Mundo

Uma vida decente, um planeta habita¡vel
Narasimha Rao passou grande parte de sua carreira mostrando que a pobreza no mundo em desenvolvimento pode ser erradicada sem piorar asmudanças climáticas. Agora ele quer que essas idanãias sejam traduzidas em políticas reais.
Por Kevin Dennehy - 29/01/2020



Ao remar em Mumbai, na andia, Narasimha Rao entendeu que ele era um dos sortudos. Em uma cidade movimentada, onde mais da metade da população vive em favelas, Rao desfrutou de um lar esta¡vel e frequentou uma pequena escola particular, onde foi exposto a problemas globais desde tenra idade. Mas ver a pobreza ao seu redor todos os dias era perturbador e confuso. Muitas das pessoas que ele conhecia estavam insensa­veis ao problema. Para eles, os pobres eram um lembrete do que poderia lhes acontecer em uma cidade onde milhões de pessoas estavam buscando poucas oportunidades; outros simplesmente não conseguiram entender a escala e a complexidade do desafio, muito menos como realmente fazer algo a respeito.

Rao teve uma reação diferente. Desde tenra idade, ele desejava entender e reduzir a desigualdade. Com interesse em engenharia, ele foi atraa­do pela tecnologia e pelo desenvolvimento como uma solução potencial. "No MIT, enquanto eu estava obtendo meu mestrado, primeiro me interessei pelos avanços na tecnologia da informação como uma espanãcie de equalizador que poderia oferecer aospaíses em desenvolvimento uma oportunidade de saltar", disse ele recentemente. “Mas, então, fiz cursos sobre energia e fiquei impressionado com o desafio do desenvolvimento sustenta¡vel, principalmente nas economias emergentes que precisavam de crescimento. Ele levantou quebra-cabea§as, intelectuais e morais, que pareciam não enderea§ados no discurso. ”

Rao, que no ano passado ingressou na Escola de Estudos Florestais e Ambientais de Yale como professor assistente de sistemas energanãticos, agora estuda energia e desenvolvimento no contexto dasmudanças climáticas - particularmente os impactos sociais da pola­tica energanãtica em evolução nospaíses em desenvolvimento. Desde 2015, ele também lidera um projeto,  Decent Living Energy , que ajuda a quantificar as necessidades de energia - e os impactos clima¡ticos - de erradicação da pobreza na andia, Brasil e áfrica do Sul. Em uma entrevista recente, ele descreveu sua abordagem inovadora para entender a relação entre energia e pobreza, suas implicações em um planeta cada vez mais movimentado e como a sociedade pode ajudar a melhorar a vida de bilhaµes de pessoas sem exacerbar o aquecimento global.

“Estamos tentando entender a energia necessa¡ria para atender a s necessidades ba¡sicas hádécadas, desde a crise do petra³leo nos anos 1970. Mas não ta­nhamos as ferramentas para fazer uma avaliação rigorosa. Agora nosfazemos".

- Narasimha Rao, professor assistente de sistemas de energia

A entrevista a seguir foi editada para maior duração e clareza.

No ini­cio de sua carreira, vocêtrabalhava como consultor tanãcnico no setor de eletricidade. Mas vocêdisse que o retorno a  andia como professor visitante mudou sua carreira. O que vocêviu?

NARASIMHA RAO: Bem, a andia estava passando por uma reforma econa´mica significativa, liberalizando os setores de eletricidade e outros setores de infraestrutura. A primeira coisa que vi foi que as medidas políticas priorizavam a aceleração do investimento privado e a manutenção da viabilidade financeira dos prestadores de servia§os, mas com a negligaªncia da proteção ambiental e social. Esse foco negligenciou a extensão dos padraµes ma­nimos de serviço a todos e não conseguiu equilibrar a alocação de riscos em acordos contratuais. Então comecei a usar a plataforma acadaªmica para incentivar o debate fundamentado e a transparaªncia em torno da reforma. Tive experiências fascinantes na sala de aula em torno de projetos controversos de infraestrutura, onde convidei patrocinadores de projetos e ONGs ambientais opostas, que apresentaram suas próprias versaµes da realidade para estudantes de pós-graduação confusos.

Amedida que a questãoda mudança climática ganhava atenção internacional, a primeira reação de muitos na andia foi adotar uma atitude de cabea§a na areia de que esse era o problema do mundo desenvolvido - “eles o criaram; precisamos desenvolver e crescer. ”Sim, com certeza. Mas em umpaís com mais de um bilha£o de pessoas que deve elevar rapidamente os padraµes de vida, o risco de travar um desenvolvimento insustenta¡vel era grande demais para ignorar completamente o problema. Isso representava contradições interessantes: os indivíduos por si são eram pobres, mas coletivamente poderiam contribuir significativamente para asmudanças climáticas. As possibilidades de crescimento sustenta¡vel são vastas, mas o conhecimento e o capital são escassos. Como umpaís que estãose desenvolvendo rapidamente mantanãm seus direitos de se desenvolver e crescer, mas também assume a responsabilidade de fazer parte da solução? Esse foi um desafio moral e intelectual realmente interessante para mim, que não havia sido tratado adequadamente no discurso acadaªmico.

Como o projeto Decent Living Energy contribui para esse discurso?

