Opinião

Emergaªncia climática na pandemia: nossas cidades estãopreparadas?
Com ventos de até120 km/h, o ciclone deixou muitas cidades e mais de dois milhões de pessoas sem energia elanãtrica nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Por Tatiana Tucunduva P. Cortese - 31/07/2020


Reprodução

Em plena epidemia causada pela covid-19, um ciclone extratropical intitulado “Ciclone-Bomba” atingiu o Sul do Brasil no último dia 30 de junho de 2020, causando pelo menos dez mortes e grande rastro de destruição ao longo da costa. Com ventos de até120 km/h, o ciclone deixou muitas cidades e mais de dois milhões de pessoas sem energia elanãtrica nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A chegada da intempanãrie trouxe uma carga extra de nervosismo e ansiedade para os habitantes das cidades impactadas, colocando em xeque a capacidade de resposta dos governos locais que demonstraram sera­ssimas falhas nos protocolos de resposta a emergaªncias dessa natureza.
O sul do Brasil éconsiderado uma área ciclogenanãtica da Amanãrica do Sul, principalmente nos meses do inverno, favorecendo o surgimento de ciclones. A cidade de Floriana³polis, ilha localizada no Estado de Santa Catarina, foi especialmente impactada pela tempestade, considerada incomum por ter atingido em poucas horas uma intensidade alta em todo o territa³rio do Estado. Além da queda de a¡rvores, postes, destelhamento de casas, causou o maior dano na rede elanãtrica da história do Estado resultando em mais de 1,5 milha£o de unidades consumidoras sem energia.

Tudo isso ocorreu em meio ao enfrentamento da epidemia causada pelo novo coronava­rus (covid-19). Floriana³polis, a exemplo das demais capitais do Paa­s, decretou situação de emergaªncia em 17 de mara§o de 2020. Foram impostas pelo governo municipal uma sanãrie de medidas de cara¡ter moderado, voltadas a promover na­veis ma­nimos de isolamento social para controle de infecções, com a proibição de eventos paºblicos, fechamento de escolas, creches e universidades, restrição do funcionamento de estabelecimentos comerciais e repartições públicas e de acesso a  faixa de areia das praias e obrigatoriedade do uso de máscaras em locais paºblicos.

Cerca de três meses depois, no momento em que o ciclone extratropical atingiu a cidade, de acordo com o “covida´metro” (manãtrica que classifica a cidade de Floriana³polis em classes de risco, com maior ou menor restrição de atividades), a cidade estava em transição da situação laranja para amarela, diminuindo o risco para moderado, tendo a Prefeitura liberado a abertura de academias, shoppings e galerias, apesar da cidade já contar com uma ocupação de 84% dos leitos hospitalares dispona­veis, com 1.379 casos confirmados e 23 mortos, segundo dados divulgados pelo portal G1 no dia 29 de junho de 2020. Por sorte, apesar dos danos materiais causados pelo ciclone, o número de vitimas a demandar atendimento hospitalar de alta complexidade foi bastante reduzido, não chegando a exercer pressão sobre o já sobrecarregado sistema de saúde da cidade.

Menos de uma semana após a ocorraªncia do ciclone, em 6 de julho de 2020, a cidade de Floriana³polis já havia retornado a  classe laranja, de alto risco, com maior restrição de atividades, em razãoda ocupação dos leitos ter subido para mais de 90% e o número de casos ter quase que dobrado, atingindo a marca de 2.236 casos confirmados.

Para melhor compreender o problema épreciso ressaltar que a tempestade que se precipitou sobre o Sul do Paa­s no dia 30 de junho não chegou sem aviso: o Instituto Nacional de Meteorologia osInmet, responsável por monitorar esses eventos clima¡ticos, emitiu alerta laranja para ventos fortes na regia£o com antecedaªncia bastante razoa¡vel. Existem bons equipamentos para monitorar e prever eventos clima¡ticos, segundo os meteorologistas do Inmet, poranãm, o maior desafio éfazer com que a informação chegue a  população em uma velocidade adequada. Ha¡ ainda o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina osEPAGRI/CIRAM, órgão responsável pelo monitoramento do tempo e do clima em Santa Catarina, divulgando condições do tempo e do mar, com alertas para situações adversas que coloquem em risco a vida da população.

A alta probabilidade de ocorraªncia de desastres em razãode tornados e ciclones na cidade de Floriana³polis foi expressamente apontada no Estudo sobre Vulnerabilidade e Riscos Ambientais, integrante do Programa Floriana³polis Sustenta¡vel, resultado da cooperação entre o munica­pio e o Banco Interamericano de Desenvolvimento osBID na Iniciativa Cidades Emergentes e Sustenta¡veis osICES.

