Tecnologias desenvolvidas na Feagri ajudam propriedades rurais a reduzir os desperdícios e a melhorar a produtividade
Robô desenvolvido na Laboratório de Instrumentação e Controle da Feagri: plantio de até 20 mil mudas por dia
Plantar uma flor pode parecer uma tarefa trivial, mas demanda uma série de aptidões normalmente subestimadas. O processo de reconhecer uma espécie como uma muda, saber da sua utilidade, segurá-la na posição correta e realizar o enraizamento somente é possível devido a uma enigmática interação entre percepção visual, cognição e habilidades motoras delicadas e precisas. Agora, imagine uma máquina executando essa mesma tarefa. Se conseguir, poderá revelar-se mais ágil que as mãos humanas e não sofrerá desconfortos como cansaço ou lesão por esforço repetitivo. No entanto, para uma máquina realizar uma operação que é inata aos seres humanos faz-se necessário antes um tipo complexo de interação entre inteligência artificial e visão computacional.
Superar esse desafio revelou-se uma tarefa difícil, que, executada com sucesso por pesquisadores do Laboratório de Instrumentação e Controle (LIC) da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, resultou em um robô plantador de flores. Encomendada pela empresa Bioplugs, a tecnologia, nascida de uma estrutura fornecida pela própria empresa, possibilitará o plantio de até 20 mil mudas por dia. “Nós desenvolvemos um sistema de visão computacional, com uma câmera que captura em tempo real as imagens das mudas e um processamento de imagens com inteligência artificial que identifica o local em que o robô deve pegar a muda”, explica o engenheiro eletricista Claudio Umezu, pesquisador responsável pelo LIC.
O Robô Eva – como foi chamado – é apenas uma das várias tecnologias que o LIC vem desenvolvendo dentro do conceito da Agricultura 4.0, também conhecida como a quarta revolução agrícola. Essa revolução busca aliar as tecnologias da informação e comunicação com a agricultura de precisão, conceito relacionado à coleta da maior quantidade possível de informações sobre a lavoura para que se possa tomar decisões precisas sobre as necessidades de um determinado contexto. Com isso, tornou-se viável reduzir os desperdícios de insumo e os custos de produção, ao mesmo tempo em que se eleva a eficiência do sistema, uma vez que a decisão sobre quanto e quando o material será usado dependerá das características do solo, do clima e das pragas daquele local.
O emprego de tecnologias de ponta na produção agrícola não é nenhuma novidade. Desde sua origem, cerca de 12 mil anos atrás, a agricultura, para melhorar a produtividade e reduzir a sobrecarga de trabalho, vale-se dos avanços de sua época, como, por exemplo, os canais de irrigação, os arados, os moinhos e o transporte usando animais. Com a digitalização da agricultura, porém, surgiu algo novo. Os sistemas e dispositivos empregados agora são inteligentes e possuem relativa autonomia na tomada de decisões. Embora isso possa gerar preocupações quanto ao corte de postos de trabalho, o esvaziamento demográfico experimentado pelas zonas rurais nas últimas décadas e a insalubridade de algumas dessas atividades já haviam criado um cenário de escassez de mão de obra.
Para se ter uma ideia, o processo de plantio de mudas, ainda hoje realizado manualmente, significa a execução de um trabalho repetitivo, geralmente dentro de uma estufa quente, úmida e insalubre. Sendo assim, poucas pessoas conseguem ficar mais do que alguns meses realizando esse tipo de atividade. “A gente não tem mão de obra para fazer algumas operações, principalmente as repetitivas, que necessitam muito da força laboral. Nós temos parceiros com 30, 40 vagas e que nunca conseguem contratar mais do que dez ou 15 pessoas. Então, o limite de produção deles é a quantidade de pessoas que conseguem empregar”, explica o coordenador-geral do LIC, Angel Garcia.
Dentro do LIC, Garcia orienta, atualmente, o desenvolvimento de duas máquinas pulverizadoras que prometem reduzir o desperdício de defensivos agrícolas e a poluição ambiental. A primeira delas, voltada à pulverização de árvores, exigiu a criação de uma série de sensores que montam digitalmente a estrutura da planta e fazem com que a máquina se movimente de forma a aplicar o produto somente no local e na quantidade necessários, levando em conta fatores como o vento, o volume da copa e a distância entre as árvores. Atualmente, para essa tarefa, usam-se turbinas que arremessam o produto químico em direção à árvore, formando uma espécie de “cone”, um processo que pode desperdiçar até 60% do produto aplicado. A meta, com o novo equipamento, é reduzir esse desperdício a, no máximo, 10%.
A segunda tecnologia, um distribuidor de fertilizantes e corretivos para o solo, deve ser embarcada em um trator recentemente adquirido pela Feagri. Na agricultura comercial, todas as plantas precisam receber a mesma quantidade de nutrientes para que se desenvolvam de maneira uniforme. Os sistemas utilizados atualmente, porém, usam discos giratórios para lançar o produto a longas distâncias, um sistema sujeito a oscilações devido à influência do vento e da inclinação do terreno. “A gente quer corrigir esses defeitos. Vamos desenvolver alguns controles de velocidade independentes e estamos tentando estudar a angulação dos discos para verificar se isso conseguirá corrigir os fatores relevo e vento”, comenta o pesquisador Gabriel Cardoso.
Desafios
O conceito da Agricultura 4.0 sustenta-se sobre quatro pilares principais: o big data, que se refere a bancos de dados com uma imensa quantidade de informações, os sistemas de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), termo usado para designar a transformação de objetos cotidianos em dispositivos conectados à internet, a inteligência artificial, estruturas computacionais que reproduzem a capacidade humana de solucionar problemas e tomar decisões, e a computação em nuvem, serviços oferecidos e acessados via internet, sem que haja necessidade de manter e gerenciar recursos localmente ou em dispositivos físicos.
