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Destruição de um fragmento de Mata Atla¢ntica aumenta a temperatura local
Pesquisadores da USP e da UNICAMP mostra que, se 25% de um fragmento de Mata Atla¢ntica com aproximadamente 1 hectare for desmatado, a temperatura local aumentara¡ em 1 ° C. Limpar o fragmento inteiro aumentaria a temperatura local em até4 ° C
Por Elton Alisson - 04/03/2020

Um estudo realizado no Brasil por pesquisadores da Universidade de Sa£o Paulo (USP) e da Universidade de Campinas (UNICAMP) mostra que, se 25% de um fragmento de Mata Atla¢ntica com aproximadamente 1 hectare for desmatado, a temperatura local aumentara¡ em 1 ° C. Limpar o fragmento inteiro aumentaria a temperatura local em até4 ° C. Os resultados são publicados na revista PLOS ONE .

Crédito: Carlos Joly / BIOTA-FAPESP
Pesquisadores brasileiros mostram que se 25% de um
remanescente de floresta de um hectare for reduzido,
o impacto no clima local seráum aumento de
temperatura de 1 ° C.

"Conseguimos detectar os efeitos do aquecimento devido ao desmatamento de fragmentos de floresta tropical do Atla¢ntico , dos quais existem muitos no sudeste do Brasil", disse Humberto Ribeiro da Rocha, principal pesquisador do estudo. Rocha éprofessor do Instituto de Astronomia, Geofa­sica e Ciências Atmosfanãricas da Universidade de Sa£o Paulo (IAG-USP).

A investigação foi conduzida sob a anãgide de dois projetos apoiados pela Fundação de Pesquisa de Sa£o Paulo - FAPESP, um associado ao Programa de Pesquisa em Mudanças Clima¡ticas Globais (RPGCC) e outro ao Programa de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustenta¡vel da Biodiversidade ( BIOTA-FAPESP).

Segundo Rocha, já existem evidaªncias cienta­ficas que mostram que a destruição de florestas tropicais leva ao ar mais quente em escala local, mas essa evidência ébaseada em medições realizadas em grandes áreas, principalmente por pesquisas realizadas na Amaza´nia.

"Ninguanãm jamais produziu informações detalhadas sobre o desmatamento de pequenos fragmentos ou estudos que levem em conta diferentes na­veis de antropização [transformação do ambiente pela atividade humana]", disse Rocha, membro do comitaª diretor do RPGCC.

Para preencher essa lacuna de pesquisa, os pesquisadores analisaram a relação entre o grau de desmatamento e o aumento da temperatura local nos remanescentes da Mata Atla¢ntica localizados na Serra do Mar, uma cadeia de montanhas que se estende ao longo do litoral norte do estado de Sa£o Paulo.

A temperatura dasuperfÍcie terrestre (LST) foi estimada usando dados de fluxo de calor continuamente registrados em todo o mundo por sensores a³pticos infravermelhos, como os dos satanãlites de observação Landsat Earth da NASA.

Com base nesses dados, os pesquisadores calcularam uma média anual de LST para dezenas de milhares de amostras da Mata Atla¢ntica, cada uma com uma área de aproximadamente 1 hectare. A cobertura florestal nessas áreas variava de toda a área coberta a nenhuma área com cobertura florestal (desmatada). Essas áreas também apresentaram diferentes graus de antropização, com um gradiente de variação de 1%.
 
Os ca¡lculos foram realizados durante o doutorado. pesquisa de Raianny Leite do Nascimento Wanderley, sob a supervisão de Rocha. Eles mostraram temperaturas mais altas em áreas menos florestadas. Cada aumento de 25% na destruição da vegetação nativa resultou em um aumento do LST de 1 ° C; assim, o desmatamento total foi correlacionado com um aquecimento de 4 ° C.

"Esse padrãodetectado éinterpretado como caracterizando o impacto da perda de cobertura florestal no microclima", afirmou Rocha.

Impacto na floresta

Segundo os pesquisadores, os fragmentos da Mata Atla¢ntica estudados estavam localizados em altitudes relativamente mais altas e tinham proporcionalmente mais carbono armazenado no solo do que aqueles nas áreas da floresta amaza´nica. O desmatamento das áreas de Mata Atla¢ntica pode, portanto, comprometer o balana§o de carbono do bioma.

