Opinião

A letalidade do COVID-19 para homens émaior que para mulheres
A letalidade do COVID-19 para homens estãorevelando por que os pesquisadores deveriam ter estudado as diferenças sexuais do sistema imunológico anos atrás
Por Adam Moeser - 09/06/2020


Os relatórios mostram que a taxa de mortalidade entre homens com COVID-19 émaior
que as mulheres. Marco Mantovani / Getty Images

Quando se trata de sobreviver a casos cra­ticos de COVID-19, parece que os homens usam o canudo curto.

Os relatórios iniciais da China revelaram evidaªncias precoces de aumento da mortalidade masculina associada ao COVID. De acordo com a iniciativa de pesquisa Global Health 50/50 , quase todos ospaíses estãorelatando taxas de mortalidade relacionadas ao COVID-19 significativamente mais altas em homens do que em mulheres a partir de 4 de junho. No entanto, dados atuais sugerem taxas de infecção semelhantes para homens e mulheres. Em outras palavras, enquanto homens e mulheres estãosendo infectados com COVID-19 em taxas semelhantes, uma proporção significativamente maior de homens sucumbe a  doença do que as mulheres, em grupos de idade semelhante. Por que então mais homens estãomorrendo de COVID-19? Ou melhor, devera­amos estar perguntando por que mais mulheres sobrevivem?

Sou imunologista e exploro como o estresse e o sexo biola³gico podem afetar a vulnerabilidade de uma pessoa a doenças imunomediadas . Estudo uma canãlula imune especa­fica chamada masta³cito. Os masta³citos desempenham um papel fundamental em nosso sistema imunológico, pois atuam como primeiros respondedores aos patógenos e orquestram as respostas imunola³gicas que ajudam a eliminar os patógenos invasores.

Nossa pesquisa mostra que os masta³citos das faªmeas são capazes de iniciar uma resposta imune mais ativa , o que pode ajudar as faªmeas a combater doenças infecciosas melhor do que os homens. Mas o trade-off pode ser que as mulheres correm maior risco de doenças alanãrgicas e inflamata³rias . Evidaªncias recentes indicam que os masta³citos são ativados pelo SARS-CoV-2, que causa o COVID-19.

Algumas pistas sobre por que as mulheres tem taxas de sobrevivaªncia mais altas podem ser encontradas em nossa compreensão atual das diferenças no sistema imunológico de homens e mulheres .

As diferenças sexuais no sistema imunológico poderiam desempenhar um papel?

Em geral, as mulheres tem uma resposta imune mais robusta que os homens, o que pode ajudar as mulheres a combater infecções melhor do que os homens. Isso pode ser resultado de fatores genanãticos ou horma´nios sexuais, como estrogaªnio e testosterona.

As faªmeas biológicas tem duas ca³pias do cromossomo X, que contanãm mais genes imunes. Embora os genes em um cromossomo X sejam inativos, alguns genes imunes podem escapar dessa inativação, levando ao dobro do número de genes relacionados ao sistema imunológico e, assim, duplicando a quantidade de certas protea­nas imunola³gicas em comparação com homens biola³gicos que possuem apenas um cromossomo X.

Horma´nios sexuais como estrogaªnio e testosterona também podem afetar a resposta imune. Em um estudo, os pesquisadores mostraram que a ativação do receptor de estrogaªnio em camundongos faªmeas lhes proporcionava proteção contra SARS-CoV. E háum ensaio cla­nico aprovado que examinara¡ os efeitos dos adesivos de estrogaªnio na gravidade dos sintomas do COVID-19 .

a‰ interessante, no entanto, que os dados atuais que mostram que as mulheres tem melhores taxas de sobrevivaªncia do que os homens se apliquem a homens e mulheres na faixa eta¡ria de mais de 80 anos, quando os na­veis hormonais em ambos os sexos se igualam. Isso sugere que outros fatores além dos na­veis de horma´nios sexuais adultos estãocontribuindo para as diferenças sexuais na mortalidade por COVID-19.

Os andra³genos, um grupo de horma´nios - incluindo testosterona - que são mais conhecidos por estimular o desenvolvimento das caracteri­sticas masculinas e podem causar queda de cabelo, também receberam atenção recente como fator de risco para COVID-19 em homens. Em um estudo realizado na Ita¡lia, o diagnóstico de câncer de pra³stata aumentou o risco de COVID-19. No entanto, pacientes com câncer de pra³stata que estavam recebendo terapia de privação de andra³genos (ADT), um tratamento que suprime a produção de andra³genos que alimentam o crescimento de células de câncer de pra³stata, tiveram um risco significativamente menor de infecção por SARS-CoV-2 . Isso sugere que o bloqueio de andra³genos nos homens era protetor contra a infecção por SARS-CoV-2.