Vale lembrar que o Estado de Santa Catarina já foi, inclusive, atingido por um ta­pico furaca£o, denominado “Catarina”, em mara§o de 2004. Esse evento clima¡tico, sem precedentes no Paa­s, originou-se de um ciclone extratropical no Atla¢ntico Sul, a cerca de 1.000 km da costa brasileira, e atingiu o litoral catarinense com caracteri­sticas tipicas de um furaca£o, com a presença de um “olho” definido e ventos de alta­ssima intensidade, causando graves impactos e danos materiais severos.

Os ciclones extratropicais osmodalidade a que se integra o Ciclone-Bomba observado em 30 de junho de 2020 osforam apontados pelo estudo como uma das causas principais de erosão costeira e não de danos significativos no territa³rio urbano. Mas as caracteri­sticas desse fena´meno clima¡tico tem se alterado ao longo do tempo: os ciclones não são tem se formado em áreas cada vez mais próximas da zona costeira como também tem aumentado em intensidade, contribuindo não são para a erosão costeira, como também para a produção de ressacas violentas e atémesmo, eventualmente, a formação de furacaµes.

O Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina (Hermann, 2014 osp. 91) destaca duas ocorraªncias importantes de maranãs de tempestade, ou ressacas, produzidas por ciclones extratropicais: um evento em 2001, que atingiu 12 munica­pios na regia£o de Balnea¡rio Camboriaº, com 52 desabrigados, 219 desalojados e prejua­zos que superaram R$ 11 milhões, e outro em 2010, que causou danos significativos em Floriana³polis, com 170 desalojados, 2.788 afetados em prejua­zo estimado de R$ 20 milhões, em Navegantes, com 2.000 afetados e prejua­zo de R$ 1.749.500,00 e dez outros munica­pios pra³ximos.

Ainda que a valoração dos riscos naturais empreendida pelo estudo não tenha abrangido os tornados, tão pouco os ciclones extratropicais em si mesmos considerados, debrua§ando-se apenas sobre as inundações fluviais e marinhas e movimentos de massa, destaques podem ser feitos ao Plano Diretor de Floriana³polis.
No referido plano não háprotocolos específicos para a prevenção, remediação e mitigação dos impactos e danos causados sobre ciclones extratropicais que venham a atingir o continente. Portanto, existe uma importante lacuna a ser suprida pelo sistema de planejamento urbano de Floriana³polis. Entretanto, o plano reconheceu expressamente, em seu artigo 4º, inciso I, como princa­pio orientador do ordenamento territorial do munica­pio, que os riscos decorrentes de alterações climáticas são elementos limitadores do crescimento urbano. Coerentemente, o Plano Diretor traa§ou uma sanãrie de medidas limitadoras da ocupação do solo para a orla mara­tima e para as áreas consideradas de risco geola³gico, em consona¢ncia com as medidas de prevenção e remediação de desastres compreendidas em seu Plano Municipal de Redução de Riscos oscom foco em inundações, escorregamentos e erosão mara­tima.

Diante da conformação geogra¡fica da costa sul do Brasil e considerando a influaªncia dos fluxos marinhos, os impactos da intempanãrie climática sobre a cidade de Floriana³polis evidenciam a necessidade de estabelecer protocolos estratanãgicos de curto prazo para a preparação do territa³rio.

As estratanãgias mitigadoras propostas devem promover, essencialmente, a reorganização territorial e remodelagem de zonas de ocupação litora¢nea na costa brasileira frente a intempanãries climáticas, pautando-se, portanto, na elaboração de políticas públicas preventivas, com ações emergenciais estruturadas e criação de zonas de contenção de desastres, inclusive mediante a elaboração de cartilhas preventivas e desenvolvimento de parcerias paºblico-privadas.

Os impactos causados sobre a cidade de Floriana³polis pelo Ciclone-Bomba no último dia 30 de junho, no contexto no qual ocorreu, evidencia a urgente necessidade de que os governos criem protocolos para os eventos clima¡ticos extremos, focados em prevenção, mitigação e remediação, uma vez que não basta investir em equipamentos e tecnologia capazes de prever antecipadamente o fena´meno e não comunicar devidamente a população que seráatingida, nem orienta¡-la sobre o que fazer e para onde ir. Priorizar a minimização do risco de intempanãries em territa³rios fra¡geis éfundamental.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Tatiana Tucunduva P. Cortese
Pesquisadora do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avana§ados (IEA) da USP e outros autores*

 

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