RAO: O projeto aborda várias lacunas de pesquisa. Estamos tentando entender a energia necessa¡ria para atender a s necessidades ba¡sicas hádécadas, desde as crises do petra³leo na década de 1970. Mas não ta­nhamos as ferramentas para fazer uma avaliação rigorosa. Agora nosfazemos. Esse conhecimento ajuda no planejamento energanãtico e também na mitigação dasmudanças climáticas. Queremos saber se existe um conflito entre o desenvolvimento humano ba¡sico e a mitigação da mudança climática: podemos reduzir o uso de energia para atender a s ambições do acordo clima¡tico de Paris sem comprometer as necessidades ba¡sicas das pessoas? A maioria dos cenários de mitigação climática dos modelos globais considera a demanda de energia simplesmente como uma função do crescimento econa´mico e da tecnologia como a principal ferramenta para alcana§ar a mitigação climática, tanto em termos de transformação do sistema de suprimento quanto de equipamentos de uso final. Essas são trajeta³rias idealizadas de difusão de tecnologia em todo o mundo, sem considerar, em primeiro lugar, se era acessa­vel e via¡vel. Mas também se as demandas de energia projetadas tem alguma relação com o que vocêrealmente precisa para erradicar a pobreza.

Eu queria mudar um pouco essa pesquisa: vejamos primeiro o que éa erradicação da pobreza , o que ela implica. Como são os padraµes de vida decentes? E então, quais são as implicações para o uso de recursos, considerando estratanãgias sustenta¡veis ​​de baixo custo? Em seguida, comparamos isso com a visão de cima para baixo que prevaleceu na comunidade de pesquisa.

O que vocêachou?

RAO: Nos estudos de caso que fiz, parece que para essespaíses as expectativas de crescimento de energia são suficientes para fornecer padraµes ba¡sicos de vida, mesmo em um mundo com apenas 2 graus Celsius de aquecimento. Mas deixa diferentes na­veis de margem para crescimento adicional em termos de qualidade de vida, o que também gera problemas de equidade. Por que estepaís épressionado em termos de demanda de energia que permite padraµes ba¡sicos de qualidade de vida, enquanto outrospaíses tem amplo Espaço? O que isso implica em difusão de tecnologia? Tambanãm encontramos oportunidades significativas nessespaíses para crescer de forma sustenta¡vel, com menos emissaµes.

Quais são alguns dos componentes ba¡sicos de uma 'vida decente'?

RAO: Muitos deles são comuns: comida, roupas, abrigo, águae saneamento. Mas mesmo dentro desses fatores existem nuances. Quando vocêfala sobre abrigo, por exemplo, precisamos considerar o conforto ba¡sico - como manter uma casa a uma certa temperatura e umidade, o que, obviamente, tem implicações no uso de energia. Existem 2 a 3 bilhaµes de pessoas que podem precisar de ar-condicionado para ter conforto ba¡sico. Isso éalgo, por exemplo, que algumas pessoas acham difa­cil suportar. Eles estãomais preocupados com o fato de 700 milhões de aparelhos de ar condicionado serem vendidos nos pra³ximos 20 anos como uma ameaça a  mudança climática. Mas a concentração de pessoas que não tem acesso a isso estãoem regiaµes que sentira£o os piores efeitos dasmudanças climáticas. Tambanãm inclua­mos os meios de afiliação social na sociedade moderna - telefones celulares e acesso a  Internet.

Sua pesquisa descobriu que alcana§ar esses padraµes não requer um aumento significativo nas emissaµes de carbono. Como o governo pode ajudar a conseguir isso?

RAO: As duas áreas que consomem mais recursos - e tem maior potencial para aumentar o bala£o em termos de uso de energia - são edifa­cios e transporte. Pola­ticas inteligentes incentivariam novos edifa­cios eficientes, especialmente nospaíses em desenvolvimento, onde boa parte do futuro estoque de ima³veis permanece em grande parte não construa­da. Descobrimos, por exemplo, que certos materiais de origem local são mais baratos e mais eficientes - eles reduziriam as emissaµes em comparação com as melhores prática s atuais de construção, que geralmente usam alvenaria convencional. Depois, hámobilidade, o que éum acanãfalo. As pessoas entendem que o transporte paºblico émelhor ao redor. a‰ mais eficiente em termos energanãticos, reduz o congestionamento, reduz a poluição. Mas também requer investimento de capital. Para as novas cidades do mundo, investir em transporte paºblico éimportante - principalmente em transporte de a´nibus e faixas exclusivas para a´nibus. Essas são algumas áreas-chave, mas existem outras.

Dietas equilibradas com gra£os grosseiros, por exemplo, podem melhorar a nutrição e reduzir as emissaµes. O consumo sustenta¡vel com renda crescente também serácra­tico. Mostramos que na­veis ma­nimos de ar condicionado e tecnologia ba¡sica de informação e comunicação podem ter um impacto insignificante no clima. Contudo, também sabemos que o uso indiscriminado de ar condicionado e a proliferação de aparelhos eletra´nicos contribuem significativamente para o crescimento da demanda de energia entre os ricos.

Esse conhecimento crescente sobre a complexa relação entre energia e pobreza estãomudando positivamente?

Eu acho que estãovindo devagar. O número de artigos sendo escritos e apresentados em conferaªncias nesse campo aumentou. Temos visto o interesse dos formuladores de políticas nesta pesquisa. Isso pode atrair financiamento para projetos que atraem recursos para ospaíses em desenvolvimento. Espero que haja mais repercussão da pesquisa acadaªmica no mundo real, nas políticas nacionais de energia e nas negociações internacionais sobre o clima. Se vocême perguntar onde eu vejo o maior potencial para seu uso, éisso.

 

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