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Refreando os poderes crescentes da presidaªncia
Dois veterina¡rios da Casa Branca dizem que a experiência com o presidente Trump destaca a necessidade de freios hámuito esperados
Por Christina Pazzanese - 21/11/2020


Ilustração fotogra¡fica: Judy Blomquist / Harvard Staff

Tanto republicanos quanto democratas expressaram preocupações nas últimas décadas sobre a expansão dos poderes presidenciais - alguns deles cedidos pelo Congresso em busca de cobertura pola­tica, muitos deles resultado de interpretações jura­dicas da Casa Branca das áreas constitucionais cinzentas. O equila­brio de poder agora se inclina a favor do Sala£o Oval, mas desde o presidente Richard Nixon, os lideres tem se mantido sob controle, respeitando regras e normas informais hámuito estabelecidas.

Então veio o presidente Trump. Descreveu-se como quebrador de regras, ele ignorou a tradição e os padraµes do decoro presidencial e testou os limites do cargo, violando tradições, normas e atéleis, de acordo com muitos juristas. A Constituição fornece duas ferramentas destinadas a manter os presidentes recalcitrantes na linha: impeachment e reeleição. Mas, como os últimos quatro anos - incluindo essas semanas antes da posse do presidente eleito Joseph Biden em 20 de janeiro - demonstraram, esses corretivos nem sempre funcionam como pretendido. E não restringira£o um presidente que pode agir regularmente de maneira problema¡tica, mas não ilegal.

Em um novo livro, "Depois de Trump: Reconstruindo a Presidaªncia", os advogados Bob Bauer '73 e Jack L. Goldsmith , veteranos das casas brancas democratas e republicanas, respectivamente, propaµem o que eles dizem ser reformas hámuito esperadas para o gabinete do presidente que pode controlar futuros presidentes que tentam explorar o cargo para seu benefa­cio pola­tico ou pessoal.

Goldsmith, Professor Aprendido de Direito na Harvard Law School , atuou como procurador-geral assistente no Office of Legal Counsel durante o governo George W. Bush. Ele escreve frequentemente sobre segurança nacional, governo e pola­tica, e éo editor-fundador da Lawfare . Bauer, um consultor jura­dico de longa data do presidente Barack Obama que agora assessora a campanha de Biden, éamplamente considerado uma das principais autoridades em poderes do Poder Executivo. Ele serviu como conselheiro da Casa Branca de 2008 a 2011 e agora éprofessor da prática e renomado acadêmico residente na NYU Law.

Perguntas & Respostas
Bob Bauer e Jack L. Goldsmith


Muitos presidentes empurraram os limites externos do poder do Executivo para seu pra³prio ganho pola­tico. Trump éa única razãopela qual precisamos “reconstruir a presidaªncia”?

OURIVES:Houve violações de normas e preocupações legais antes de Trump. Mas em quase todas essas áreas, [ele] agiu de maneiras que tornaram todos os problemas que estavam na tela do radar antes muito, muito, muito piores. Trump expa´s várias maneiras de explorar a presidaªncia e contornar normas e leis que tememos que um futuro presidente possa explorar.

Normas são princa­pios de ação correta que não são respaldados pela aplicação da lei, mas fazem parte da cultura do Poder Executivo. Eles tem funcionado muito bem desde Watergate. Muitas das reformas pa³s-Watergate trataram de instanciar normas no poder executivo para lidar com problemas, alguns dos quais não podem ser regulamentados por lei. Como o presidente, de acordo com o Artigo II da Constituição, controla o ramo executivo, por exemplo, émuito difa­cil ter uma entidade legalmente independente examinando a presidaªncia. Vocaª tem que fazer isso por meio de normas e regulamentos internos.

Mas algumas normas podem e devem ser transformadas em leis aplica¡veis. No passado, ta­nhamos divulgação de impostos presidenciais e conformidade com normas de conflito de interesses - todos concordavam que o presidente as cumpriria. Nãohavia necessidade de uma lei. Todos os presidentes desde Watergate obedeceram a essas normas. Mas se háum presidente sem vergonha e quer aceitar o custo pola­tico, ele pode ser violado. Trump fez isso repetidamente de várias maneiras que nunca deveriam acontecer novamente.

Acreditamos em uma presidaªncia forte. Nãoestamos tentando diminuir fundamentalmente o escrita³rio. Uma presidaªncia forte énecessa¡ria no mundo perigoso e muito complexo em que vivemos e épor isso que a presidaªncia, ao longo do tempo, ganhou tanto poder. Mas a questãoése o presidente éadequadamente responsável perante a lei, o paºblico e o Congresso. Essas coisas precisam andar de ma£os dadas se vocêdeseja ter uma presidaªncia forte. Tem que ser adequadamente restringido.

