Opinião

Especial Vacinas Covid-19 : Cena¡rio atual
Precisamos conhecer a resposta imune de defesa e uma vacina ideal deve desenvolver anticorpos neutralizantes e resposta celular.
Por Luiz Carlos Dias - 17/08/2020


Reprodução

As possa­veis vacinas para Covid-19 não podem fazer mal e tem que fazer bem. Elas devem imunizar as pessoas, nos proteger de pegar a doena§a, sem causar efeitos colaterais adversos. As candidatas vacinais sendo investigadas usam diferentes plataformas, mas a ideia central écolocar um material estranho no nosso organismo, que não nos cause mal, mas que faz com que o sistema imune reconhea§a esse material como sendo um corpo estranho parecido com o va­rus, produzindo linfa³citos B, anticorpos (resposta humoral) e linfa³citos T, células T citota³xicas (resposta celular). Os anticorpos neutralizantes va£o impedir o va­rus de entrar nas células e as células citota³xicas (células T-CD4 e T-CD8), destroem as células de nosso organismo infectadas pelo va­rus. Precisamos conhecer a resposta imune de defesa e uma vacina ideal deve desenvolver anticorpos neutralizantes e resposta celular. Mema³ria imunola³gica mediada por anticorpo émais fa¡cil, mas uma vacina de longa duração deve induzir os dois tipos de imunidade.

Quais são as candidatas vacinais sendo investigadas

Sa£o cerca de 165 candidatas vacinais sendo desenvolvidas para Covid-19, baseadas em diferentes plataformas: vetores virais, va­rus atenuados, va­rus inativados, a¡cidos nuclanãicos e protea­nas. Nessa corrida mundial por vacinas contra o coronava­rus, das 165 candidatas, 28 estãoem fases de ensaios clínicos de fases 1, 2 e 3 em humanos, sendo que 6 estãona fase 3, a mais avana§ada e a que define se a possí­vel vacina fornece ou não imunização, protegendo de infecção. Se passa na fase 3, a etapa seguinte éa de aprovação pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelas agaªncias regulata³rias locais. Das 6 candidatas em fase 3, duas contam com acordos que envolvem a compra e produção em territa³rio nacional. O governo federal escolheu a AZD1222 (anteriormente chamada de ChAdOx1 n-Cov-19), que estãosendo desenvolvida pela universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca e a Fiocruz, enquanto o governo do Estado de Sa£o Paulo escolheu a CoronaVac, sendo desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

Como funciona a fase de testes

As candidatas vacinais devem passar por uma fase pré-cla­nica em animais, (ratos, camundongos, macacos) onde se testa a segurança e a indução de resposta imunola³gica de defesa. Se passam nessa fase, entram nas fases de avaliação cla­nica em seres humanos. A fase 1 envolve um pequeno grupo de voluntários sauda¡veis, onde se avalia a segurança, o aparecimento ou não de efeitos colaterais adversos e a capacidade de gerar imunização (imunogenicidade). Se bons resultados são obtidos, a candidata passa para a fase 2, agora com centenas de participantes, coletando informações sobre segurança, doses, hora¡rios, modos de administração e novamente a imunogenicidade. Passando nos rigores da fase 2, entra em fase 3 com milhares de voluntários de váriospaíses, ambientes, grupos sociais, um grupo bem diversificado de pessoas de diferentes faixas eta¡rias e sexo. Esta fase 3 éa mais importante e fornece resposta definitiva da efica¡cia, da resposta de proteção e de segurança. A realização da fase 3 no Brasil depende de aprovação das agaªncias regulata³rias locais, como o CONEP (Comissão Nacional de a‰tica e Pesquisa) e a ANVISA (Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria). Onívelde exigaªncia éelevado, segue protocolos ra­gidos, mas se a candidata vacinal se mostra segura e eficiente, éaprovada e após registro, que no Brasil écoordenado pela ANVISA, pode ser produzida em larga escala e distribua­da para a população. Isso leva tempo. A vacina da caxumba foi uma das mais rápidas desenvolvidas atéhoje e levou pouco mais de 4 anos.

