Com ventos de até120 km/h, o ciclone deixou muitas cidades e mais de dois milhões de pessoas sem energia elanãtrica nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
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Em plena epidemia causada pela covid-19, um ciclone extratropical intitulado “Ciclone-Bomba†atingiu o Sul do Brasil no último dia 30 de junho de 2020, causando pelo menos dez mortes e grande rastro de destruição ao longo da costa. Com ventos de até120 km/h, o ciclone deixou muitas cidades e mais de dois milhões de pessoas sem energia elanãtrica nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A chegada da intempanãrie trouxe uma carga extra de nervosismo e ansiedade para os habitantes das cidades impactadas, colocando em xeque a capacidade de resposta dos governos locais que demonstraram serassimas falhas nos protocolos de resposta a emergaªncias dessa natureza.
O sul do Brasil éconsiderado uma área ciclogenanãtica da Amanãrica do Sul, principalmente nos meses do inverno, favorecendo o surgimento de ciclones. A cidade de Floriana³polis, ilha localizada no Estado de Santa Catarina, foi especialmente impactada pela tempestade, considerada incomum por ter atingido em poucas horas uma intensidade alta em todo o territa³rio do Estado. Além da queda de a¡rvores, postes, destelhamento de casas, causou o maior dano na rede elanãtrica da história do Estado resultando em mais de 1,5 milha£o de unidades consumidoras sem energia.
Tudo isso ocorreu em meio ao enfrentamento da epidemia causada pelo novo coronavarus (covid-19). Floriana³polis, a exemplo das demais capitais do Paas, decretou situação de emergaªncia em 17 de mara§o de 2020. Foram impostas pelo governo municipal uma sanãrie de medidas de cara¡ter moderado, voltadas a promover naveis manimos de isolamento social para controle de infecções, com a proibição de eventos paºblicos, fechamento de escolas, creches e universidades, restrição do funcionamento de estabelecimentos comerciais e repartições públicas e de acesso a faixa de areia das praias e obrigatoriedade do uso de máscaras em locais paºblicos.
Cerca de três meses depois, no momento em que o ciclone extratropical atingiu a cidade, de acordo com o “covida´metro†(manãtrica que classifica a cidade de Floriana³polis em classes de risco, com maior ou menor restrição de atividades), a cidade estava em transição da situação laranja para amarela, diminuindo o risco para moderado, tendo a Prefeitura liberado a abertura de academias, shoppings e galerias, apesar da cidade já contar com uma ocupação de 84% dos leitos hospitalares disponaveis, com 1.379 casos confirmados e 23 mortos, segundo dados divulgados pelo portal G1 no dia 29 de junho de 2020. Por sorte, apesar dos danos materiais causados pelo ciclone, o número de vitimas a demandar atendimento hospitalar de alta complexidade foi bastante reduzido, não chegando a exercer pressão sobre o já sobrecarregado sistema de saúde da cidade.
Menos de uma semana após a ocorraªncia do ciclone, em 6 de julho de 2020, a cidade de Floriana³polis já havia retornado a classe laranja, de alto risco, com maior restrição de atividades, em razãoda ocupação dos leitos ter subido para mais de 90% e o número de casos ter quase que dobrado, atingindo a marca de 2.236 casos confirmados.
Para melhor compreender o problema épreciso ressaltar que a tempestade que se precipitou sobre o Sul do Paas no dia 30 de junho não chegou sem aviso: o Instituto Nacional de Meteorologia osInmet, responsável por monitorar esses eventos clima¡ticos, emitiu alerta laranja para ventos fortes na regia£o com antecedaªncia bastante razoa¡vel. Existem bons equipamentos para monitorar e prever eventos clima¡ticos, segundo os meteorologistas do Inmet, poranãm, o maior desafio éfazer com que a informação chegue a população em uma velocidade adequada. Ha¡ ainda o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina osEPAGRI/CIRAM, órgão responsável pelo monitoramento do tempo e do clima em Santa Catarina, divulgando condições do tempo e do mar, com alertas para situações adversas que coloquem em risco a vida da população.
A alta probabilidade de ocorraªncia de desastres em razãode tornados e ciclones na cidade de Floriana³polis foi expressamente apontada no Estudo sobre Vulnerabilidade e Riscos Ambientais, integrante do Programa Floriana³polis Sustenta¡vel, resultado da cooperação entre o municapio e o Banco Interamericano de Desenvolvimento osBID na Iniciativa Cidades Emergentes e Sustenta¡veis osICES.