Dentro desse contexto, um dos principais desafios enfrentados pelo Brasil para a efetivação da quarta revolução agrícola é a conectividade no campo, recurso essencial para que se possa interligar todos os seus quatro pilares. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), 73% das propriedades rurais brasileiras não possuem cobertura de internet, visto que, para a maioria das empresas provedoras, instalar um sistema de conexão em locais remotos e de baixa densidade demográfica não compensa financeiramente. Para se ter uma ideia, enquanto Barão Geraldo, distrito de Campinas onde está localizado um dos campi da Unicamp, possui 10 mil hectares com cerca de 60 mil habitantes e dezenas de milhares de aparelhos utilizando serviços de internet, uma fazenda de 100 mil hectares – aproximadamente o mesmo tamanho de Campinas – contará com, no máximo, 500 máquinas conectadas.
Para o docente da Feagri Daniel Albiero, não haverá esse tipo de conectividade em toda a extensão do país e, por isso, a agricultura brasileira precisará encontrar uma solução própria se quiser competir com os grandes players internacionais do agronegócio. “Há muitas coisas que estão aparecendo. Algumas empresas nacionais querem usar a rede de satélites Starlink, do Elon Musk, e grandes fazendas, de maior poder aquisitivo, estão erguendo suas próprias torres de celular. O problema é que a digitalização da agricultura segue a indústria, e essas soluções de hardware são muito caras e incompatíveis com a maioria dos fluxos monetários agrícolas”, lamenta o professor.
Nesse sentido, um importante passo para o futuro da Agricultura 4.0 no Brasil tem sido o programa Rota 2030. Criado pelo governo federal para custear iniciativas no setor automotivo, o programa direciona parte de seus investimentos para o desenvolvimento de equipamentos do setor agrícola. O LIC, por exemplo, gerencia R$ 16 milhões em subvenções com empresas nacionais para a elaboração de projetos voltados, principalmente, à eficiência no uso de energia e na obtenção de resultados. Isso desembocou na formação de uma rede de parceiros localizados em Estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e que não possuíam mão de obra para realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Como resultado dessas parcerias, a Feagri não apenas desenvolve projetos com o objetivo de atender às demandas dessas empresas, como forma os recursos humanos que irão integrar seus quadros. Um desses profissionais é a doutoranda Jenyffer da Silva Gomes Santos, que está criando em sua pesquisa um trator elétrico para a agricultura familiar. Recentemente, a pesquisadora foi contratada por uma empresa de equipamentos agrícolas parceira do LIC. “O nosso principal objetivo é formar gente que leve inovação para as indústrias nacionais. O fato de a Jenyffer ocupar uma posição de comando no contexto da inovação de uma empresa nacional representa uma grande vitória nossa e de toda a Universidade”, comemora Albiero.
SOLUÇÕES CRIATIVAS
No sentido horário, Gabriel Cardoso, Daniel Albiero, Jenyffer da Silva Gomes Santos,
Antonio Henrique, Claudio Umezu, Antônio Pires de Camargo, Angel Garcia e
Mariana Ribeiro: múltiplas frentes de trabalho
Nos últimos quatro anos, o grupo de pesquisa em Agricultura 4.0 da Feagri já desenvolveu cerca de 15 patentes com foco na área de robótica agrícola – uma especialização do laboratório no contexto da digitalização da agricultura –, além de outras tecnologias cujos mecanismos permanecem em segredo. Uma dessas inovações é o Sistema de Visão Térmica para Identificação de Déficit Hídrico, criada por um orientando de Garcia e Albiero. Nesse projeto, um robô, com um sistema de processamento dotado de câmera térmica, fotografa as folhas de uma planta, medindo a temperatura das folhas, e em seguida processa essas imagens com inteligência artificial para diagnosticar quais plantas precisam de água e em qual quantidade.
Uma versão maior desse robô está sendo desenvolvida para atuar em uma das cinco estufas da Feagri. Nesse caso, uma câmera termal percorre os vasos de plantas para detectar aquelas com déficit hídrico, gerando um par de fotos – uma normal e outra termal – a serem monitoradas via celular juntamente com as informações das outras quatro estufas. O docente Antônio Pires de Camargo, chefe do Laboratório de Hidráulica e Irrigação da Feagri e coordenador desse projeto, explica ter sido montada uma estrutura para controlar a bancada. A partir dessa estrutura, todas as informações são transferidas para um servidor, no qual é feito o monitoramento.
Ainda de acordo com o pesquisador, essa automação nasceu a partir de soluções próprias, permitindo diminuir os custos de produção, que podem atingir a casa das dezenas de milhares de reais. “Embora existam soluções prontas à venda, elas custam cerca de R$ 60 mil ou R$ 70 mil. Aqui nós compramos apenas o chip e trabalhamos na integração dessas soluções, com um custo abaixo de R$ 10 mil”, revela. “No meu laboratório, os recursos são mais limitados. Não temos parcerias com grandes empresas. Precisamos ser um pouco mais criativos nesse sentido”, diz.
Nos próximos meses, a estufa reservada para abrigar a versão do Sistema de Visão Térmica se transformará em uma Casa de Vegetação (Cave) autônoma e em um laboratório indoor para pesquisas com agricultura digital, por meio de verbas disponibilizadas pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp. Mesmo tratando-se de uma estufa de baixa tecnologia, pretende-se que a reforma possibilite a criação de uma infraestrutura para pesquisas de alto nível, incluindo o recebimento de aparatos de internet das coisas, sistemas de iluminação artificial, cabeamento de alta velocidade e manutenção dos mecanismos de climatização, ampliando as possibilidades de pesquisa com a Agricultura 4.0 na faculdade.