manter as coisas enquanto elas se moviam. Eles perderam seus brinquedos, suas roupas. Ela se importava mais do que ele, por causa do dinheiro estaºpido. Ela fez um autorretrato quando estava pintando e o deixou em um arma¡rio em Jamaica Plain. Poemas também. Na parede branca de um cômodo de uma casa que outra pessoa estava alugando, ela havia escrito “Perdoe. Esta éa voz irrepreensa­vel de Deus. Deixe sua visão e sua escuta virem de seu eu total. ” Ela havia perdido e ganhado. Uma troca com a cidade. Um ir e vir. A palavra era muitas - empregos, colegas de quarto, camas, ideias - tantas que era preciso um historiador para se lembrar. Cada ano era uma história em miniatura reforçando o desapego e a surpresa. Suas obsessaµes e buscas por soluções duraram um pouco e se extinguiram, e eram uma legia£o também. E então ela voltou para eles como se ela pudesse voltar para uma loja de discos usados ​​em Allston. Ela poderia escrever uma música ou pegar pinturas novamente, e a sensação que teria temporariamente a faria pensar que nunca deveria ter abandonado isso, que fazer isso tinha sido seu pior erro; aqui estava a resposta, afinal.

Conforme seu filho crescia, ele começou a desenvolver um rosto agudo de menino. Para ela, evocava uma cabea§a de machado primitiva, lascada de pederneira, digamos, pelos a­ndios algonquinos. Ele tinha um cra¢nio pequeno, redondo e aerodina¢mico, como uma chita. A frente de seu rosto - nariz, maxila, seios da face, manda­bula - projetada para a frente como um cra¢nio canino - o que um antropa³logo chamaria de prognóstico. Seu cabelo loiro crescia em um bonécurto e apertado na cabea§a, como Jaºlio Canãsar ou Eminem. E ele tinha sardas.

Aqui estava seu poema, ela pensou. Como ela esqueceu?

O homem que deveria ser o pai de Corey era um oficial de segurança do MIT. Tudo estava contra ele desde o ina­cio, disse Gloria, que foi sua maior campea£. Ele cresceu em cima de uma fa¡brica de chicletes em East Boston e todos os seus irmãos morreram. Mas o mais interessante sobre ele éque, enquanto trabalhava como policial no campus, Leonard também estudou física no MIT.

Ela já era uma mulher magra, como se já tivesse tido as coisas fundamentais tiradas dela, como comida ou amor quando ela precisava. Mas foi assim que ela escolheu comer; ela era vegana. Ela deu a razãousual de duas cabea§as: era mais sauda¡vel para ela / melhor para o planeta. A pecua¡ria destra³i as florestas, polui os rios, aumenta o efeito estufa. Seu frio mundo azul de vento, ar, floresta estava se retirando do vermelho quente gritando e morrendo de fedorento mundo da carnificina.

Ela estava com medo da raiva de seu pai ou de seu corpo? Ou era seu a³dio por seu pra³prio sangue e carne que estava no centro de tudo - aquela gota de sangue no cha£o do banheiro? Ou pode ter sido genanãtico. Ela tinha peito achatado e ombros estreitos, construa­da para a ioga.

Ioga, ela sabia, era uma palavra indo-europeia que significava “unir” - unir o corpo e o espa­rito por meio da respiração. A respiração continha a energia chamada prana. O prana circulava pelo corpo como uma corrente do oceano. O giro da corrente de prana tornava o corpo sauda¡vel, assim como o giro das correntes oceânicas: tornava o planeta sauda¡vel. Se vocêparar a maranã, a terra morrera¡.

A circulação era como o sangue, mas não era o sangue. A energia flua­a atravanãs dos meridianos prateados e um sol que não era o sol brilhava no plexo sacral. Era uma lua. Para ela, sacro significava “sagrado”, a sagrada lua feminina.

Ovos eram bons para comer, desde que fossem colhidos de forma humana. Essas eram algumas de suas crena§as ao se aproximar do fim de sua vida.

Copyright © 2021 por Atticus Lish.

 

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