Vale lembrar que o Estado de Santa Catarina já foi, inclusive, atingido por um tapico furaca£o, denominado “Catarinaâ€, em mara§o de 2004. Esse evento clima¡tico, sem precedentes no Paas, originou-se de um ciclone extratropical no Atla¢ntico Sul, a cerca de 1.000 km da costa brasileira, e atingiu o litoral catarinense com caracteristicas tipicas de um furaca£o, com a presença de um “olho†definido e ventos de altassima intensidade, causando graves impactos e danos materiais severos.
Os ciclones extratropicais osmodalidade a que se integra o Ciclone-Bomba observado em 30 de junho de 2020 osforam apontados pelo estudo como uma das causas principais de erosão costeira e não de danos significativos no territa³rio urbano. Mas as caracteristicas desse fena´meno clima¡tico tem se alterado ao longo do tempo: os ciclones não são tem se formado em áreas cada vez mais próximas da zona costeira como também tem aumentado em intensidade, contribuindo não são para a erosão costeira, como também para a produção de ressacas violentas e atémesmo, eventualmente, a formação de furacaµes.
O Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina (Hermann, 2014 osp. 91) destaca duas ocorraªncias importantes de maranãs de tempestade, ou ressacas, produzidas por ciclones extratropicais: um evento em 2001, que atingiu 12 municapios na regia£o de Balnea¡rio Camboriaº, com 52 desabrigados, 219 desalojados e prejuazos que superaram R$ 11 milhões, e outro em 2010, que causou danos significativos em Floriana³polis, com 170 desalojados, 2.788 afetados em prejuazo estimado de R$ 20 milhões, em Navegantes, com 2.000 afetados e prejuazo de R$ 1.749.500,00 e dez outros municapios pra³ximos.
Ainda que a valoração dos riscos naturais empreendida pelo estudo não tenha abrangido os tornados, tão pouco os ciclones extratropicais em si mesmos considerados, debrua§ando-se apenas sobre as inundações fluviais e marinhas e movimentos de massa, destaques podem ser feitos ao Plano Diretor de Floriana³polis.
No referido plano não háprotocolos específicos para a prevenção, remediação e mitigação dos impactos e danos causados sobre ciclones extratropicais que venham a atingir o continente. Portanto, existe uma importante lacuna a ser suprida pelo sistema de planejamento urbano de Floriana³polis. Entretanto, o plano reconheceu expressamente, em seu artigo 4º, inciso I, como princapio orientador do ordenamento territorial do municapio, que os riscos decorrentes de alterações climáticas são elementos limitadores do crescimento urbano. Coerentemente, o Plano Diretor traa§ou uma sanãrie de medidas limitadoras da ocupação do solo para a orla maratima e para as áreas consideradas de risco geola³gico, em consona¢ncia com as medidas de prevenção e remediação de desastres compreendidas em seu Plano Municipal de Redução de Riscos oscom foco em inundações, escorregamentos e erosão maratima.
Diante da conformação geogra¡fica da costa sul do Brasil e considerando a influaªncia dos fluxos marinhos, os impactos da intempanãrie climática sobre a cidade de Floriana³polis evidenciam a necessidade de estabelecer protocolos estratanãgicos de curto prazo para a preparação do territa³rio.
As estratanãgias mitigadoras propostas devem promover, essencialmente, a reorganização territorial e remodelagem de zonas de ocupação litora¢nea na costa brasileira frente a intempanãries climáticas, pautando-se, portanto, na elaboração de políticas públicas preventivas, com ações emergenciais estruturadas e criação de zonas de contenção de desastres, inclusive mediante a elaboração de cartilhas preventivas e desenvolvimento de parcerias paºblico-privadas.
Os impactos causados sobre a cidade de Floriana³polis pelo Ciclone-Bomba no último dia 30 de junho, no contexto no qual ocorreu, evidencia a urgente necessidade de que os governos criem protocolos para os eventos clima¡ticos extremos, focados em prevenção, mitigação e remediação, uma vez que não basta investir em equipamentos e tecnologia capazes de prever antecipadamente o fena´meno e não comunicar devidamente a população que seráatingida, nem orienta¡-la sobre o que fazer e para onde ir. Priorizar a minimização do risco de intempanãries em territa³rios fra¡geis éfundamental.
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva
do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do
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Tatiana Tucunduva P. Cortese
Pesquisadora do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avana§ados (IEA) da USP e outros autores*