Humanidades

Pesquisador desenvolve nova ferramenta para entender problemas computacionais difa­ceis que parecem intrata¡veis
Existe, de fato, uma classe inteira de problemas considerados impossa­veis de resolver algoritmicamente. Logo abaixo desta classe encontram-se problemas ligeiramente
Por Steve Nadis - 11/01/2022


Em alguns casos, o dia¢metro de cada pico serámuito menor do que as distâncias entre os diferentes picos. Consequentemente, se alguém escolhesse quaisquer dois pontos nessa paisagem extensa — quaisquer duas "soluções" possa­veis — eles estariam muito pra³ximos (se viessem do mesmo pico) ou muito distantes (se extraa­dos de picos diferentes). Em outras palavras, haveria uma "lacuna" reveladora nessas distâncias - pequenas ou grandes, mas nada no meio. Crédito: David Gamarnik et al.

A noção de que alguns problemas computacionais em matemática e ciência da computação podem ser difa­ceis não deve surpreender. Existe, de fato, uma classe inteira de problemas considerados impossa­veis de resolver algoritmicamente. Logo abaixo desta classe encontram-se problemas ligeiramente "fa¡ceis" que são menos bem compreendidos - e podem ser impossa­veis também.

David Gamarnik, professor de pesquisa operacional da MIT Sloan School of Management e do Institute for Data, Systems, and Society, estãoconcentrando sua atenção nesta última categoria de problemas menos estudada, que são mais relevantes para o mundo cotidiano porque envolvem aleatoriedade — uma caracterí­stica integral dos sistemas naturais. Ele e seus colegas desenvolveram uma ferramenta poderosa para analisar esses problemas chamada de propriedade do intervalo de sobreposição (ou OGP). Gamarnik descreveu a nova metodologia em um artigo recente no Proceedings of the National Academy of Sciences .

P ≠ NP

Cinquenta anos atrás, o problema mais famoso da ciência da computação tea³rica foi formulado. Rotulado "P ≠ NP", ele pergunta se existem problemas envolvendo grandes conjuntos de dados para os quais uma resposta pode ser verificada de forma relativamente rápida, mas cuja solução - mesmo se trabalhada nos computadores mais rápidos disponí­veis - levaria um tempo absurdamente longo.

A conjectura P ≠ NP ainda não foi comprovada, mas a maioria dos cientistas da computação acredita que muitos problemas familiares - incluindo, por exemplo, o problema do caixeiro viajante - se enquadram nessa categoria incrivelmente difa­cil. O desafio no exemplo do vendedor éencontrar o caminho mais curto, em termos de distância ou tempo, atravanãs de N cidades diferentes. A tarefa éfacilmente gerenciada quando N=4, pois existem apenas seis rotas possa­veis a serem consideradas. Mas para 30 cidades, existem mais de 10 30 rotas possa­veis, e os números aumentam dramaticamente a partir daa­. A maior dificuldade estãoem projetar um algoritmo que resolva rapidamente o problema em todos os casos, para todos os valores inteiros de N. Os cientistas da computação estãoconfiantes, com base na teoria da complexidade algora­tmica, que tal algoritmo não existe, afirmando assim que P ≠ NP.

Existem muitos outros exemplos de problemas intrata¡veis ​​como este. Suponha, por exemplo, que vocêtenha uma tabela gigante de números com milhares de linhas e milhares de colunas. Vocaª consegue encontrar, entre todas as combinações possa­veis, o arranjo preciso de 10 linhas e 10 colunas de modo que suas 100 entradas tenham a maior soma possí­vel? "Na³s as chamamos de tarefas de otimização", diz Gamarnik, "porque vocêestãosempre tentando encontrar a maior ou a melhor — a maior soma de números, a melhor rota pelas cidades e assim por diante".
 
Os cientistas da computação reconheceram hámuito tempo que não se pode criar um algoritmo rápido que possa, em todos os casos, resolver com eficiência problemas como a saga do caixeiro-viajante. "Tal coisa éprovavelmente impossí­vel por razões que são bem compreendidas", observa Gamarnik. "Mas na vida real, a natureza não gera problemas de uma perspectiva adversa¡ria. Ela não estãotentando frustra¡-lo com o problema mais desafiador e escolhido a dedo conceba­vel." Na verdade, as pessoas normalmente encontram problemas em circunsta¢ncias mais aleata³rias e menos planejadas, e esses são os problemas que a OGP pretende resolver.

Picos e vales

Para entender do que se trata a OGP, primeiro pode ser instrutivo ver como a ideia surgiu. Desde a década de 1970, os fa­sicos estudam vidros de spin osmateriais com propriedades de la­quidos e sãolidos que tem comportamentos magnanãticos incomuns. A pesquisa em vidros de spin deu origem a uma teoria geral de sistemas complexos que érelevante para problemas de física, matemática, ciência da computação, ciência dos materiais e outros campos. (Este trabalho rendeu a Giorgio Parisi um Praªmio Nobel de Fa­sica de 2021.)

