Mundo

Justia§a para a humanidade
Um estudioso investiga a responsabilidade pela exploraça£o e abuso sexual cometidos por funciona¡rios da ONU
Por Tomoko Otake - 27/12/2019

Imagem: Shutterstock

Ai Kihara-Hunt, professor associado da Escola de Artes e Ciências, estuda crimes sexuais e exploração sexual cometidos pelo pessoal das Operações de Paz das Nações Unidas. O seu interesse acadanãmico nesta questãoprofundamente preocupante esensívelestãoenraizado na sua experiência de ter testemunhado em primeira ma£o, no final de 1990, Timor-Leste, o enorme peso que os direitos humanos e a justia§a carregam para os cidada£os que careciam atédas necessidades ba¡sicas de vida de alimentos, roupas e abrigo.

Tendo passado parte de sua juventude na Europa, Kihara-Hunt se interessou por assuntos internacionais e estudou a ONU como uma estrutura atravanãs da qual transcender os interesses nacionais para buscar o bem comum para a humanidade. Depois de obter um mestrado em estudos de desenvolvimento na Universidade de Sussex, na Gra£-Bretanha, no final dos anos 90, ela teve a oportunidade de trabalhar como volunta¡ria paga para gerenciar e supervisionar um referendo popular patrocinado pela ONU em Timor-Leste.

No vera£o de 1999, Timor-Leste, buscando a independaªncia da vizinha Indonanãsia, estava envolvido em um confronto violento com as forças indonanãsias, e a situação de segurança era extremamente insta¡vel. Mas os cidada£os de Timor-Leste ficaram entusiasmados com a perspectiva de obter independaªncia após décadas de ocupação pela Indonanãsia e centenas de anos de doma­nio colonial por Portugal.

“Quando os resultados do referendo foram divulgados e ficou claro que Timor Leste se tornaria um estado soberano, fiquei impressionado com a maneira como os cidada£os expressaram sua alegria”, lembrou Kihara-Hunt. “As pessoas berraram em paºblico e rolaram no cha£o, empolgadas. Fiquei impressionado com a solidariedade das pessoas que buscam liberdade. ”

Kihara-Hunt permaneceu em Timor-Leste após o referendo, aterrissando uma posição diferente com a ONU. Mas reconstruir a paz em Timor-Leste pa³s-conflito não foi fa¡cil, principalmente diante da sabotagem cometida pelos militares indonanãsios. Amedida que a situação de segurança se deteriorava, a ONU não teve escolha senão evacuar temporariamente sua equipe para a Austra¡lia. Quando voltou a Timor Leste no inverno de 1999, Kihara-Hunt encontrou apenas uma casa com um telhado que permanecia na prova­ncia onde foi despachada; todas as outras casas foram devastadas pela guerra. Ela montou uma barraca sob esse teto, mas durante a estação das chuvas o aumento da águafaria com que seu abrigo flutuasse.

Quando ela e outros funciona¡rios abriram um escrita³rio da ONU la¡, ela ficou chocada ao ver centenas de moradores fazendo fila na entrada, esperando que seus pedidos fossem ouvidos e tratados.

"Eu pensei que eles definitivamente viriam pedir comida", disse ela. “Eles não trocaram de roupa e estavam se alimentando de morcegos que pegaram na floresta porque não havia mais nada para comer. No entanto, muitos dos pedidos estavam relacionados a  justia§a e aos direitos humanos, como ajudar a localizar o corpo de um membro da familia morto durante o conflito, ou um pedido para colocar as pessoas que assassinaram seu marido em julgamento. Ao ouvir esses pedidos, pensei: 'a‰ isso aa­'. Atender a s necessidades físicas das pessoas não ésuficiente; a menos que suas questões de direitos humanos fossem resolvidas, elas não poderiam iniciar o processo de construção da paz”.

Kihara-Hunt continuou a se envolver nos esforços de consolidação da paz da ONU empaíses como o Nepal e o Sri Lanka atravanãs de vários postos e passagens pelo organismo mundial. Ela então voltou para a escola na Gra£-Bretanha e obteve seu Ph.D. em direito internacional dos direitos humanos na Universidade de Essex, em 2015, antes de ingressar na faculdade UTokyo em 2017.

Ao longo da última década, a pesquisadora concentrou seus esforços em questões de responsabilização envolvendo funciona¡rios da ONU acusados ​​de cometer crimes sexuais, exploração e abuso durante operações de manutenção da paz. Sua pesquisa foi selecionada como um “projeto de pesquisa aberto” pelo Humanities Center, um consãorcio de pesquisa colaborativo que compreende oito departamentos e instituições da UTokyo. O centro, lana§ado em 2017, visa facilitar colaborações interdisciplinares e internacionais entre pesquisadores de humanidades. Com o apoio do centro, Kihara-Hunt convidou um especialista em estudos de gaªnero da Escola de Economia e Ciência Pola­tica de Londres (LSE) para vir ao Japa£o, na primavera e depois novamente no vera£o deste ano, para pesquisa conjunta na UTokyo.