O que são os testes clínicos

Curioso éque para se verificar a eficácia em fase 3 dos candidatos vacinais, épreciso que o SARS-CoV-2 continue a circular entre a população, para que os voluntários sejam expostos ao va­rus. As taxas de conta¡gio estãodiminuindo em váriospaíses, incluindo o Brasil, onde chegamos no dia 09/08/2020 a uma taxa de reprodução (R0) em torno de 1,01, segundo estudo divulgado pelo Imperial College-UK. a‰ de fato uma situação inusitada, pois todos queremos que o va­rus desaparea§a, mas para termos uma vacina eficaz, precisamos do va­rus presente, pois se tivermos um número baixo de novos casos confirmados de Covid-19, fica difa­cil avaliar se a vacina apresenta eficácia em proteger os voluntários. Isto aconteceu antes com SARS e MERS, o va­rus parou de circular, interrompendo o desenvolvimento e a necessidade de vacinas.

Porque a urgência na aprovação

Estamos em uma pandemia e como não temos alternativas terapaªuticas, épossí­vel usar uma candidata vacinal com os dados da fase 3, para uso emergencial para profissionais da saúde, que estãocom maior risco de exposição ao va­rus, mesmo antes de iniciar a distribuição para a população. No entanto, éfundamental seguir os passos dos estudos cienta­ficos, não se pode pular etapas e devemos obedecer aos preceitos anãticos, de segurança e de eficácia com indução de imunidade, o que são os ensaios clínicos de fase 3 podem fornecer.

Principais considerações

O Brasil tem o va­rus circulante, alta taxa de transmissão e possui muita experiência e competaªncia em ensaios clínicos, tem uma base de ciaªncia, tecnologia e inovação respeitada internacionalmente e tem o SUS como estratanãgia de imunização. Na³s temos nossas universidades públicas e institutos de pesquisas paºblicos participando de estudos em fase 3. A Fiocruz e o Butantan são instituições públicas respeitadas internacionalmente, produzem as nossas vacinas e realizam um trabalho fanta¡stico para a saúde brasileira e sul-americana, sendo referaªncias de pesquisa, ensino e inovação na área de saúde.

Com esses acordos Oxford/AstraZeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan, o Brasil estãoem uma posição tranquila na corrida pela imunização contra a Covid-19. O Brasil também conta com um dos melhores programas de vacinação pública do mundo, com condições de levar as vacinas para todo opaís, tem muita experiência e éreferaªncia internacional em vacinação em massa atravanãs do SUS. Na³s somos 212 milhões de brasileiros, temos que produzir 212 milhões de doses para vacinar todos, com uma única dose ou produzir 424 milhões de doses se precisarmos de duas doses. a‰ necessa¡rio seguir a ciaªncia, o rigor cienta­fico e realizar uma avaliação técnica e rigorosa de segurança e eficácia para que eventuais vacinas de fato imunizem as pessoas sem levar a efeitos colaterais adversos.

Nãopodemos aceitar neste momento cra­tico, polarização pola­tica em torno de uma vacina, que deve ser considerado bem paºblico, não deste ou daquele governo, não deste ou daquele partido pola­tico. Sem daºvida, a OMS não vai recomendar o uso de qualquer formulação vacinal sem os resultados de ensaios clínicos das fases 1, 2 e 3, sem comprovação de segurança e eficácia como imunizante. Tampouco a ANVISA vai autorizar o uso, caso não haja transparaªncia sobre os resultados dos testes clínicos. Na³s precisamos de uma vacina para sair desta pandemia, muito provavelmente de mais do que uma formulação vacinal e não importa se vem de Oxford/AstraZeneca, da Sinovac/Butantan, da CanSino, da Sinopharm, da Pfizer/Biontech/Fosun, da Moderna ou de qualquer outra empresa ou instituição. Precisamos lembrar que estamos falando de vacinar 7,5 bilhaµes de pessoas no planeta, sendo 212 milhões no Brasil. Isso provavelmente não seráfeito com uma única formulação vacinal. 