Uma questãoirritante com a qual os fa­sicos lutaram étentar prever os estados de energia, e particularmente as configurações de energia mais baixas, de diferentes estruturas de vidro de spin. A situação a s vezes éretratada por uma "paisagem" de inúmeros picos de montanhas separados por vales, onde o objetivo éidentificar o pico mais alto. Nesse caso, o pico mais alto na verdade representa o estado de energia mais baixo (embora seja possí­vel inverter a imagem e procurar o buraco mais profundo). Isso acaba sendo um problema de otimização semelhante em forma ao dilema do caixeiro-viajante, explica Gamarnik: "Vocaª tem essa enorme coleção de montanhas, e a única maneira de encontrar a mais alta parece ser escalando cada uma delas" Tarefa de Sa­sifo compara¡vel a encontrar uma agulha no palheiro.

Os fa­sicos mostraram que vocêpode simplificar essa imagem e dar um passo em direção a uma solução, cortando as montanhas em uma certa elevação predeterminada e ignorando tudo abaixo dessenívelde corte. Vocaª ficaria com uma coleção de picos se projetando acima de uma camada uniforme de nuvens, com cada ponto desses picos representando uma solução potencial para o problema original.

Em um artigo de 2014, Gamarnik e seus coautores notaram algo que anteriormente havia sido negligenciado. Em alguns casos, eles perceberam, o dia¢metro de cada pico serámuito menor do que as distâncias entre os diferentes picos. Consequentemente, se alguém escolhesse quaisquer dois pontos nessa paisagem extensa - quaisquer duas "soluções" possa­veis - eles estariam muito pra³ximos (se viessem do mesmo pico) ou muito distantes (se extraa­dos de picos diferentes). Em outras palavras, haveria uma "lacuna" reveladora nessas distâncias - pequenas ou grandes, mas nada no meio. Um sistema nesse estado, proposto por Gamarnik e colegas, écaracterizado pelo OGP.

"Descobrimos que todos os problemas conhecidos de natureza aleata³ria que são algoritmicamente difa­ceis tem uma versão dessa propriedade" - ou seja, que o dia¢metro da montanha no modelo esquema¡tico émuito menor do que o espaço entre as montanhas, afirma Gamarnik. "Isso fornece uma medida mais precisa da dureza algora­tmica."

Desvendando os segredos da complexidade algora­tmica

O surgimento do OGP pode ajudar os pesquisadores a avaliar a dificuldade de criar algoritmos rápidos para resolver problemas específicos. E já permitiu que eles “descartem matematicamente [e] rigorosamente uma grande classe de algoritmos como potenciais candidatos”, diz Gamarnik. "Aprendemos, especificamente, que algoritmos esta¡veis ​​- aqueles cuja saa­da não mudara¡ muito se a entrada mudar apenas um pouco - falhara£o em resolver esse tipo de problema de otimização." Esse resultado negativo se aplica não apenas aos computadores convencionais, mas também aos computadores qua¢nticos e, especificamente, aos chamados "algoritmos de otimização de aproximação qua¢ntica" (QAOAs), que alguns pesquisadores esperavam que pudessem resolver esses mesmos problemas de otimização. Agora, devido a s descobertas de Gamarnik e seus coautores,

"Se isso éuma boa nota­cia ou uma ma¡ nota­cia depende da sua perspectiva", diz ele. "Acho que éuma boa nota­cia no sentido de que nos ajuda a desvendar os segredos da complexidade algora­tmica e aumenta nosso conhecimento sobre o que estãono reino da possibilidade e o que não anã. a‰ uma ma¡ nota­cia no sentido de que nos diz que esses problemas são difa­ceis, mesmo que a natureza os produza, e mesmo que sejam gerados de forma aleata³ria." A nota­cia não érealmente surpreendente, acrescenta. "Muitos de nosesperavam isso o tempo todo, mas agora temos uma base mais sãolida para fazer essa afirmação."

Isso ainda deixa os pesquisadores a anos-luz de conseguir provar a inexistaªncia de algoritmos rápidos que poderiam resolver esses problemas de otimização em configurações aleata³rias. Ter tal prova forneceria uma resposta definitiva para o problema P ≠ NP. "Se pudanãssemos mostrar que não podemos ter um algoritmo que funcione a maior parte do tempo", diz ele, "isso nos diria que certamente não podemos ter um algoritmo que funcione o tempo todo".

Prever quanto tempo levara¡ atéque o problema P ≠ NP seja resolvido parece ser um problema intrata¡vel em si. a‰ prova¡vel que haja muito mais picos para escalar e vales para atravessar, antes que os pesquisadores obtenham uma perspectiva mais clara da situação.

 

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