Opinião

Um amplo relato sobre as fa¡bricas de fake news no Brasil e no mundo
Liberdade de expressão nada tem a ver com libertinagem na expressão.
Por Luiz Roberto Serrano - 16/08/2020


Reprodução

“A verdade éque linchamentos virtuais funcionam como uma censura informal. Toda vez que vou escrever uma reportagem investigativa que envolve o governo, respiro fundo e imagino o que pode vir do outro lado. Sera¡ que va£o ultrajar pessoas da minha familia ou fazer memes obscenos? Penso várias vezes se vale a pena. E suponho que vários jornalistas estejam experimentando a mesma sensação e de alguma maneira acabem se autocensurando.”

A frase acima estãono livro A Ma¡quina do a“dio, da experiente e reconhecida jornalista Patra­cia Campos Mello, modestamente classificado na capa como “Notas de uma repa³rter sobre fake news e violência digital”. Com 294 pa¡ginas, em formato de livro de bolso (120x180mm), éuma ambiciosa reportagem descritiva e anala­tica que relata histórias e experiências pessoais da jornalista e descreve o preocupante e assustador ambiente brasileiro e internacional onde se criam e distribuem fake news e os propósitos de seus mentores.

Com 25 anos de carreira, formada em Jornalismo pela ECA-USP, Patra­cia foi correspondente de O Estado de S. Paulo em Washington e atualmente écolunista e repa³rter especial da Folha de S. Paulo. Realizou inconta¡veis coberturas internacionais. E, entre outros importantes prêmios, acabou de receber o cobia§ado Moors Cabot, da Columbia University, nos EUA, que abriga um dos mais respeitados cursos de jornalismo do mundo.

No dia 18 de outubro, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial de 2018, em que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad estavam na disputa, Patra­cia iniciou a publicação, na Folha de S. Paulo, de reportagens mostrando que empresas haviam contratado o envio de milhares de mensagens eleitorais, via WhatsApp, atacando a candidatura do PT. Foram ações ilegais, pois a legislação eleitoral não permite tal iniciativa, mesmo que tenha sido financiada diretamente por empresas, sem que os recursos trafegassem por comitaªs eleitorais da campanha do candidato, no caso a de Bolsonaro.

A partir desse momento a vida de Patra­cia virou um inimagina¡vel inferno, pois sobre ela e sua familia desabaram e se espalharam pelas redes sociais grosseira­ssimas mensagens de desqualificação pessoal, moral, profissional, que são corajosamente relatadas no livro.

A tempestade que desabou sobre Patra­cia explica o para¡grafo do livro que inicia este texto. Mas a própria publicação do livro mostra que ela não se deixou abater e foi a  luta, que éamplamente relatada no livro. Sua publicação não poderia ser mais oportuna. Ao condensar em suas pa¡ginas o amplo relato de como as ma¡quinas do a³dio agem e distribuem suas nefastas fake news pelo Brasil e pelo mundo, da¡ uma valiosa contribuição para os debates sobre uma legislação para coibir sua distribuição que são travados, no momento, no Congresso brasileiro.

O Brasil devera¡ ter eleições municipais em novembro pra³ximo, e o resultado disso tera¡ fundamental importa¢ncia para a administração dos mais de 5 mil munica­pios brasileiros e também para o quadro pola­tico/partida¡rio da próxima disputa presidencial em 2022 , quando também sera£o eleitos ou reeleitos governadores, deputados federais e parte dos senadores. O livro de Patra­cia recorda como as ma­dias sociais e as fake news tiveram papel decisivo nas últimas eleições estadunidenses, que levaram Donald Trump a  Casa Branca e também em pleitos na andia e na Hungria, que escolheram lideres nacionalistas autorita¡rios para comanda¡-las. Ha¡ lições a aprender nesses relatos sobre o papel das ma­dias sociais em eleições.

Os mandata¡rios acima citados, eleitos por poderosos sistemas de distribuição de fake news, também empenham-se com vigor em desclassificar a ma­dia profissional, sem esconder seu objetivo final de ultrapassa¡-la como fonte de informação para a sociedade e inunda¡-la com nota­cias são de seu agrado, asfixiando o debate democra¡tico. O combate a s fake news éessencial para a democracia, assim como o uso positivo e bem-intencionado das ma­dias sociais, ampliando a discussão de ideias e projetos de toda natureza para opaís, fortalece a democracia.

O debate sobre a regulação das ma­dias sociais, atualmente travado no Congresso, édelicado pois o tema écomplexo. “A regulação, ao lidar com ferramentas e tecnologias de comunicação, pode afetar a liberdade de expressão e a privacidade. Portanto, a regulação deve ser muito cuidadosa e o debate, amplo”, afirmou Juliano Maranha£o, professor do Departamento de Filosofia e Teoria do Direito da Faculdade de Direito da USP, em entrevista concedida nesta semana ao Jornal da USP no Ar.

Mas éingenuidade acreditar nos discursos em prol da liberdade de expressão dos porta-vozes das ma¡quinas do a³dio, pois basta acompanhar o que elas divulgam para constatar que são fontes de ultrajante desqualificação moral, pessoal, pola­tica etc., de adversa¡rios e dos que não concordam com suas ideias e propostas.

Liberdade de expressão nada tem a ver com libertinagem na expressão.

A Ma¡quina do a“dio, livro de Patra­cia Campos Mello, traz um amplo quadro de como elas não devem se confundir.

O debate em torno das fake news deve ajudar a construir um ambiente em que nenhum jornalista, como escreveu Patra­cia, tenha de pensar duas vezes antes de escrever uma reportagem de denaºncia, com receio de que a ma¡quina do a³dio desabe sobre a sua vida.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Luiz Roberto Serrano
Jornalista e superintendente de Comunicação Social

 

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