Opinião

O que significa 'sobrevivaªncia do mais apto' na pandemia de coronava­rus? Olhe para o sistema imunológico
Organismos com genes mais adequados ao meio ambiente são selecionados para sobrevivaªncia e os passam para a próxima geraça£o.
Por Prakash Nagarkatti e Mitzi Nagarkatti - 29/04/2020


O que Darwin consideraria a melhor adaptação para proteger contra o coronava­rus? rolbos

Charles Darwin popularizou o conceito de sobrevivaªncia do mais apto como um mecanismo subjacente a  seleção natural que impulsiona a evolução da vida. Organismos com genes mais adequados ao meio ambiente são selecionados para sobrevivaªncia e os passam para a próxima geração.

Assim, quando uma nova infecção que o mundo nunca viu antes irrompe, o processo de seleção natural comea§a de novo.

No contexto da pandemia de coronava­rus, quem éo "mais apto"?

Esta éuma pergunta desafiadora. Mas, como  pesquisadores de imunologia da Universidade da Carolina do Sul, podemos dizer que uma coisa éclara: sem opções de tratamento eficazes, a sobrevivaªncia contra a infecção por coronava­rus depende completamente da resposta imune do paciente.

Temos trabalhado em como a resposta imune éuma faca de dois gumes - por um lado, ajudando o hospedeiro a combater infecções, enquanto, por outro, causando danos significativos na forma de doenças autoimunes.

Darwin reconheceu que tentilhaµes com bicos adaptados a s fontes alimentares especa­ficas presentes em uma ilha tinham maior probabilidade de sobreviver e transmitir seus genes para a próxima geração. Aves com bicos certos foram definidas como as mais aptas. Photos.com

As duas fases da resposta imune

A resposta imune écomo um carro. Para chegar a um destino com segurança, vocêprecisa de um acelerador (fase 1) e um freio (fase 2) que estejam funcionando bem. Falha em qualquer um pode ter consequaªncias significativas.

Uma resposta imune eficaz contra um agente infeccioso repousa no delicado equila­brio de duas fases de ação. Quando um agente infeccioso ataca, o corpo inicia a fase 1, que promove a inflamação - um estado no qual uma variedade de células imunola³gicas se reaºne no local da infecção para destruir o pata³geno.

Isto éseguido pela fase 2, durante a qual as células imunes chamadas células T reguladoras suprimem a inflamação para que os tecidos infectados possam se recuperar completamente. Uma deficiência na primeira fase pode permitir o crescimento descontrolado do agente infeccioso, como va­rus ou bactanãrias. Um defeito na segunda fase pode desencadear inflamação macia§a, danos aos tecidos e morte.

O coronava­rus infecta as células ao se ligar a um receptor chamado enzima conversora de angiotensina 2 ( ACE2 ), presente em muitos tecidos do corpo, incluindo o trato respirata³rio e o sistema cardiovascular. Essa infecção desencadeia uma resposta imune de fase 1, na qual as células B produtoras de anticorpos bombeiam anticorpos neutralizantes que podem se ligar ao va­rus e impedir que ele se ligue ao ACE2. Isso inibe o va­rus de infectar mais células.

Durante a fase 1, as células imunola³gicas também produzem citocinas , um grupo de protea­nas que recrutam outras células imunola³gicas e combatem infecções. Tambanãm se juntam a  luta as células T assassinas que destroem as células infectadas pelo va­rus, impedindo a replicação do va­rus.

Se o sistema imunológico estiver comprometido e funcionar mal durante a fase 1, o va­rus podera¡ se replicar rapidamente. Pessoas com sistema imunológico comprometido incluem idosos, receptores de transplante de órgãos, pacientes com doenças auto-imunes, pacientes com câncer em quimioterapia e indivíduos que nascem com doenças de imunodeficiência. Muitos desses indivíduos podem não produzir anticorpos suficientes ou células T assassinas para combater o va­rus, o que permite que o va­rus se multiplique sem controle e cause uma infecção grave.

JUAN GAERTNER / BIBLIOTECA FOTOGRaFICA DA CIaŠNCIA
Modelo molecular de uma protea­na de pico de coronava­rus (S) (vermelha) ligada
a um receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) (azul) em uma
canãlula humana. Uma vez dentro da canãlula, o va­rus usa o mecanismo das
células para fazer mais ca³pias de si mesmo.

Lesão pulmonar resultante de inflamação

O aumento da replicação do SARS-CoV-2 desencadeia complicações adicionais nos pulmaµes e outros órgãos.

