Humanidades

Estudioso de Stanford revela a vida interior de mulheres escravizadas estudando prática s religiosas e sagradas
Alexis Wells-Oghoghomeh analisa as pra¡ticas religiosas de mulheres negras escravizadas no Lower South para entender melhor como elas experimentaram a escravida£o humana.
Por Melissa de Whitte - 22/02/2022


Embora os registros de mulheres negras escravizadas sejam onipresentes no arquivo, eles são um dos grupos mais extraordina¡rios e evasivos para estudar, diz o estudioso de estudos religiosos de Stanford Alexis Wells-Oghoghomeh .

“As mulheres escravizadas estãoem todos os lugares e em nenhum lugar”, disse Wells-Oghoghomeh.

Quando mulheres escravizadas são encontradas no arquivo, na maioria das vezes são representações da violência e violações perpetradas contra elas: cenas de mutilação, humilhação e trauma. a€s vezes, as representações são mais transacionais, suas vidas reduzidas a um leila£o paºblico ou a um número em um livro-raza£o. De qualquer forma, nenhuma dessas representações revela abertamente o que essas mulheres pensavam e sentiam sobre o mundo que habitavam.

Para Wells-Oghoghomeh, o silaªncio deles é“estranho”. “Eles estãola¡ nos discos angla³fonos, antes da guerra, mas nunca estãofalando”, disse Wells-Oghoghomeh.

Com o objetivo de dar voz aos mais marginalizados de um grupo marginalizado, Wells-Oghoghomeh passou mais de uma década analisando material hista³rico para entender melhor como as mulheres escravizadas vivenciavam a vida em meio aos horrores da escravida£o americana.


Seu livro, The Souls of Womenfolk: The Religious Cultures of Enslaved Women in the Lower South (University of North Carolina Press, 2021) reaºne relatos de mulheres escravizadas de fontes hista³ricas, como o arquivo WPA Slave Narratives da Biblioteca do Congresso . Wells-Oghoghomeh também consultou relatos de viagem, dia¡rios, cartas e documentos legais ostodos com foco em suas prática s religiosas e espirituais, bem como nos eventos que revelaram suas crena§as morais e anãticas.

Papel da religia£o, espiritualidade

No período que Wells-Oghoghomeh estudou osáfrica Ocidental no século 16 atéo ini­cio da Guerra Civil Americana no Baixo Sul osa religia£o não foi institucionalizada da forma como éreconhecida hoje. (Foi são depois da Guerra Civil Americana que muitos negros entraram na fécrista£ protestante, apontou Wells-Oghoghomeh).

A religia£o para as mulheres escravizadas no Lower South era tão pragma¡tica quanto sagrada: crena§as, visaµes de mundo e rituais foram adaptados para atender a s condições em que estavam, disse Wells-Oghoghomeh.

“Eles incorporaram ideias e prática s conforme eram aºteis para eles”, disse Wells-Oghoghomeh.

Além disso, as mulheres escravizadas que Wells-Oghoghomeh encontrou no arquivo estavam enraizadas nas culturas sagradas de suas terras natais. Alguns vieram de regiaµes, como o Suda£o Ocidental, onde o Isla£ era a fédominante. Outros vieram de grupos como os osculturas entrincheiradas em panteaµes espirituais, espa­ritos e divindades invisa­veis, bem como espa­ritos da natureza que se acreditava aparecerem periodicamente, ela descreveu.

Quando algumas pessoas escravizadas encontraram o cristianismo pela primeira vez no Lower South, elas viram a conversão como uma forma de satisfazer uma necessidade

Negros escravizados incorporaram novas e velhas prática s, como fazer objetos rituais. Pra¡ticas semelhantes também eram comuns entre os anglo-americanos na anãpoca, então as mulheres escravizadas muitas vezes misturavam prática s diferentes para ajuda¡-las a lidar com a dor infligida a elas por seus proprieta¡rios de escravos.

“Eles eram muito pragma¡ticos em sua abordagem a  religia£o”, disse Wells-Oghoghomeh. “Se um espa­rito ou prática não fez o que eles precisavam, eles adaptaram e adotaram aqueles que fizeram.”

As crena§as da áfrica Ocidental e Centro-Oeste que as mulheres mantinham oscomo as abordagens medicinais e rituais para o parto osforam transmitidas de geração em geração.

a€s vezes, tudo o que restava da familia de uma pessoa escravizada era um nome. Eles nem tinham rosto porque foram tirados de suas ma£es muito cedo para se lembrarem. Os nomes, portanto, assumiram um significado especialmente sagrado e as prática s ritualizadas de nomenclatura surgiram nas culturas dos povos escravizados, disse Wells-Oghoghomeh.

