Opinião

Pola­ticas públicas, camuflagens e interesses ocultos
Pola­ticas públicas, camuflagens e interesses ocultos: uma abordagem ecossistemica para os problemas do nosso tempo
Por André Francisco Pilon - 23/07/2020



A história mostra que o “progresso tecnola³gico” não resolve todos os problemas, antes cria novos. A pesquisa cienta­fica écompartimentada, os diferentes setores não se falam; física, química, economia permanecem a  parte das ciências sociais, humanas e da saúde, o que é“tecnola³gico” passa a ter valor e aplicação universal. Esfora§os cienta­ficos são cooptados com fins lucrativos e assim legitimados por políticas governamentais. Lobbies especializados na captura de recursos paºblicos para grandes interesses corporativos, envolvendo tecnologias e grandes investimentos financeiros, dominam o mercado.

As tecnologias aliadas contribuem para (e, ao mesmo tempo, desvinculam-se de) os riscos decorrentes da exploração intensiva da terra pela mineração, extração da madeira, agricultura química industrial, esta abastecida por monopa³lios (sementes, culturas geneticamente modificadas, fertilizantes, ​​pesticidas).

A biomassa global estãoem queda livre, os riscos envolvem não apenas inda­genas e grupos vulnera¡veis ​​separados do processos decisãorios, mas toda a humanidade. A recuperação da Terra e a recuperação de pessoas são mutuamente dependentes e devem ser simulta¢neas, no espaço e no tempo.

As inovações, na forma de produtos, dispositivos ou manãtodos, devem estar vinculadas a todos os Objetivos de “Desenvolvimento Sustenta¡vel”, não simplesmente aos processos de mercado existentes, facilmente manipulados por interesses pola­ticos e econa´micos em escala global.

Pressaµes esmagadoras sobre o meio ambiente global estãoligadas a  ascensão e queda de produtos, na maioria das vezes desvinculados de aspectos técnicos (menor consumo de energia, por exemplo), mas devido a  obsolescaªncia programada, rápida e artificialmente manipulada.

Uma “civilização ecola³gica” inclui segurança, saúde, educação, equidade, anãtica, justia§a e beleza. O planejamento urbano, envolvendo aparelhagem tecnologiica, eletromagnanãtica, medidores inteligentes, não resolve a falta de políticas públicas, de saneamento ba¡sico, de transporte e moradia adequados.

A hegemonia das soluções tecnologiicas e tecnocra¡ticas para todos os problemas individuais e coletivos (segurança, educação, saúde, meio ambiente) éuma fala¡cia ecola³gica, econa´mica, pola­tica, cultural e educacional e obscurece o que estãopor trás dos muitos problemas de difa­cil solução no mundo.

Nãoéa ausaªncia de tecnologias para o ensino (a distância ou presencial), mas a falta de políticas e programas para desenvolver consciência cra­tica e participação ca­vica, o que implica novos paradigmas, conceitos e maneiras de estar no mundo, além das habilidades para trabalhar e agir no “sistema.

Problemas de saúde pública, epidemias fatais, altos na­veis de criminalidade e violência estãoligados a condições econa´micas, culturais, políticas e ambientais assimanãtricas, resultando em habitações preca¡rias, Espaços paºblicos inadequados, conflitos de todos os tipos, com graves impactos sociais.

Panaceias ma¡gicas, a “internet das coisas”, o marketing digital, a informa¡tica, a telemedicina não resolverão, de uma vez por todas, os problemas relacionados a  pobreza sistemica, a  assistaªncia a  saúde, a  desnutrição, a  moradia preca¡ria, a  criminalidade, a  ausaªncia de políticas para trabalhadores e comunidades.

Os dispositivos de vigila¢ncia, medição ou comunicação não atingem a raiz dos problemas, muitas vezes obscurecendo e desviando a atenção do paºblico para problemas reais, desviando responsabilidades e dissipando recursos que poderiam ser mais bem aplicados.

Mais de 180 cientistas de 35países recomendaram recentemente uma morata³ria na implantação da quinta geração (5G) para telecomunicações. Va¡rios estudos cienta­ficos sobre poluição eletromagnanãtica e dispositivos sem fio já enfatizaram os graves riscos a  saúde física e mental de diferentes populações.

A Organização Mundial da Saúde (IARC) classificou os campos eletromagnanãticos de alta frequência como possivelmente cancera­genos (de acordo com a professora Adilza C. Dode, do Centro Universita¡rio Metodista Izabela Hendrix, a radiação eletromagnanãtica écem vezes maior no Brasil do que na Sua­a§a).

A negligaªncia do princa­pio da precaução, quando as atividades humanas podem levar a danos inaceita¡veis, levou aos piores desastres, epidemias, fome e morte, a eventos catastra³ficos ou irreversa­veis, como a perda da necessa¡ria biodiversidade para sustentar a vida na Terra.

O tão esperado “retorno ao normal”, após a atual pandemia, não pode repetir as tendaªncias atuais, exigindomudanças fundamentais nos paradigmas de desenvolvimento, crescimento, poder e riqueza incorporados nas instituições políticas, tecnologiicas, econa´micas e educacionais.

Os problemas e os contextos em que ocorrem devem ser reinterpretados e reestruturados e abordados atravanãs de uma nova lente; políticas públicas, advocacia, comunicação, pesquisa e ensino devem estar concentrados no “fena´meno geral”, do qual emergem problemas específicos.

Em vez de tentar reparar situações “ruins” para torna¡-las “boas”, e considerar as perspectivas atuais como fixas e projeta¡-las para o futuro (previsão explorata³ria), deve-se definir previamente as metas desejáveis ​​e explorar novos caminhos para alcana§a¡-las (previsão normativa).

O modelo etiola³gico procura responder a  causa do sofrimento; em contraste, o modelo teleola³gico estãofocado no que poderia ser feito em vista de perspectivas diferentes. Isso requer capacidade institucional, neutralidade judicial, transparaªncia informacional e Espaços para participação ca­vica.

Nichos de aprendizagem sociocultural, tanto na academia quanto na sociedade em geral, poderiam reestruturar os conceitos e prática s existentes ou criar novos. Compartilhar histórias sobre um “sistema pode ajudar as pessoas a desenvolver novas perspectivas sobre o sistema que compartilham
Abordar a exclusão estrutural por meio da inclusão legal, social ou econa´mica no sistema vigente (direitos civis, normas sociais ou sistema educacional orientado para o mercado) não leva em consideração a formação e a manutenção das instituições, as falhas institucionais, a corrupção.

Concentrar-se nos “direitos humanos”, sem reivindicar condições econa´micas, políticas, educacionais e sociais, para que todos se beneficiem desses direitos, leva a aceitar as assimetrias sociais e econa´micas que permitem que bilhaµes de pessoas sobrevivam em condições subumanas.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


AndréFrancisco Pilon
Professor associado da Faculdade de Saúde Paºblica da USP

 

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