Nãonecessariamente a primeira vacina seráa melhor, mas vamos aprender muito com as primeiras e poderemos preparar vacinas mais robustas no futuro.

 QUAIS AS VACINAS QUE ESTaƒO SENDO TESTADAS NO MUNDO

OXFORD/ASTRAZENECA 

Essa candidata vacinal usa um adenova­rus de chipanzanã, um va­rus que causa resfriado e égeneticamente modificado para se tornar mais fraco, uma versão atenuada, não infecciosa e incapaz de se replicar no corpo humano. Adenova­rus são va­rus que causam resfriados comuns e vetores são va­rus em que o gene responsável pela replicação viral foi removido. A tecnologia énova, envolve um va­rus vivo e pode fornecer uma eficácia maior, estimulando mais o sistema imune e tem um processo de fabricação aparentemente mais simples, pois não trabalha com o va­rus causador da Covid-19. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), atravanãs do Instituto de Tecnologia em Imunobiola³gicos (Bio-Manguinhos), tem experiência na produção de biofa¡rmacos e receberia a transferaªncia da tecnologia, incluindo todos os passos para a nacionalização completa. No entanto, apesar de ser uma tecnologia promissora, nosainda não temos nenhuma vacina com essa plataforma em uso em humanos. No caso da AZD1222, o princa­pio ativo da vacina seria inicialmente produzido pela AstraZeneca, com a Fiocruz ficando responsável por realizar a formulação, envase, rotulagem e controle de qualidade. Em princa­pio, a Fiocruz vai disponibilizar cerca de 30 milhões de doses ainda neste ano e 70 milhões no primeiro semestre de 2021. O resultado oficial da fases 1 e 2, realizado em 5 centros no Reino Unido, foi divulgado no dia 20/07/2020 na revista médica The Lancet. A candidata de Oxford foi testada em 1.077 voluntários (na faixa 18-55 anos, 49,8% mulheres, 50,2% homens, 90,9% brancos), que não sabiam se estavam recebendo vacina ou placebo, sendo que 543 voluntários receberam a AZD1222 e 534 receberam uma vacina contra meningite (MenACWY) no grupo placebo. A AZD1222 se mostrou segura e os efeitos adversos foram controlados com uso de paracetamol. Importante salientar que a AZD1222 produziu resposta imune tanto por células T citota³xicas (14 dias após a dose), como por anticorpos neutralizantes (28 dias após a dose). Esses resultados interessantes credenciaram a candidata para o ensaio cla­nico de fase 3, que foi iniciado em 20/06/2020, com cerca de 50.000 voluntários em 5países, sendo 5.000 no Brasil. O objetivo éverificar a segurança, a eficácia e proteção contra a Covid-19 em um grupo grande e heterogaªneo de voluntários. Em Sa£o Paulo, a Unifesp ficara¡ responsável pela vacinação experimental, enquanto no Rio de Janeiro e em estados do Nordeste, a rede D’Or conduzira¡ os ensaios.

SINOVAC/BUTANTAN

A candidata vacinal da Sinovac usa uma tecnologia tradicional que envolve a manipulação do pra³prio va­rus SARS-CoV-2, o que exige um maiornívelde biossegurança na fabricação. Esse va­rus éinativado por processos químicos e éincapaz de provocar uma infecção, precisa de adjuvantes e o objetivo éprovocar nas pessoas vacinadas uma reação imunola³gica que induz proteção caso tenham contato com o SARS-CoV-2. A CoronaVac mostrou segurança e boa resposta imune em 600 voluntários durante as fases 1 e 2, cujos resultados foram publicados no dia 10/08/2020, ainda como preprint, sem avaliação por pares, na plataforma online Medrxiv. O estudo randomizado e duplo-cego envolveu voluntários chineses de 18 a 59 anos, que receberam duas doses da vacina experimental. Um grupo recebeu um placebo. A CoronaVac apresentou poucas reações adversas leves, sendo que a mais comum foi dor no local da injeção. Apa³s duas doses (intramuscular) no intervalo de 14 dias, a CoronaVac produziu anticorpos neutralizantes em 90% dos voluntários, 28 dias após a primeira dose, embora a resposta tenha diminua­do com a idade, o que mostra que idosos podem precisar de uma terceira dose. Segundo o Butantan, que vai iniciar o processo de envase em outubro de 2020, nosteremos 15 milhões de doses disponí­veis da CoronaVac em dezembro de 2020 e 30 milhões de doses no ini­cio de 2021. O princa­pio ativo da CoronaVac vem da China e o Butantan ficara¡ responsável por completar a fa³rmula, envasar, rotular e controlar a qualidade. Como éuma tecnologia conhecida, o Butantan podera¡ desenvolver todo o processo no Brasil a partir de 2021, desde o cultivo do va­rus que causa a Covid-19.