Nãose sabe como o ADT trabalha para reduzir as taxas de infecção em homens e se isso foi demonstrado em outrospaíses ainda não foi determinado. A testosterona, que éum horma´nio androgaªnico, tem efeitos imunossupressores, portanto, uma explicação pode ser que o ADT possa impulsionar o sistema imunológico para combater a infecção por SARS-CoV-2.

Tambanãm háevidaªncias de que homens e mulheres tem quantidades diferentes de certos receptores que reconhecem patógenos ou que servem como ponto de invasão para va­rus como o SARS-CoV-2. Um exemplo éa quantidade de receptores da enzima de conversão da angiotensina 2 (ACE2), aos quais o SARS-CoV-2 se liga para infectar as células. Embora atualmente não exista evidência conclusiva de um papel dos receptores ACE2 afetando as diferenças sexuais e a gravidade da doença de COVID-19, ele continua sendo um fator potencial de contribuição.

Gaªnero, sexo e risco COVID-19

Va¡rios fatores podem interagir com o sexo biola³gico para aumentar ou diminuir a suscetibilidade de alguém ao COVID-19. Outro fator importante éo gaªnero, que se refere a comportamentos sociais ou normas culturais que a sociedade julga apropriadas. Os homens podem estar em maior risco de doença grave , porque, em geral, tendem a fumar e beber mais, lavam as ma£os com menos frequência e, muitas vezes, demoram a procurar atendimento médico. Todos esses comportamentos específicos de gaªnero podem colocar os homens em maior risco. Embora ainda não existam dados atuais sobre como o gaªnero desempenha um papel no COVID-19, seráum fator criticamente importante a ser considerado para entender as diferenças entre os sexos na mortalidade.

Idade,nívelde estresse psicola³gico, condições coexistentes como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares também podem interagir com o sexo biola³gico para aumentar a doena§a.

Enquanto o COVID-19 destaca a importa¢ncia do sexo biola³gico no risco de doena§as, os vieses sexuais nas doenças em geral não são um conceito novo. O COVID-19 éapenas mais um exemplo de uma doença que seráadicionada a  lista crescente de doenças para as quais homens ou mulheres correm maior risco.

Uma história de pesquisa tendenciosa para homens

Vocaª pode estar se perguntando que, se o sexo biola³gico étão importante, por que não sabemos o que estãocausando disparidades na prevalaªncia de doenças entre os sexos e por que não existem terapias especa­ficas para o sexo?

Um dos principais motivos éque, quando se trata de ser inclua­do em pesquisas cienta­ficas, são principalmente os homens que foram estudados.

Essa disparidade entre as diferenças biológicas entre os sexos nas pesquisas são foi sanada recentemente. Somente nos últimos cinco anos, os Institutos Nacionais de Saúde exigiram que dados de diferenças sexuais fossem coletados para todas as bolsas de pesquisa pré-cla­nica recentemente financiadas.

Embora possa haver várias razões para a escolha de um sexo em relação ao outro na pesquisa, a enorme disparidade que existe agora éprovavelmente uma das principais razões pelas quais ainda sabemos relativamente pouco sobre diferenças sexuais na imunidade, incluindo a atual pandemia do COVID-19.

Isso claramente impediu o avanço da saúde das mulheres, mas também tem consequaªncias negativas para a saúde dos homens. Por exemplo, dadas as diferenças biológicas entre os sexos, émuito possí­vel que medicamentos e terapias tenham efeitos diferentes nas mulheres e nos homens.

O sexo biola³gico éclaramente um fator importante na determinação dos resultados da doença no COVID-19. Precisamente como o seu sexo biola³gico o torna mais ou menos resiliente a doenças como COVID-19 ainda precisa ser elucidado. Futuras pesquisas ba¡sicas com animais e ensaios clínicos em pessoas precisam considerar o sexo biola³gico e as interações com o gaªnero como uma varia¡vel importante.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Adam Moeser
Matilda R. Wilson Presidente, Professora Associada de Ciências Cla­nicas em Animais de Grande Porte, Universidade Estadual de Michigan



 

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