Humanidades

Adicionando profundidade a  discussão popular sobre os direitos dos transgêneros
O novo livro do professor Edward Schiappa examina cuidadosamente os recentes debates paºblicos sobre uma questãovital da sociedade.
Por Peter Dizikes - 24/12/2021


Em 2016, o estado da Carolina do Norte aprovou o projeto de lei HB2, uma medida polaªmica que proibia a maioria das pessoas trans de usar banheiros paºblicos com vários ocupantes. A legislação determinava que o acesso das pessoas fosse “baseado em seu sexo biola³gico” e dependesse de uma definição particular e contestada de gaªnero, a saber, “a condição de ser homem ou mulher”, conforme declarado em uma certida£o de nascimento.

O novo livro do professor Edward Schiappa do MIT “The Transgender
Exigency” examina debates e definições envolvendo os direitos
dos transgêneros. Créditos: Imagem: iStockphoto

A Carolina do Norte não parecia ter problemas de excesso de uso de banheiros antes de 2016, e sua lei não foi reproduzida por nenhum outro estado. Ainda assim, os pola­ticos em outros lugares continuam a apregoar a legislação do tipo HB2, e os direitos dos transgêneros permanecem fortemente politizados. Nesta frente, a batalha para inscrever valores na lei frequentemente envolve a definição de gaªnero em primeiro lugar.

“Definições concorrentes privilegiam diferentes valores e interesses”, diz Edward Schiappa, o John E. Burchard Professor de Humanidades no MIT e autor de um novo livro sobre disputas públicas sobre os direitos dos transgêneros.

O livro, “The Transgender Exigency”, foi publicado este maªs pela Routledge. As Bibliotecas do MIT também forneceram recursos para disponibilizar uma versão de acesso aberto . No livro, Schiappa examina os debates sobre os direitos dos transgêneros em vários doma­nios - educação, esportes, banheiros, militares - com foco na forma como as diferentes definições de gaªnero e identidade transgaªnero emergiram.

Schiappa, que se considera um aliado na luta pelos direitos dos transgêneros, desenvolveu um trabalho para ampliar a compreensão pública dessas disputas de direitos, mesmo - ou principalmente - se uma resolução pola­tica nessas áreas não for iminente.

“O ponto principal do livro não éfornecer respostas finais”, diz Schiappa. Em vez disso, diz ele, ele deseja fornecer "uma estrutura com a qual entender as definições regulata³rias concorrentes de forma mais cuidadosa".

Praticando aliado

Schiappa não faz parte da comunidade transgaªnero, o que ele reconhece que limita sua visão sobre o assunto. Mas ele hámuito se interessa pelos direitos LGBTQ + e já pesquisou debates paºblicos sobre as definições legais usadas para categorizar as pessoas.

“a‰ importante deixar claro que não pretendo falar pela comunidade trans”, diz Schiappa, que estãoatento ao ditado a s vezes usado na comunidade: “Nada sobre nós, sem nós”. Referindo-se ao influente artigo de jornal de 1991 da fila³sofa Linda Alcoff, “The Problem of Speaking for Others”, Schiappa acrescenta: “Estou ciente de que falo de uma posição de privilanãgio, mesmo que não possa estar ciente de todas as formas como meu treinamento e pesquisas anteriores limita meu campo de visão. ”

Mesmo assim, observa Schiappa, muitos ativistas e acadaªmicos (incluindo Alcoff) afirmam que aqueles que não estãoexperimentando a opressão ainda podem se engajar em uma defesa efetiva sobre ela. Schiappa diz que se sente responsável por fazaª-lo.

“Certamente não podemos esperar que os oponentes dos direitos trans permanea§am calados, então os aliados precisam se manifestar”, diz ele.

Admissaµes na faculdade

“The Transgender Exigency” enfoca três abordagens para definir gaªnero. Uma visão considera a atribuição de gaªnero como um dado biola³gico com duas categorias claras: masculino e feminino. Outra visão sustenta que o status de transgaªnero éuma questãode autoidentificação. Uma terceira perspectiva enfoca as ambiguidades e complicações das categorias de gaªnero. Para alguns, essas complicações são um fato cienta­fico direto (como algumas pessoas com caracteri­sticas fisiola³gicas de ambos os sexos), enquanto outros veem a ciência e a medicina sendo moldadas por forças sociais. De qualquer forma, na terceira visão, tais complexidades resistem a s classificações bina¡rias.

Para ver algumas dessas definições concorrentes em ação, considere as políticas de admissão de faculdades unissexo. Desde 2014, cerca de dois tera§os das 39 instituições da Women's College Coalition elaboraram políticas de admissão formal de mulheres trans. A maioria dessas escolas, por sua vez, exige que os candidatos se identifiquem como mulheres (com alguns solicitando uma duração estabelecida para a autoidentificação).