Wells-Oghoghomeh define as prática s espirituais que surgiram atravanãs de um conceito que ela chamou de “re/memberence”.

“A re/recordação nomeia os processos e a lógica atravanãs dos quais ações e ideias assumiram significado religioso: prática s, ditos, crena§as e encontros assumiram uma função religiosa na medida em que ajudaram os va­nculos a re/membrar”, escreve Wells-Oghoghomeh em seu livro, observando a uso gramatical de uma barra para reconhecer a memória e a criatividade que as pessoas escravizadas tinham em relação a seus ancestrais africanos.

Recuperando o poder

Mulheres escravizadas em idade fanãrtil osentre 15 e 35 anos oseram consideradas altamente valiosas pelos traficantes de escravos, especialmente após a lei de 1807 que proibia a importação de escravos para os Estados Unidos. Atéo ventre das meninas passou a representar a expansão dos ativos financeiros. Wells-Oghoghomeh soube de uma menina de 8 anos, Nancy, que foi vendida com a promessa de “O futuro … e o aumento de Nancy”.

“Uma das dificuldades de trabalhar com a escravida£o éque ainda vivemos em um momento em que os afrodescendentes são estereotipados e compreendidos pelos mesmos filtros.”

—ALEXIS WELLS-OGHOGHOMEH
Professor assistente de estudos religiosos

As mulheres escravizadas lutavam com a ideia de carregar, parir e criar filhos para apenas ter seus filhos levados para perpetuar o sistema cruel que as mantinha cativas e infligia traumas diariamente. Wells-Oghoghomeh descobriu uma mulher incrivelmente perturbada, que depois que sete de seus filhos foram tirados dela, gritou para o universo: “Por que Deus não me mata?”

Wells-Oghoghomeh também estava interessado em como as mulheres escravizadas reivindicavam o poder em um mundo que parecia controlar legalmente o destino delas e de seus filhos. Um dos fena´menos mais chocantes que ela encontrou foi a prevalaªncia do aborto e do filica­dio. Para essas mulheres, interromper uma gravidez osmuitas vezes concebida por meio de agressão sexual osera visto como um ato de miserica³rdia. A morte de seu filho significava que eles foram poupados de um mundo violento e opressivo que acabaria por mata¡-los, disse Wells-Oghoghomeh.

“A frustração do ciclo reprodutivo por meio do aborto e do filica­dio constituiu uma subversão apontada do sistema escravizador e uma ousada recuperação do poder reprodutivo”, escreveu Wells-Oghoghomeh. “Interpretar esses atos como escolhas maternas enraizadas em uma anãtica de sobrevivaªncia, lembrana§a e qualidade de vida oferece uma visão de como as experiências reprodutivas das mulheres moldaram suas cosmologias e teologias em relação a  vida e morte, miserica³rdia e justia§a.”

Oferecendo um espaço para vozes de mulheres escravizadas

Para Wells-Oghoghomeh, sua pesquisa trata de honrar as complexidades dessas mulheres nota¡veis ​​e resilientes na história americana.

Para fazer isso bem, ela teve que se treinar para identificar aqueles momentos em que os pensamentos e sentimentos mais profundos e a­ntimos de uma mulher escravizada se revelavam osa s vezes fugazmente.

“Aprendi a ler silaªncios, lacunas e elipses”, disse Wells-Oghoghomeh, observando que a s vezes tudo o que ela conseguia capturar dos pensamentos dessas mulheres era a expressão de uma mulher no fundo de uma pintura de paisagem das ruminações ou pensamentos de um senhor de escravos.

“Eu congelo cada momento e coloco esses quadros em conversa com o que eu sei sobre o contexto dela, o que estãoacontecendo onde ela esta¡, o que ela pode estar vestindo, o que ela pode ter experimentado no dia anterior ou no dia seguinte, onde ela esta¡. sua vida osessas são as maneiras que eu meio que permiti que os silaªncios fossem parte da narrativa.”

Essas são histórias difa­ceis de elevar, reconheceu Wells-Oghoghomeh, particularmente no momento atual em que muitas das questões que ela estuda se apresentam em problemas contempora¢neos hoje, como direitos reprodutivos e brutalidade policial.

“Uma das dificuldades de trabalhar com a escravida£o éque ainda vivemos em um momento em que os afrodescendentes são estereotipados e compreendidos pelos mesmos filtros”, disse Wells-Oghoghomeh.

“Esses legados hista³ricos são os fardos que carregamos como sociedade. a‰ difa­cil contar essas histórias, mesmo como historiadora no século 21, porque não quero que essas mulheres sejam descaracterizadas. Mas minha prioridade éhumaniza¡-los, revelar a complexidade deles como seres humanos.”

 

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