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Estudo mostra impactos do desmatamento e queimadas na biodiversidade da Amaza´nia
Com incaªndios afetando 1.640 a 4.000 milhas quadradas de floresta, 2019 se destaca como um dos anos mais extremos para impactos na biodiversidade desde 2009, quando as regulamentaa§aµes que limitam o desmatamento foram aplicadas.
Por Daniel Stolte - 01/09/2021


Anel de fogo: a fumaa§a sobe pelo sub-bosque de uma floresta na regia£o amaza´nica. As plantas e os animais da floresta tropical evolua­ram em grande parte sem o fogo, por isso carecem das adaptações necessa¡rias para lidar com ele. Crédito: Paulo Brando

Um novo estudo, em coautoria com pesquisadores da Universidade do Arizona e publicado na edição de 1º de setembro da Nature , fornece a primeira avaliação quantitativa de como as políticas ambientais de desmatamento, junto com incaªndios florestais e secas, impactaram a diversidade de plantas e animais na Amaza´nia.

Os pesquisadores usaram registros de mais de 14.500 espanãcies de plantas e vertebrados para criar mapas de biodiversidade da regia£o amaza´nica. Sobrepor os mapas com observações hista³ricas e atuais de incaªndios florestais e desmatamento nas últimas duas décadas permitiu que a equipe quantificasse os impactos cumulativos sobre as espanãcies da regia£o .

Eles descobriram que, desde 2001, entre 40.000 e 73.400 milhas quadradas da floresta amaza´nica foram impactados por incaªndios, afetando 95% de todas as espanãcies amaza´nicas e até85% das espanãcies que estãolistadas como ameaa§adas nesta regia£o. Enquanto as políticas de manejo florestal promulgadas no Brasil em meados dos anos 2000 reduziram a taxa de destruição do habitat, a aplicação relaxada dessas políticas, coincidindo com uma mudança no governo em 2019, aparentemente começou a reverter essa tendaªncia, escrevem os autores. Com incaªndios afetando 1.640 a 4.000 milhas quadradas de floresta, 2019 se destaca como um dos anos mais extremos para impactos na biodiversidade desde 2009, quando as regulamentações que limitam o desmatamento foram aplicadas.

"Mostramos como a pola­tica teve uma influaªncia direta e enorme no ritmo em que a biodiversidade em toda a Amaza´nia foi afetada", disse o autor saªnior do estudo Brian Enquist, professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva do UArizona. Ele acrescentou que as descobertas são especialmente cra­ticas a  luz do fato de que em nenhum momento a Amaza´nia conseguiu uma pausa desses impactos crescentes, o que teria permitido alguma recuperação.

“Mesmo com políticas em vigor, que vocêpode pensar como um freio que diminui a taxa de desmatamento, écomo um carro que segue em frente, apenas em uma velocidade mais lenta”, disse Enquist. "Mas em 2019, écomo se o pétivesse soltado o freio, fazendo com que ele acelerasse novamente." 

"Avaliações com base em sensoriamento remoto de áreas queimadas e desmatadas foram feitas antes, mas não temos um registro detalhado do impacto que elas tem sobre a diversidade de espanãcies da regia£o", disse Xiao Feng, o primeiro autor do estudo que conduziu a maioria do trabalho enquanto era pesquisador de pa³s-doutorado no UArizona e agora éprofessor assistente na Florida State University. “Esta tem sido uma enorme coleção de dados e um esfora§o informa¡tico sem precedentes associado aos dados de biodiversidade, e que nos permitiu tornar essas interconexões visa­veis”.