PFIZER/BIONTECH/FOSUN E DA MODERNA

As candidatas a vacinas da Pfizer/BioNtech/Fosun (BNT162b1) e da Moderna (mRNA-1273) usam plataformas de RNA mensageiro (mRNA), que induz as células humanas a produzirem protea­nas que imitam asuperfÍcie externa do SARS-CoV-2. O corpo reconhece essas protea­nas como intrusas, desencadeando uma resposta imunola³gica contra o va­rus real. Essas alternativas que usam RNA mensageiro, podem ser super sensa­veis, necessitando de temperaturas mais baixas para o armazenamento, talvez seja necessa¡rio congelar e descongelar pra³ximo do local de aplicação, então podem trazer questões loga­sticas para umpaís como o Brasil. Os resultados preliminares de fases 1 e 2 para a candidata vacinal da Pfizer/BioNtech/Fosun foram publicados na revista cienta­fica Nature no dia 12/08/2020 e mostraram resposta imune bastante robusta, com produção de bons na­veis de anticorpos neutralizantes e com produção de células citota³xicas T, com poucos efeitos colaterais adversos nos voluntários. Esse estudo envolveu a participação de 45 voluntários (23 homens e 22 mulheres), com idades entre 18 e 55 anos, divididos em 4 grupos, sendo que o grupo 1 recebeu uma dose de 10 microgramas (μg), o grupo 2 recebeu uma dose de 30 microgramas (μg); o grupo 3 recebeu 100 microgramas (μg) e o grupo 4 recebeu um placebo (substância sem a vacina, para servir de grupo controle). Os voluntários dos grupos 1 e 2 tomaram uma segunda dose da vacina, como reforço, aplicada 21 dias depois da primeira dose, o que ajudou a aumentar a quantidade de anticorpos neutralizantes. Um fato bem interessante éque os na­veis de anticorpos neutralizantes observados nos voluntários foram de 1,9 a 4,6 vezes maiores do que os de soro convalescente de pacientes recuperados da Covid-19. Contudo, apenas a fase 3 podera¡ confirmar a eficácia da candidata vacinal em proteger da infecção. Esta formulação vacinal também estãosendo testada em fase 3 em cerca de 30.000 mil voluntários com idades entre 18 e 85 anos, em 120 centros de estudo em váriospaíses, sendo 1.000 no Brasil, em Sa£o Paulo e na Bahia. A pesquisa envolve colaboração entre a americana Pfizer, a alema£ BioNTech e a chinesa Fosun Pharma.

Observação: A candidata vacinal da Moderna foi testada em fase 1 em 45 voluntários (o artigo foi publicado no NEJM) e após a aplicação de duas doses, os pesquisadores observaram altos na­veis de anticorpos neutralizantes e respostas de células T (embora um pouco discreta), com mais efeitos adversos como inflamações locais e febre em comparação com a vacina da Pfizer. Os testes indicaram mais resposta humoral do que resposta celular, o que não parece ser ideal. A Moderna estãorealizando fase 2 e iniciou ensaio de fase 3 com 30.000 voluntários sauda¡veis em 07/2020.

