Mundo

Microorganismos na Ascensão do Rio Grande são uma base para a vida e uma possí­vel origem dos metais
O estudo fez parte de um Projeto Tema¡tico apoiado pela FAPESP. O artigo éum dos resultados do doutorado. pesquisa de Natascha Menezes Bergo, atualmente estagia¡ria de pa³s-doutorado no IO-USP.
Por André Julião - 16/04/2021


Braa§o manipulador no vea­culo ha­brido HyBIS operado remotamente coletando amostras de crosta do Rio Grande Rise. Crédito: Bramley Murton

A abundante diversidade biológica e mineral da Elevação do Rio Grande, um monte submarino nas profundezas do Oceano Atla¢ntico a cerca de 1.500 km da costa do Brasil, deve-se provavelmente, em grande parte, a criaturas microsca³picas pouco conhecidas.

Pesquisadores afiliados ao Instituto Oceanogra¡fico da Universidade de Sa£o Paulo (IO-USP), em colaboração com colegas do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido, investigaram os microrganismos que habitam as crostas de ferromanganaªs do monte submarino e conclua­ram que bactanãrias e arqueias são provavelmente responsa¡veis ​​pela manutenção da abundante vida local, além de estar envolvido no processo de biomineralização que forma os metais presentes nas crostas.

Artigo publicado na revista Microbial Ecology descreve o estudo, que foi financiado pela FAPESP e pelo Natural Environment Research Council (NERC) do Reino Unido.

Em 2014, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) concedeu ao Brasil uma concessão de 15 anos de direitos de exploração mineral para a Ascensão do Rio Grande. Composta por 167 estados membros mais a Unia£o Europeia, a ISA estãomandatada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para organizar, regular e controlar todas as atividades relacionadas aos minerais na área internacional do fundo do mar, o que corresponde a cerca de 50% do total área dos oceanos do mundo.

“Muito pouco se sabe sobre a biodiversidade da área ou sobre o impacto da mineração em seus ecossistemas”, disse Vivian Pellizari, professora do IO-USP e pesquisadora principal do estudo.

O estudo fez parte de um Projeto Tema¡tico apoiado pela FAPESP. O artigo éum dos resultados do doutorado. pesquisa de Natascha Menezes Bergo, atualmente estagia¡ria de pa³s-doutorado no IO-USP.

“Embora o processo conhecido como biomineralização microbiana seja bem conhecido, a oxidação e a precipitação do manganaªs não foram comprovadas, e não ta­nhamos ideia de como isso ocorria nas áreas oceanicas. Em julho de 2020, no entanto, um artigo de pesquisadores norte-americanos foi publicado em Nature mostrando pela primeira vez que as bactanãrias usam manganaªs para converter dia³xido de carbono em biomassa por meio de um processo chamado quimiossa­ntese ", disse Bergo, que participou da coleta de amostras em 2018 no navio de pesquisa RRS Discovery do Reino Unido .

“Uma dessas bactanãrias, que pertence ao grupo Nitrospirae, estava presente nas sequaªncias de DNA que extraa­mos de amostras da crosta coletadas na Elevação do Rio Grande. Isso éuma forte evidência de que os metais ali são formados não apenas por um processo geola³gico, mas também por um processo biola³gico no qual os microrganismos desempenham um papel importante ", observou ela.
 
Além de ferro e manganaªs, as crostas são ricas em cobalto, na­quel, molibdaªnio, nia³bio, platina, tita¢nio e telaºrio, entre outros elementos. O cobalto éessencial para a produção de baterias recarrega¡veis, por exemplo, e o telaºrio éum insumo fundamental para a produção de células solares de alta eficiência. No final de 2018, o Brasil solicitou ao ISA uma extensão de sua plataforma continental para incluir a Ascensão do Rio Grande.

Em outras partes do mundo, áreas semelhantes que vão sendo estudadas hámais tempo com os mesmos objetivos incluem a Zona Clarion-Clipperton e o Monte Submarino Takuyo-Daigo, ambos no Paca­fico Norte, bem como o Monte Marinho Tra³pico no Atla¢ntico Norte.

Formação

A elevação do Rio Grande tem uma área de cerca de 150.000 km 2 , três vezes o tamanho do Rio de Janeiro, e profundidades que variam de 800 ma 3.000 m. Formada quando a áfrica e a Amanãrica do Sul atuais se separaram do supercontinente Gondwana entre 146 milhões de anos atrás (mya) e 100 mya, a Rise foi uma ilha que afundou cerca de 40 mya, provavelmente devido ao peso de um Vulcãoe sua lava e a movimento das placas tecta´nicas.

Em uma de suas expedições de 2018, os pesquisadores coletaram de uma parte do Rise amostras das crostas de ferromanganaªs e dos esqueletos de coral que nelas vivem, bem como de rochas calcarena­ticas e biofilmes nasuperfÍcie das crostas. Esses biofilmes são comunidades microbianas estruturadas envoltas em substâncias que secretam para se proteger de ameaa§as como a falta de nutrientes ou toxinas potenciais.

"Encontrar biofilme foi uma surpresa interessante, pois éum indicador de um processo de biomineralização incipiente", disse Bergo. "Encontramos os mesmos microorganismos em nossas amostras de biofilme, coral, calcarenita e crosta . A única diferença era a idade dassuperfÍcies. O coral émais recente que as crostas, e o biofilme éainda mais jovem."

Um total de 666.782 sequaªncias de DNA foram recuperadas das amostras. As bactanãrias e arqueias encontradas pelos cientistas pertencem a grupos conhecidos por estarem envolvidos no ciclo do nitrogaªnio, pelo qual a ama´nia éconvertida em nitrito e nitrato e, portanto, serve como fonte de energia para outros microorganismos. Além de Nitrospirae, eles encontraram outros procariotos, como a classe dos arqueaµes Nitrososphaeria. O sequenciamento das amostras também revelou grupos envolvidos no ciclo do metano, como Methylomirabilales e Deltaproteobacteria.

Os resultados ampliam a compreensão dos cientistas sobre a diversidade microbiana e os processos ecola³gicos potenciais encontrados nas crostas de ferromanganaªs do fundo do mar do Atla¢ntico Sul. Eles também contribuira£o para a regulamentação futura de possa­veis atividades de mineração na área da Elevação do Rio Grande.

"Amedida que as crostas são removidas, a circulação local provavelmente mudara¡ e isso, por sua vez, mudara¡ o suprimento dispona­vel de matéria orga¢nica e nutrientes e, portanto, o microbioma local e toda a vida associada a ele", disse Bergo. “Além disso, as crostas crescem em média 1 mm a cada 1 milha£o de anos, então não havera¡ tempo para recolonização. Nãoépor acaso que tantos estudos foram publicados recentemente sobre como avaliar e mitigar o impacto da mineração em alto mar. "

 

.
.

Leia mais a seguir