Normalmente, existe uma grande variedade de microorganismos prejudiciais e benignos que vivem em harmonia nos pulmaµes. No entanto, a  medida que o coronava­rus se espalha, éprova¡vel que a infecção e a inflamação que se segue atrapalhem esse equila­brio, permitindo que as bactanãrias nocivas presentes nos pulmaµes dominem. Isso leva ao desenvolvimento de pneumonia, na qual os sacos de ar dos pulmaµes, chamados alvanãolos, ficam cheios de la­quido ou pus, dificultando a respiração.

Quando os alvanãolos, o local onde o oxigaªnio éabsorvido e o dia³xido de carbono anã expelido, são preenchidos com la­quido, hámenos espaço para absorver
o oxigaªnio. ttsz / Getty Images

Isso desencadeia inflamação adicional nos pulmaµes, levando a  Sa­ndrome do Desconforto Respirata³rio Agudo (SDRA), que évista em um tera§o dos pacientes com COVID-19 . O sistema imunológico, incapaz de controlar a infecção viral e outros patógenos emergentes nos pulmaµes, monta uma resposta inflamata³ria ainda mais forte ao liberar mais citocinas, uma condição conhecida como "tempestade de citocinas".

Nesse esta¡gio, também éprova¡vel que a resposta imune da fase 2, destinada a suprimir a inflamação, falhe e não consiga controlar a tempestade de citocinas. Essas tempestades de citocinas podem desencadear fogo amiga¡vel - produtos químicos destrutivos e corrosivos destinados a destruir as células infectadas que são liberadas pelas células imunola³gicas do corpo, o que pode levar a graves danos aos pulmaµes e outros órgãos.

Além disso, como a ACE2 estãopresente em todo o corpo, as células T assassinas da fase 1 podem destruir as células infectadas por va­rus em vários órgãos, causando uma destruição mais generalizada. Assim, pacientes que produzem citocinas e células T excessivas podem morrer devido a lesões, não apenas nos pulmaµes, mas também em outros órgãos, como coração e rins.

O ato de equila­brio do sistema imunológico

O cena¡rio acima levanta várias questões sobre prevenção e tratamento do COVID-19. Como a maioria das pessoas se recupera da infecção por coronava­rus , éprova¡vel que uma vacina que desencadeie anticorpos neutralizadores e células T para impedir que o va­rus entre nas células e se replique. A chave para uma vacina eficaz éque ela não provoca inflamação excessiva.

Além disso, em pacientes que fazem a transição para uma forma mais grave, como SDRA e tempestade de citocinas, que geralmente életal, háuma necessidade urgente de novos medicamentos anti-inflamata³rios . Esses medicamentos podem suprimir amplamente a tempestade de citocinas sem causar supressão excessiva da resposta imune, permitindo assim que os pacientes eliminem o coronava­rus sem danificar o pulma£o e outros tecidos.

Pode haver apenas uma estreita janela de oportunidade durante a qual esses agentes imunossupressores podem ser efetivamente usados. Esses agentes não devem ser iniciados em um esta¡gio inicial da infecção quando o paciente precisa do sistema imunológico para combater a infecção, mas não pode demorar muito tempo após o desenvolvimento da SDRA, quando a inflamação macia§a éincontrola¡vel. Essa janela de tratamento anti-inflamata³rio pode ser determinada pela monitoração dos na­veis de anticorpos e citocinas nos pacientes.

Com o COVID-19, os "mais aptos" são indivíduos que apresentam uma resposta imune normal das fases 1 e 2. Isso significa uma forte resposta imune na fase 1 para eliminar a infecção prima¡ria por coronava­rus e inibir sua disseminação nos pulmaµes. Em seguida, isso deve ser seguido por uma resposta a³tima da fase 2 para evitar inflamação excessiva na forma de "tempestade de citocinas".

Vacinas e tratamentos anti-inflamata³rios precisam gerenciar cuidadosamente esse delicado ato de equila­brio para obter sucesso.

Com esse coronava­rus, não éfa¡cil saber quem são os indivíduos mais aptos. Nãosão necessariamente os indivíduos mais jovens, mais fortes ou mais atlanãticos que tem a garantia de sobreviver a esse coronava­rus. Os mais aptos são aqueles com a resposta imune “certa” que podem eliminar a infecção rapidamente sem aumentar a inflamação excessiva, o que pode ser fatal.


*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Prakash Nagarkatti
Vice-Presidente de Pesquisa e Professor Distinto da Carolina, Universidade da Carolina do Sul

Mitzi Nagarkatti
Cadeira do SmartState do Centro de Descoberta de Medicamentos para o Ca¢ncer, Carolina Professora e Presidente Distinto, Departamento de Patologia, Microbiologia e Imunologia, Universidade da Carolina do Sul

 

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