"A floresta tropical do Atla¢ntico estãoatualmente em equila­brio e pode atéestar absorvendo marginalmente carbono da atmosfera, mas pode se tornar uma fonte de emissaµes de carbono", disse Carlos Joly ( bv.fapesp.br/en/pesquisador/28 ... carlos-alfredo-joly / ), professor da UNICAMP e um dos autores do estudo. Joly émembro do comitaª de direção da BIOTA-FAPESP.

O aumento da temperatura nesses fragmentos florestais afeta mais a respiração das plantas do que a fotossa­ntese. Isso também contribui para a liberação de maiores quantidades de carbono da floresta na atmosfera, explicou Joly.

"Os dois processos combinados criam uma sinergia perigosa que leva ao aumento das emissaµes de carbono da floresta para a atmosfera", disse ele.

Os efeitos do aquecimento causado pelo desmatamento em fragmentos de floresta tropical do Atla¢ntico podem variar de uma espanãcie para outra, acrescentou. As espanãcies pioneiras, que sobrevivem em condições adversas devido a  sua alta capacidade reprodutiva, geralmente exibem maior resiliencia a smudanças de temperatura.

"Ainda não temos dados suficientes para prever quanto tempo levara¡, mas a longo prazo, o aumento da temperatura nos fragmentos da floresta atla¢ntica devido ao desmatamento certamente pode influenciar a sobrevivaªncia de espanãcies de a¡rvores na floresta, embora algumas espanãcies sejam mais que outras. ," ele disse.

"A proporção de espanãcies tipicas de florestas maduras pode diminuir, enquanto a de espanãcies secunda¡rias pioneiras ou iniciais, que são mais pla¡sticas, pode aumentar".

Funções prejudicadas

Considerada uma das florestas mais ricas e ameaa§adas do mundo, a Mata Atla¢ntica ocupa 15% da massa terrestre do Brasil em uma área que abriga 72% da população. O bioma diminuiu 113 quila´metros quadrados entre 2017 e 2018, de acordo com dados recentes do Atlas da Mata Atla¢ntica, com base no monitoramento conta­nuo da ONG Fundação SOS Mata Atla¢ntica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Além do impacto na biodiversidade, os pesquisadores enfatizaram que mesmo o desmatamento em pequena escala prejudica importantes servia§os ecossistemicos prestados pela floresta atla¢ntica, como a regulação do calor.

"A floresta éextremamente importante para manter temperaturas mais amenas nas escalas local e regional. Mudanças no seu funcionamento podem atrapalhar esse tipo de serviço ecossistemico", afirmou Joly.

O abastecimento de águatambém pode ser afetado. A Mata Atla¢ntica abriga sete das nove maiores bacias hidrogra¡ficas do Brasil, onde os rios originam esse fluxo em reservata³rios responsa¡veis ​​por quase 60% da energia hidrelanãtrica dopaís e fornecem águaa 130 milhões de pessoas.

"A Mata Atla¢ntica não produz a¡gua, mas protege as nascentes e permite o armazenamento de águaem reservata³rios para consumo, geração de energia, irrigação agra­cola e pesca, entre outras atividades", afirmou Joly.

Localizada em terreno extremamente acidentado, a Mata Atla¢ntica ajuda a evitar deslizamentos de terra em anãpocas de fortes chuvas. "A destruição desses fragmentos florestais oumudanças no seu funcionamento podem diminuir muito essa proteção", afirmou Joly.

O desmatamento do bioma, agora reduzido a 12,4% do seu tamanho original, émais grave no estado de Sa£o Paulo do que em outras áreas devido a  construção de estradas, gasodutos e outros tipos de infraestrutura, acrescentou. Essa área também sofreu expansão urbana, incluindo a construção de favelas e condoma­nios fechados de alta renda.

Como um dos biomas mais ameaa§ados da Amanãrica do Sul, a Mata Atla¢ntica tem sido foco de numerosos estudos sobre restauração nos últimos anos. A maioria dos estudos foi realizada por pesquisadores afiliados ao BIOTA-FAPESP, segundo Joly.

A maior iniciativa para restaurar o bioma égovernada pelo Pacto de Restauração da Mata Atla¢ntica, lana§ado em 2009 como um movimento de várias partes interessadas para restaurar 15 milhões de hectares até2050.

"Foi adquirido muito conhecimento sobre a restauração da floresta atla¢ntica. Evidentemente, não poderemos substituir tudo o que foi perdido, mas pelo menos algumas das funções do bioma podem ser restauradas", disse Joly.

 

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