Medidas aquanãm


Alegações de violência sexual e exploração pelo pessoal das Operações de Paz da ONU não são novidade. Os casos foram amplamente divulgados na ma­dia desde os anos 90, e a ONU estãobem ciente dos problemas. Mas as medidas para investigar e combater o problema não foram cumpridas, apesar da gravidade das acusações.

Um exemplo éa revelação de soldados da paz franceses e malianos desdobrados na República Centro-Africana que abusam sexualmente de meninos de 9 a 15 anos em troca de comida. Um painel de investigação independente concluiu em um relatório divulgado em 2015 que a ONU, apesar de ter tomado conhecimento da alegação, não fez nada por quase um ano. Garantir a responsabilidade por esses crimes cometidos por seu pessoal éuma preocupação urgente para a ONU.

"O impacto desses casos éenorme", disse Kihara-Hunt. “As vitimas ficam chocadas com o fato de terem sido aproveitadas pelo pessoal da ONU, que deveria ter vindo a  sua área para ajuda¡-las. Por outro lado, senti que este éum problema que a ONU pode resolver e corrigir. Eu pensei que a ONU estãomais bem equipada para lidar com esses incidentes do que, digamos, tentar parar uma guerra em andamento, porque ela são precisa seguir o procedimento a cada passo do caminho.

Atéagora, Kihara-Hunt criou um banco de dados de cerca de 700 casos de exploração e abuso sexual que remontam a 2000, baseados principalmente em reportagens da ma­dia. Embora os casos representem apenas uma pequena parte do problema, problemas comuns surgiram a partir deles. O maior problema, segundo Kihara-Hunt, éque não estãoclaro quem deve ser responsabilizado por agir depois que os crimes foram cometidos.

"A ONU hámuito tempo mantanãm a posição de que o problema não édeles", disse Kihara-Hunt. “Isso não quer dizer que a ONU não fara¡ nada, mas pelo menos até2005, alegou que não tem mecanismo para processar. Acho que esse éo maior problema. a‰ verdade que édever dopaís mobilizar forças de paz para garantir que seus oficiais acusados ​​de cometer crimes sejam processados ​​criminalmente. Mas acho que édever da ONU envidar todos os esforços para garantir que opaís despachante cumpra suas obrigações. A ONU tem reservas quanto ao cumprimento de tais deveres e demandas aos Estados membros, pois se sente em da­vida com ospaíses que destacam policiais e soldados para suas operações. Mas éimportante para a ONU

Marsha Henry, professora associada da LSE, hámuito tempo analisa a cultura ocupacional militar e seu impacto na mentalidade do pessoal militar na perspectiva das relações de gaªnero. Com base nos resultados de seu trabalho colaborativo, Henry e Kihara-Hunt apresentaram neste outono um conjunto de recomendações para altos funciona¡rios da ONU na Missão Permanente do Japa£o nas Nações Unidas em Nova York.

As recomendações inclua­am que, do ponto de vista do direito internacional, a imunidade não se aplica aospaíses anfitriaµes oupaíses contribuintes no processo de pessoal de operações de paz acusado de cometer crimes, e que a ONU tem a responsabilidade de processar ou ajudar a processar crimes graves cometidos por esse pessoal.

"Acho que a parte realmente benanãfica de nossa colaboração tem sido o fato de estar fazendo essa análise que analisa as causas estruturais e raiz e traduzindo algumas das análises para uma linguagem mais acessa­vel", disse Henry. “E acho que Ai éparticularmente bom em desenhar a mesma análise e depois coloca¡-la no contexto do direito internacional. Entre nós, podemos empacotar recomendações para a ONU, que eu acho que são mais convincentes para aqueles que desenvolvem políticas e treinam para as forças de manutenção da paz. ”

O que o Japa£o pode fazer


No Japa£o, longe das zonas de conflito, como cada um de nosdeve lidar com esse problema?

Kihara-Hunt diz que o Japa£o, como um grande doador do organismo mundial, estãoem uma posição única para possivelmente intervir nesta questãocomo um partido neutro, uma vez que estãoum pouco separado do conflito de longa data entre as potaªncias ocidentais - cujos interesses são normalmente representado pelo Conselho de Segurança da ONU, que decidiu a estrutura e o escopo das Operações de Paz da ONU - e ospaíses em desenvolvimento, geralmente na áfrica, que tendem a suportar o impacto de enviar soldados para outrospaíses africanos em conflito.

Além disso, o Ministanãrio das Relações Exteriores do Japa£o desenvolveu materiais de e-learning sobre violência e abuso sexual para as forças de manutenção da paz da ONU, tornando o assunto relata¡vel para as pessoas no Japa£o, disse ela.

"O Japa£o éabena§oado no sentido de que esses incidentes não são galopantes, mas também podem acontecer com as pessoas daqui", disse ela. “A violência e o abuso sexual incluem comportamentos abrangentes, e a exploração sexual ocorre quando háum claro desequila­brio de poder. O problema não se limita a s pessoas em conflito. Os danos decorrentes de tais situações são universais, afetando todos nós”.

 

.
.

Leia mais a seguir