Ainda assim, duas das quatro faculdades masculinas restantes nos Estados Unidos seguiram um caminho diferente e consideram o gaªnero uma questãobina¡ria de base biológica. Schiappa sugere que as missaµes institucionais maiores das escolas explicam grande parte dessa variação.

“As faculdades para mulheres que admitem mulheres trans veem a solidariedade entre as mulheres como parte da luta contra a discriminação e, portanto, veem sua missão… como consistente com a admissão de mulheres cis e trans”, observa Schiappa. “Em contraste, as duas faculdades masculinas que ainda não permitem que homens trans se inscrevam parecem estar ligadas a uma definição biológica de sexo que éalimentada pelo desejo de 'proteger' uma visão de masculinidade tradicional.”

Um campo de jogo nivelado?

Uma situação aparentemente ainda mais complexa surge no reino dos esportes, onde as oportunidades competitivas foram negadas a s mulheres - apenas 7,5 por cento dos atletas do ensino manãdio eram mulheres no ano acadêmico de 1971-72, quando os Estados Unidos introduziram sua legislação Ta­tulo IX exigindo financiamento igual de esportes por gaªnero em escolas públicas. Desde então, com mais chances de treinar e competir, as mulheres eliminaram grande parte da lacuna de desempenho com os homens em muitos esportes.

Mas nem toda essa lacuna desapareceu, e as evidaªncias atuais sugerem que os homens tem vantagens fisiola³gicas que lhes permitem ter um melhor desempenho em conjunto. Isso complica a aceitação de mulheres trans no esporte feminino. Como os esportes são geralmente organizados para produzir na­veis de competição acirrados, algumas mulheres transexuais podem ter vantagens fisiola³gicas sobre outras atletas do sexo feminino.

“Vocaª tem, combinada, a história de querer corrigir um erro hista³rico - a discriminação - mais a necessidade de manter o esporte justo, competindo com o desejo de tratar os atletas trans com respeito”, observa Schiappa.

Uma maneira de avana§ar, diz ele, pode incluir uma divisão nas abordagens entre esportes denívelK-12, onde as políticas podem priorizar a inclusão, e esportes de elite, onde certos marcadores fisiola³gicos, como na­veis de testosterona, podem ser usados ​​a longo prazo para definir elegibilidade para agrupamentos baseados em gaªnero. Mesmo assim, observa Schiappa, os estados dos EUA estão"cada vez mais polarizados" quanto a s políticas de elegibilidade do ensino fundamental e manãdio, algo que "eventualmente pode ser resolvido nos tribunais".

Um tamanho pode não servir para todos

Outros estudiosos ativos no campo elogiaram o livro de Schiappa. Deirdre McCloskey, um distinto professor de economia, história, inglês e comunicação da Universidade de Illinois em Chicago e um proeminente estudioso transgaªnero, chama "The Transgender Exigency" um "livro caloroso, acadaªmico, humano e lega­vel" que "traz o discussão dos direitos e responsabilidades trans a umnívelmais alto. Mas talvez mais significativamente, aumenta também onívelda discussão sobre a própria definição. ”

Um tema emergente dessa discussão, no livro de Schiappa, éque as tentativas de criar uma definição única e abrangente do status de transgaªnero são provavelmente imprudentes ou irrealistas - como sugerem os diferentes exemplos de acesso ao ensino superior e esportes.

“Em um futuro previsível, não énecessa¡rio nem possí­vel conceber uma definição 'tamanho aºnico' que atendera¡ a todas as nossas necessidades em todos os momentos e em todos os contextos”, escreve Schiappa no livro.

Schiappa evita previsaµes firmes sobre o futuro dos direitos dos transgêneros. Ainda assim, ele sugere que algumas das batalhas políticas atuais são manobras bastante previsa­veis na pola­tica cultural. Os pola­ticos usam a questãopara agitar os eleitores durante as campanhas, mas não seguem com a legislação real - possivelmente devido em parte a s consequaªncias do HB2 da Carolina do Norte, que custou ao estado cerca de US $ 400 milhões em shows perdidos e eventos esportivos.  

“Provavelmente ouviremos mais sobre contas de banheiro nos pra³ximos anos eleitorais, então provavelmente sera£o retiradas”, diz Schiappa.

No geral, depois de olhar para os debates paºblicos em toda a sociedade, Schiappa diz que passou a considerar a autoidentificação como uma forma importante de definir o status de transgaªnero - um ponto de partida firme para políticas na educação e outras esferas que respeitam a autonomia, a menos ou atébases lógicas sãolidas para pensar de outra forma emergir.

“Quanto mais nos afastamos de uma opção padrãode autoidentificação”, observa Schiappa, “mais convincente deve ser a justificativa. Essas decisaµes precisam ser sensa­veis ao contexto, obviamente, mas éimportante que entendamos direito, já que vidas estãoem jogo ”.

 

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