Dado o partidarismo em Washington, existem algumas áreas maduras para a reforma com as quais ambos os lados tem maior probabilidade de concordar?

BAUER: Parece-nos que existem questões ba¡sicas em torno das quais um consenso bipartida¡rio pode ser possí­vel: os presidentes devem apresentar suas declarações de impostos e precisamos de mais controles sobre o conflito de interesses financeiros. Toda reforma exigira¡, algumas mais do que outras, algum equila­brio de interesses em que o objetivo seja uma reforma significativa sem danos aos direitos pessoais lega­timos do presidente ou ao papel constitucional.

Parece bastante simples exigir que o presidente (e o vice-presidente) divulguem seus impostos. Mas como o requisito seráestruturado? O que acontece se ele ou ela se recusar a fazer isso? Que direitos o Congresso tem para obtaª-los se o presidente não os cumpre? E quanto a s auditorias do IRS das declarações de impostos de todos os presidentes, que são conduzidas como uma questãode pola­tica do IRS desde os anos 1970? Por que o paºblico não deveria ver os resultados dessas auditorias?

De acordo com nossa proposta, o presidente seria obrigado a apresentar suas declarações de impostos por meio do mesmo estatuto que exige que os presidentes apresentem uma imagem global de seus interesses financeiros: a Lei de a‰tica no Governo. A lei seria alterada para exigir a liberação das declarações em 15 de abril, sem prorrogações concedidas. Todos os presidentes conseguiram cumprir o prazo de 15 de abril e essa seria a expectativa com a reforma. E estendera­amos a exigaªncia de divulgação de impostos aos membros da familia do presidente que ocupam cargos importantes no governo. Trump instalou seu genro e sua filha no West Wing: suas declarações de impostos devem ser divulgadas. E então, remanãdios para aplicação devem estar dispona­veis. O Congresso poderia prever que o secreta¡rio do Tesouro apresentasse as declarações se o presidente não as fornecesse conforme exigido por lei ao Escrita³rio de a‰tica Governamental para revisão da integralidade e divulgação pública. Se o secreta¡rio do Tesouro não o fizer, o Congresso deve ser especificamente autorizado a obter reparação em tribunal federal.

OURIVES: O diabo estãonos detalhes. Nãobasta dizer: “O presidente deve divulgar suas declarações de impostos”. Vocaª precisa ajustar isso a  lei existente e a s obrigações existentes. Vocaª tem que pensar em perguntas como: “E se ele quiser atrasar? Ele tem permissão? " A resposta deve ser não. Vocaª tem que se preocupar com a aplicação. Foi muito importante para nosentrar em detalhes porque eles são importantes, francamente, se essas reformas va£o funcionar.

O presidente Trump instruiu o FBI e o Departamento de Justia§a a perseguir seus supostos inimigos, incluindo o ex-presidente Obama e o vice-presidente Biden, e pediu que os processos federais e as sentena§as contra seus amigos fossem atenuados ou totalmente suspensos. Ele também compartilhou inteligaªncia ultrassecreta sobre segurança nacional com a Raºssia e o jornalista Bob Woodward, o que são ele tem permissão para fazer. Dada a ampla latitude que os presidentes tem sobre a segurança nacional, inteligaªncia, aplicação da lei federal, especialmente o DOJ, como podemos garantir que esse poder não seja abusado?

OURIVES: a‰ muito difa­cil. Como vocêgarante a independaªncia e a integridade da aplicação da lei pelo Departamento de Justia§a que estãosob o controle do presidente dos Estados Unidos éum dos grandes desafios do direito constitucional americano. Nãoachamos que existam soluções fa¡ceis. Vocaª acabou de mencionar que o presidente ordenou ao procurador-geral que investigasse e processasse seus oponentes. Trump tem insistido nisso desde a primeira semana em que estãono cargo. As pessoas não apreciam isso: [o ex-procurador-geral dos EUA] Jeff Sessions e agora, William Barr, de fato, não fez isso. Portanto, eu diria que Trump foi realmente ineficaz em fazer com que os funciona¡rios do Departamento de Justia§a processassem seus inimigos. Em parte, isso pode ser atribua­do a  incompetaªncia de Trump, mas deve dar pelo menos algum conforto.

Mas o Departamento de Justia§a nem sempre pareceu resistir a  pressão de Trump. O procurador-geral Barr foi criticado por carregar a águado presidente em [o ex-conselheiro de segurança nacional Michael] Flynn, tentando anular essa condenação e a recomendação de sentena§a de Roger Stone.

Barr também quebrou as normas em relação a  escolha de John Durham, o procurador dos Estados Unidos de Connecticut, para conduzir uma investigação da investigação da campanha de Trump. Ha¡ um argumento a ser feito para examinar cuidadosamente essa investigação para que possa haver lições aprendidas para opaís. Mas a forma como essa investigação se desenvolveu nos parece ilega­tima. Nãoachamos que deveria ser o trabalho de um advogado dos EUA. Isso deve ser feito por um inspetor geral, não por um investigador criminal.

