Opinião

Assanãdio e violência online: moderação de conteaºdo pode ser enfrentamento eficaz
Os estudos feministas entendem o assanãdio online como sendo uma expressão de padraµes culturais mais amplos que colocam a mulher em uma posia§a£o inferior na sociedade.
Por Yasmin Curzi - 26/04/2020

Doma­nio paºblico

A despeito de avanços legislativos em torno do tema, alterações promovidas pelas plataformas de redes sociais tem sido também uma frente para o combate a tais condutas. Entretanto, ainda não étão claro como discursos ofensivos online podem ser interpretados por ma¡quinas — o que dificulta a implementação de soluções automatizadas

Na última década, as redes sociais passaram a ganhar maior importa¢ncia, tornando-se uma nova arena para a ação comunicativa. Redimensionaram as possibilidades de participação de grupos diversos e ampliaram as possibilidades de interações, em que há potencialidade de que qualquer pessoa comum se torne, de fato, um emissor de conteaºdo de ampla recepção, algumas questões relativas ao engajamento equitativo e democra¡tico permanecem prementes, como (1) o acesso material de pessoas a esses servia§os , (2) a educação digital e a possibilidade de, de fato, se tornar um ator relevante na circulação de conteaºdo, e (3) outros obsta¡culos materiais como casos de violência online. Este artigo foca neste terceiro eixo. Apresento aqui um breve panorama sobre as implicações de violências discursivas na participação em debates online, especificamente, em relação a quelas que tem gaªnero como base e são denominadas como “assanãdio online” osconceito que serve para abranger uma gama de comportamentos que produzem “contatos indesejáveis, e que são utilizados para criar um ambiente intimidador, incômodo, amedrontador, ou atémesmo hostil para as vitimas, com usos de meios digitais para alcana§ar a va­tima.” (Lenhart et al., 2016, tradução livre).

Nessa esteira, os estudos feministas entendem o assanãdio online como sendo uma expressão de padraµes culturais mais amplos que colocam a mulher em uma posição inferior na sociedade. Seriam formas de se reforçar papeis sexuais existentes no mundo offline nesta nova arena. Em relação ao assanãdio online, háinda outras caracteri­sticas tipicas do ambiente virtual que podem o tornar mais grave do que o assanãdio offline, tais como (1) anonimato; (2) difusão; (3) permanaªncia.

Idealmente, sistemas democra¡ticos deveriam contemplar que grupos diversos tenham a mesma possibilidade de participação e construção do debate paºblico (DAHL, 1994), já que entres seus pressupostos basilares estãoa igualdade entre sujeitos e o livre embate de ideias. Se a esfera virtual tem se tornado o principal ambiente para a interlocução comunicativa entre pessoas, mecanismos que evitem a sobreposição de grupos em relação a outros e que estimulem a participação de minorias, são extremamente desejáveis.

A literatura recente que discute assanãdio e discurso de a³dio traz uma distinção bastante demarcada do assanãdio direcionado a uma pessoa por ser parte de um grupo especa­fico e de ofensas direcionadas a uma pessoa devido a seus posicionamentos. Em geral, as consequaªncias do primeiro são maiores e mais profundas. Grupos que já sofrem com violências discursivas e com desigualdades de tratamento na vida social, potencialmente estãomais vulnera¡veis em situações de constrangimento osinclusive devido a  falta de amparo de instituições públicas para reparações e indenizações.

Para investigar o fena´meno com maior profundidade, dois pesquisadores da Universidade de Oslo conduziram dois surveys (NADIN e FLADMOE, 2017; 2019). Buscaram responder se: (1) mulheres experienciam mais assanãdio online do que homens ose quais as diferenças das ofensas de um grupo para o outro; e, (2) em qual extensão hápadraµes de gaªnero em relação a como o assanãdio atua como um mecanismo de silenciamento? Este estudo indicou que mais homens sofrem comenta¡rios ofensivos do que mulheres, mas, no entanto, estes dizem respeito a seus posicionamentos e opiniaµes, e não sobre suas identidades. Outro resultado desta pesquisa foi que mulheres tem maior tendaªncia a deixar de publicar conteaºdos, após terem sofrido com ataques do que os homens oso que se conceitua como “chilling effect”. Neste sentido, conclua­ram que o assanãdio tem alta potencialidade de silenciamento de mulheres nas redes.

O assanãdio online, como mostra o estudo de Jhaver, Ghoshal, Bruckman e Gilbert (2018), a partir da análise de listas de bloqueio do Twitter e entrevistas com usuários (bloqueadores e bloequeados), pode ocorrer de maºltiplas formas:


A despeito de avanços legislativos em torno do tema, com medidas contra a pornografia de vingana§a e divulgação de imagens a­ntimas por exemplo, alterações promovidas pelas plataformas de redes sociais tem sido também uma frente para o combate a tais condutas. Entretanto, ainda não étão claro como discursos ofensivos online podem ser interpretados por ma¡quinas — o que dificulta a implementação de soluções automatizadas. Observando o Twitter, por exemplo, épossí­vel ver que uma parte significativa da linguagem misãogina possa ser classificada como “misoginia casual”. Isto anã, termos como “estupro”, “vadia”, e “prostituta” podem ser usados de forma metafa³rica, sem de fato serem ameaa§adores ou abusivos. Formas mais sutis e menos agressivas de ofensas podem ser expressadas para mulheres, e ainda assim comunicarem que mulheres são incapazes, objetifica¡veis e cidada£s de segunda-classe.

No entanto, algumas medidas para a redução da incidaªncia do assanãdio online podem ser pensadas, tais como:

A edição de leis especa­ficas anti-assanãdio online — que, mesmo sem intuito coercitivo, podem ter como efeito a denaºncia e visibilidade do problema;
Moderação online: nem sempre a resposta regulata³ria éo melhor e aºnico caminho. Ha¡ possibilidade de aplicação de técnicas diversas de moderação, que não seja apenas a remoção de conteaºdo ofensivo ­ossendo esta passa­vel de ser realizada por algoritmos ou por humanos.
Criação de chatbots: no Twitter, por exemplo, alguns bots são programados para chamar a atenção para discursos ofensivos;
Mensagens de alerta: o Tinder, por exemplo, exibe mensagens de alerta para que os usuários tenham ciência de que estãousando linguagem que pode ser considerada ofensiva;
Educação e fomento a contra-discursos: com campanhas anti-assanãdio, por exemplo;
Contra-balanceamento com mensagens positivas e expressaµes de apoio da comunidade online.


*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Yasmin Curzi
Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio). Advogada e doutoranda no IESP/UERJ 

 

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