Humanidades

Objeção: Ninguanãm pode entender o que vocêestãodizendo
Um estudo do MIT identifica maneiras pelas quais os advogados podem tornar seus documentos escritos mais fa¡ceis de ler para uma pessoa comum.
Por Anne Trafton - 10/03/2022


Um novo estudo de cientistas cognitivos do MIT determinou exatamente por que documentos legais, como contratos ou escrituras, são muitas vezes tão impenetra¡veis. Créditos: Imagem: Nota­cias do MIT

Documentos legais, como contratos ou escrituras, são notoriamente difa­ceis de entender para quem não éadvogado. Um novo estudo de cientistas cognitivos do MIT determinou exatamente por que esses documentos costumam ser tão impenetra¡veis.

Depois de analisar milhares de contratos jura­dicos e compara¡-los com outros tipos de textos, os pesquisadores descobriram que os advogados tem o ha¡bito de inserir frequentemente longas definições no meio das frases. Os linguistas demonstraram anteriormente que esse tipo de estrutura, conhecida como “incorporação central”, torna o texto muito mais difa­cil de entender.

Embora a incorporação central tenha o efeito mais significativo na dificuldade de compreensão, o estudo do MIT descobriu que o uso de jargaµes desnecessa¡rios também contribui.

“Nãoésegredo que a linguagem jura­dica émuito difa­cil de entender. a‰ quase incompreensa­vel na maior parte do tempo”, diz Edward Gibson, professor de ciências do cérebro e cognitivas do MIT e autor saªnior do novo artigo . “Neste estudo, estamos documentando em detalhes qual éo problema.”

Os pesquisadores esperam que suas descobertas levem a uma maior conscientização sobre essa questãoe estimulem os esforços para tornar os documentos legais mais acessa­veis ao paºblico em geral.

“Tornar a linguagem jura­dica mais direta ajudaria as pessoas a entender melhor seus direitos e obrigações e, portanto, seriam menos suscetíveis a serem punidas desnecessariamente ou não poderem se beneficiar de seus direitos”, diz Eric Martinez, recanãm-formado em direito e advogado licenciado que éagora um estudante de pós-graduação em ciências do cérebro e cognitivas no MIT.

Martinez éo principal autor do estudo, que aparece na revista Cognition . Frank Mollica, ex-pesquisador visitante do MIT que agora éprofessor de ciência cognitiva computacional na Universidade de Edimburgo, também éautor do artigo.

Traduzindo juridiquaªs

Enquanto estudante da Harvard Law School, Martinez se interessou em como advogados e jua­zes usam a linguagem para se comunicar. Ele se matriculou em uma aula de lingua­stica do MIT ministrada por Gibson e, depois de terminar seu curso de direito, ingressou no laboratório de Gibson como estudante de pós-graduação.

Em seu novo estudo, Martinez, Mollica e Gibson decidiram descobrir por que documentos legais, como contratos de termos de servia§o, documentos de hipoteca e outros tipos de contratos, são tão difa­ceis de entender. Primeiro, eles compararam uma grande variedade de contratos legais (totalizando cerca de 3,5 milhões de palavras) com outros tipos de escrita, incluindo roteiros de filmes, artigos de jornais e trabalhos acadaªmicos.

Usando uma ferramenta de análise de texto que pode identificar padraµes em grandes volumes de texto, os pesquisadores identificaram vários recursos que ocorrem muito mais comumente em documentos legais do que em outros tipos de escrita. Como exemplo, eles descobriram que os documentos legais incluem muitas insta¢ncias de capitalização fora do padra£o, como usar todas as letras maiaºsculas. Isso élegalmente exigido em alguns tipos de documentos legais para tornar certas disposições mais visa­veis. A escrita jura­dica também apresenta muito mais uso da voz passiva, descobriram os pesquisadores.

Quando os pesquisadores pediram a não-advogados que lessem documentos legais ou documentos nos quais certas caracteri­sticas do texto foram alteradas sem alterar o significado, eles descobriram que a voz passiva e a capitalização fora do padrãonão dificultavam a compreensão dos documentos.

O maior culpado, eles descobriram, foi a incorporação central. Nesse tipo de construção, um escritor introduz o sujeito de uma frase, depois insere uma definição do sujeito e continua com a frase. Em seu artigo, os pesquisadores inclua­ram esta frase, com uma longa definição entre paraªnteses, como exemplo:

“No caso de qualquer pagamento ou benefa­cio pela Empresa (todos esses pagamentos e benefa­cios, incluindo os pagamentos e benefa­cios nos termos da Seção 3(a) deste documento, doravante denominados 'Pagamentos Totais'), estariam sujeitos a impostos especiais de consumo , então as indenizações em dinheiro sera£o reduzidas.”