Além disso, e isso émuito ruim em nosso julgamento, o procurador-geral Barr, por quase dois anos, antecipou publicamente essa investigação. Ele comentou sobre isso incessantemente. O procurador-geral deslegitimou essa investigação ao fazer comenta¡rios paºblicos sobre ela, o que écontra¡rio a s normas do Departamento de Justia§a. O problema éque os regulamentos não se aplicam explicitamente ao procurador-geral. Gostara­amos de deixar bem claro que o procurador-geral, na ausaªncia de circunsta¢ncias muito especiais, não deveria fazer isso. Finalmente, se um inspetor-geral descobrir irregularidades cometidas por uma administração anterior, émuito importante que a investigação seja feita por um advogado especial com alguma independaªncia para a aparaªncia e a realidade da justia§a.

“Acontece que tem sido muito difa­cil para Donald Trump ampliar sua base central de apoio precisamente porque ainda háno eleitorado americano um apego a s normas democra¡ticas, e podemos construir sobre isso.”

- Bob Bauer

Nunca tivemos um presidente que tentou processar criminalmente outro, seja justificado ou não. Isso deveria ser permitido?

OURIVES: Ha¡ duas opiniaµes no Departamento de Justia§a, uma do governo Nixon e outra do governo Clinton, que afirmam que o presidente não pode ser processado enquanto estiver no cargo. O que isso significa éque, quando um presidente comete irregularidades no cargo, ele pode ser cassado ou as provas podem ser coletadas. Essas opiniaµes deixam claro que, em teoria, épermitido que o presidente dos Estados Unidos seja processado depois de deixar o cargo por crimes cometidos no cargo.

Minha opinia£o ba¡sica éque, nas circunsta¢ncias certas, éperfeitamente lega­timo investigar e processar um ex-presidente por crimes cometidos no cargo. Eu argumento, em bases pragma¡ticas, que seria um erro fazer isso no caso de Trump. (Existem algumas investigações em andamento sobre Trump agora. Elas devem continuar porque não dizem respeito a s ações que ele tomou no cargo.) O que me preocupa éque uma nova administração investigue e processe a administração anterior por crimes cometidos no cargo. - não como uma regra universal, mas neste contexto.

Nãoestãoclaro quais crimes ele cometeu. O mais prova¡vel éa obstrução da justia§a, que éum crime muito difa­cil de processar de acordo com o atual conjunto de estatutos de obstrução. Portanto, não estãonada claro se essa investigação seria fruta­fera para chegar a um processo.
Estamos em uma situação muito perigosa agora, onde já tivemos duas rodadas de investigações criminais.

Primeiro, tivemos o governo Obama investigando a campanha de Trump e depois a transição de Trump, e então se tornou o governo Trump. O que quer que vocêpense dessa investigação, certo, errado ou não, foi extremamente controverso ter um governo investigando criminalmente a campanha de outro governo [e] a transição. Isso éalgo que preocupa cerca de 40% dopaís. Em segundo lugar, vocêtem Barr fazendo uma investigação desses investigadores atravanãs das lentes do direito penal. E então estamos falando sobre fazer o pra³ximo governo fazer um exame de Trump atravanãs das lentes do direito penal. Acho que éum precedente terra­vel a ser estabelecido e estãoestabelecendo um caminho para como lidamos com desacordos e administrações anteriores. Em uma democracia, esse éum caminho muito difa­cil. Isso consumiria a próxima administração. Vai ser muito difa­cil para o Departamento de Justia§a tentar restaurar a crena§a na objetividade do estado de direito quando estãoindo atrás do que muitos consideram [são] inimigos pola­ticos.

O argumento do outro lado, que eu entendo, anã: “O estado de direito seráprejudicado se ele cometer crimes [e] vocênão for atrás dele porque isso significa que o presidente escapou impune.” a‰ um custo para o que estou propondo. Mas temos que levar em conta a possibilidade de que eles fracassem assim como o impeachment fracassou. Existem muitas maneiras de ter responsabilidade além de processos pola­ticos. Nãose trata realmente de pola­tica. a‰ sobre os muitos custos, pola­ticos e normativos, e de cura.

BAUER: Eu discordo da posição para a qual podemos ter nos manobrado. E isto anã, por um lado, temos a lei do poder executivo que imuniza o presidente de acusação enquanto ele ou ela estiver no cargo. E, por outro lado, temos pelo menos o surgimento de uma norma que aconselha contra a acusação uma vez que ele ou ela tenha deixado o cargo, em nome da unidade nacional e da cura. Este éo legado do perda£o de Richard Nixon por Gerald Ford. Isso me preocupa muito. Todas as preocupações de Jack são inteiramente va¡lidas. Mas éfundamental que não recuemos do princa­pio fundamental de que um presidente não estãoacima, mas éresponsável perante a lei.