Ciclo vicioso: as a¡rvores caa­das permanecem fumegantes após sucumbirem a um
incaªndio florestal. Uma vez que o fogo comea§a a invadir áreas na Amaza´nia que
não foram queimadas, isso as torna mais suscetíveis a queimadas
no futuro. Crédito: Paulo Brando

Conhecida principalmente por suas densas florestas tropicais, a bacia amaza´nica mantanãm cerca de 40% das florestas tropicais remanescentes do mundo. a‰ de importa¢ncia global como provedor de servia§os ecossistemicos, como remoção e armazenamento de carbono da atmosfera, e desempenha um papel vital na regulação do clima da Terra. A área também éum enorme reservata³rio da biodiversidade do planeta, fornecendo habitats para uma em cada 10 das espanãcies conhecidas do planeta. Estima-se que, na Amaza´nia, 1.000 espanãcies de a¡rvores podem povoar uma área menor que meia milha quadrada.
 
"Isso éimportante a  luz do fato de que a biodiversidade anda de ma£os dadas com o funcionamento do ecossistema", disse Enquist, acrescentando que as espanãcies com as menores extensaµes tendem a sofrer mais. "As espanãcies podem se tornar virtualmente extintas mesmo antes de perderem toda a sua extensão de habitat."

"O fogo não faz parte do ciclo natural da floresta tropical", disse o coautor do estudo Crystal NH McMichael, da Universidade de Amsterda£. "As espanãcies nativas não tem as adaptações que lhes permitiriam lidar com isso, ao contra¡rio das comunidades florestais em áreas temperadas. Queimas repetidas podem causarmudanças massivas na composição das espanãcies e prova¡veis ​​consequaªncias devastadoras para todo o ecossistema."

Desde 1960, a Amaza´nia perdeu cerca de 20% de sua cobertura florestal devido ao desmatamento e incaªndios. Embora os incaªndios e o desmatamento muitas vezes andem de ma£os dadas, nem sempre foi esse o caso, disse Enquist. Como asmudanças climáticas trazem condições de seca mais frequentes e severas para a regia£o, e o fogo éfrequentemente usado para limpar grandes áreas de floresta tropical para a indústria agra­cola, o desmatamento tem efeitos de transbordamento, aumentando as chances de incaªndios florestais. Prevaª-se que a perda de floresta chegue a 21 a 40% em 2050, e essa perda de habitat tera¡ grandes impactos sobre a biodiversidade da regia£o, de acordo com os autores.

“O que édesagrada¡vel sobre o fogo naquela regia£o éque, uma vez que comea§a a invadir áreas que não foram queimadas, degrada-as irremediavelmente e as torna mais suscetíveis a queimadas no futuro”, disse ele.

"Uma vez que a maioria dos incaªndios na Amaza´nia são causados ​​intencionalmente por pessoas, evita¡-los estãoem grande parte sob nosso controle", disse o coautor do estudo, Patrick Roehrdanz, gerente saªnior de mudança climática e biodiversidade da Conservation International. “Uma forma érenovar o compromisso com políticas antideflorestamento fortes no Brasil, combinadas com incentivos para uma economia florestal, e replica¡-los em outrospaíses amaza´nicos”.

As políticas para proteger a biodiversidade amaza´nica devem incluir o reconhecimento formal das terras inda­genas, que abrangem mais de um tera§o da regia£o amaza´nica, escrevem os autores, apontando para pesquisas anteriores que mostram que as terras possua­das, usadas ou ocupadas por povos inda­genas tem menos decla­nio de espanãcies, menos poluição e recursos naturais mais bem administrados.

Os autores dizem que seu estudo ressalta os perigos de continuar a aplicação de políticas frouxa. Amedida que os incaªndios invadem o coração da bacia amaza´nica, onde a biodiversidade émaior, seus impactos tera£o efeitos mais terra­veis, mesmo que a taxa de queimadas permanea§a inalterada.

“Temos que lembrar que levou décadas para reduzir o desmatamento na Amaza´nia, mas pode levar apenas alguns anos para destruir os pilares da pola­tica de conservação da conservação”, disse o coautor Paulo Brando, professor assistente do Departamento de Ciência do Sistema Terrestre do Universidade da Califórnia em Irvine. “A recente reversão nas tendaªncias de desmatamento e incaªndios, e seus impactos na biodiversidade da Amaza´nia , deve ser uma grande causa de preocupação”.

 

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