O artigo oferece isso como uma alternativa mais compreensa­vel, com a definição separada:

“No caso de qualquer pagamento ou benefa­cio pela Empresa estar sujeito a impostos especiais de consumo, os pagamentos de indenização em dinheiro sera£o reduzidos. Todos os pagamentos e benefa­cios da Empresa sera£o doravante referidos como 'Pagamentos Totais'. Isso inclui os pagamentos e benefa­cios de acordo com a Seção 3(a) deste documento.”

Os pesquisadores descobriram que, quando testaram as pessoas em sua capacidade de entender e lembrar o significado de um texto legal, seu desempenho melhorou mais quando as estruturas incorporadas ao centro foram substitua­das por frases mais diretas, com termos definidos separadamente.

“O uso de cla¡usulas embutidas no centro éuma prática padrãode redação em documentos legais e torna o texto muito difa­cil de entender. a‰ uma memória intensiva para qualquer pessoa, incluindo advogados”, diz Gibson. “Isso éalgo que vocêpode mudar e não afetar o significado de forma alguma, mas melhorar a transmissão do significado.”

Outra caracterí­stica que contribuiu para a incompreensibilidade dos documentos legais foi o uso de palavras incomuns como “locata¡rio” e “arrendador”. Os pesquisadores descobriram que substituir essas palavras por alternativas mais comuns, como “inquilino” e “proprieta¡rio”, melhorou a capacidade dos leitores de entender e lembrar o significado do que leram.

“Encontramos mais palavras que poderiam ter sido simplificadas no texto legal do que em qualquer outro gaªnero que analisamos, incluindo texto acadaªmico”, diz Martinez.

Um apelo por uma linguagem mais clara

Um argumento que os teóricos do direito apresentaram para explicar por que os documentos jura­dicos são escritos do jeito que são éque a linguagem precisa ser complexa para transmitir sem ambiguidade o significado de conceitos complicados relacionados. No entanto, os pesquisadores do MIT acreditam que isso não éverdade, porque descobriram que muitos dos termos de jarga£o usados ​​em documentos legais podem ser substitua­dos por palavras mais comuns sem alterar o significado, e as cla¡usulas embutidas no centro também podem ser substitua­das por cla¡usulas não embutidas para dar origem ao mesmo significado.

Outra possibilidade levantada pelos pesquisadores do MIT éque os advogados podem não querer mudar a forma como escrevem, seja porque éo que estãoacostumados ou porque querem que seus documentos parea§am “profissionais” e sejam levados mais a sanãrio por seus colegas e clientes. .

Esfora§os para escrever documentos legais em linguagem mais simples datam pelo menos da década de 1970, quando o presidente Richard Nixon declarou que os regulamentos federais deveriam ser escritos em “termos leigos”. No entanto, outro estudo de Martinez, Mollica e Gibson, ainda não publicado, sugere que a linguagem jura­dica mudou muito pouco desde aquela anãpoca. Os pesquisadores esperam que seu estudo Cognition , que aponta aspectos específicos da linguagem jura­dica que dificultam a compreensão, ajude a inspirar aqueles que escrevem documentos jura­dicos a fazer um esfora§o maior para melhorar a clareza de seus documentos.

“Esta éa primeira vez que alguém pode dizer, eis o que torna a linguagem jura­dica difa­cil de entender. Antes, eles apenas especulavam, e talvez seja por isso que não mudou”, diz Gibson. “Se as pessoas souberem o que dificulta a compreensão, talvez possam trabalhar para conserta¡-lo.”

Tornar os documentos legais mais fa¡ceis de entender pode ajudar qualquer pessoa que precise ler esses documentos, mas seria mais benanãfico para as pessoas que não podem contratar advogados para ajuda¡-los, dizem os pesquisadores.

“Isso éalgo que éespecialmente importante para aqueles que não podem pagar aconselhamento jura­dico para ajuda¡-los a entender a lei”, diz Martinez. “Se vocênão puder contratar um advogado, poder ler os documentos por conta própria o equipara¡ melhor para entender seus direitos.”

Este trabalho foi parcialmente financiado por fundos de pesquisa do Departamento de Canãrebro e Ciências Cognitivas do MIT.

 

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