Isso pode ser feito por meio da adoção de processos rigorosos, aliados a  transparaªncia. … Eu reconhea§o, e acho que todo mundo reconhece, que não apenas a investigação e o processo contra um ex-presidente poderiam consumir opaís, mas um ex-astro de reality show como Donald Trump, particularmente um ofendido, poderia aproveitar e se divertir com seu papel como va­tima. Ele argumentara¡ que tudo éuma extensão da “caça a s bruxas” contra ele desde o momento em que parecia que ele poderia ser eleito em 2016, durante todo o processo de impeachment em 2020 e além . Mas pagamos um prea§o pelo Estado de Direito e resistir a essa demagogia éum desses prea§os.

Além disso, se não podemos aceitar que o governo federal possa proceder de alguma forma disciplinada e baseada em princa­pios para investigar, e se for justificado, processar as ações de um ex-presidente, isso pode simplesmente empurrar essa busca de responsabilidade legal para onívelestadual e local. Os procuradores distritais e procuradores-gerais estaduais podem estar sob pressão para tentar defender o estado de direito, porque as autoridades federais não agira£o. Nãosei se isso éterrivelmente útil e pode exacerbar o medo de que os processos sejam "caça a s bruxas" pola­tica.

Qualquer coisa pode ser realizada imediatamente sob uma nova administração?

OURIVES: Cerca de metade das reformas do livro podem ser implementadas pelo procurador-geral e pelo presidente logo no ini­cio do pra³ximo governo. Quase todas as reformas do conselho especial podem ser feitas pelo procurador-geral apenas emitindo novos regulamentos. Algumas das propostas de independaªncia do Departamento de Justia§a podem ser implementadas pelo procurador-geral. A ideia de que a investigação Durham não éa abordagem certa, que pode ser alterada por regulamento e estabelecer uma nova norma para esse tipo de processo. Ha¡ reformas das quais não falamos, alguns problemas na forma como o FBI e o Departamento de Justia§a investigaram a investigação por e-mail de Hillary Clinton e aspectos da campanha de Trump. Achamos muito importante que haja orientação sobre a distribuição de autoridade entre o Departamento de Justia§a e o FBI sobre quando e sob quais circunsta¢ncias e por cuja ordem os presidentes e as campanhas presidenciais devem ser investigados. Tudo isso pode ser implementado pela próxima administração. Dependera¡ do que o presidente e o procurador-geral acharem importante.

No front estatuta¡rio, a norma de divulgação de impostos, a norma de evitar o conflito de interesses presidencial foi amplamente aceita por ambas as partes e muito bem seguida por 45 anos antes de Trump assumir o cargo. Achamos que, uma vez que Trump esteja fora do escrita³rio, o que estãoao alcance da ma£o pode ser implementado muito rapidamente. Algumas das coisas ficam mais contestadas politicamente. Já existe um projeto de lei que exemplifica nossa reforma do perda£o. Parece que deveria haver apoio bipartida¡rio no Congresso para isso. Outras coisas, como reforma de vagas [do poder executivo] e reforma de poderes de guerra, isso vai ser muito difa­cil porque implica a separação tradicional de disputas de poderes entre os ramos.

O que os cidada£os comuns podem fazer?

BAUER: Nãohádaºvida de que a tolera¢ncia a  quebra de normas costuma estar enraizada na percepção de que as instituições não cumpriram seus compromissos ba¡sicos e, além disso, que as normas protegem as elites e permitem uma governana§a corrupta sem responsabilidade. Portanto, teremos que enfrentar e abordar essa preocupação de que toda a conversa sobre instituições e normas não tem sentido, uma cobertura para instituições que ajudam os de dentro e não atendem a s pessoas de fora.

a‰ importante que, como consequaªncia desta eleição e nos anos que se seguem, os detentores de cargos individuais sejam chamados a prestar contas pelo seu comportamento nestas questões. Temos que esperar um interca¢mbio entre o eleitorado e os governantes eleitos que recompense e reforce a defesa das instituições e o respeito a s normas e pune o comportamento que destra³i as instituições e desvaloriza as normas. Se tivermos isso, essas normas va£o voltar, junto com tudo o que Jack e eu sugerimos em termos de apoio estatuta¡rio e regulata³rio a esse renascimento. Acontece que tem sido muito difa­cil para Donald Trump ampliar sua base central de apoio precisamente porque ainda existe no eleitorado americano um apego a s normas democra¡ticas, e podemos construir sobre isso.

A entrevista foi ligeiramente editada para maior clareza e extensão.

 

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