CANSINO

A candidata vacinal da empresa chinesa CanSino, em parceria com a Academia de Ciências Manãdicas Militares da China, usa plataforma de adenova­rus humano (Ad5), um va­rus enfraquecido que causa gripe comum em humanos, plataforma semelhante a  usada pela vacina russa e a candidata de Oxford, embora essa última use adenova­rus de chipanzanã. Na³s temos algumas vacinas assim como caxumba, febre amarela, sarampo, rubanãola, varicela. Essa candidata vacinal foi testada em cerca de 600 voluntários chineses, incluindo idosos, em estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Embora tenha sido observada boa segurança, boa produção de anticorpos e células T, a resposta foi modesta para idosos. A CanSino dara¡ ini­cio aos testes da fase 3 na Ara¡bia Saudita e negocia com outros governos. Os resultados preliminares foram publicados na revista The Lancet .

SINOPHARM

A estatal chinesa Sinopharm criou duas versaµes de uma candidata vacinal que usa ca³pias inativadas do SARS-CoV-2, em parcerias com o Instituto de Produtos Biola³gicos de Wuhan e com o Instituto de Produtos Biola³gicos de Pequim. Os resultados de ensaio cla­nico de fase 1/2 envolvendo 320 voluntários na faixa 18-59 anos foram publicados no dia 13/08/2020 no JAMA e mostraram ativação de anticorpos depois de 14 dias após a primeira dose, sem apresentar efeitos colaterais graves. Essas candidatas estãoem testes de fase 3 desde 07/2020 nos Emirados arabes, em um estudo com 15 mil participantes com idades entre 18 e 60 anos. A Sinopharm firmou uma parceria com o Instituto de Tecnologia do Parana¡ (Tecpar) e alguns hospitais universita¡rios do Estado do Parana¡ para testar a candidata vacinal em profissionais da saúde do Estado.

RUSSA

A candidata vacinal russa ébaseada em vetor de adenova­rus que causa resfriado comum em humanos e foi registrada pelo Ministanãrio da Saúde da Raºssia em 11/08/2020, tornando-se a primeira vacina(?) para a Covid-19 registrada, depertando a curiosidade da comunidade global. A candidata russa Gam-COVID-Vac Lyo, foi batizada como Sputnik V (creio que V de vacina) para os mercados estrangeiros, em uma alusão ao Sputnik, primeiro satanãlite espacial lana§ado pela Unia£o Sovianãtica em 1957. Procurando induzir imunidade longa, mais duradoura, com produção de anticorpos por um período prolongado, os cientistas russos afirmam empregar dois tipos diferentes de vetores de adenova­rus (rAd26 e rAd5) em duas etapas de vacinação. A candidata vacinal russa usa um gene com o ca³digo da protea­na Spike (S) do coronava­rus inserido no vetor adenoviral, feito de RNA, material genanãtico do va­rus, um vetor viral não replicante. A ideia éajudar o sistema imunológico a reagir e produzir anticorpos, que nos protegeriam da infecção pelo SARS-CoV-2, produzindo anta­genos, que são moléculas semelhantes ao novo SARS-CoV-2, mas não perigosas, para treinar o nosso sistema imune para atacar o pata³geno no caso de uma infecção real. A primeira dose usaria o vetor rAd26 com o gene que codifica a protea­na S do coronava­rus, levando o organismo a produzir a protea­na S, iniciando a produção de anticorpos. A segunda dose usando o vetor rAd5 seria repetida 21 dias após a primeira injeção, intensificando a resposta imune e levando a uma resposta mais duradoura. A ideia éinovadora e nenhuma outra candidata vacinal para Covid-19 atéo momento usa plataforma com dois vetores. Os cientistas do Centro Gamaleya, ligado ao Ministanãrio da Saúde do governo russo, tem experiência no desenvolvimento de vacinas baseadas em adenova­rus como vetores, tendo registrado com sucesso uma vacina com essa plataforma contra o Ebola. Os adenova­rus humanos são considerados menos desafiadores para serem desenvolvidos como vetores e são seguros, sendo impossibilitados de se replicar e causar infecção. Os vetores servem para transportar o material genanãtico do va­rus contra o qual estamos procurando desenvolver imunidade ao sermos vacinados. Segundo a OMS, a candidata vacinal russa foi testada apenas em fase 1, iniciada em 17/06/2020, em 38 pessoas. Contudo, no dia 12/08/2020, a Raºssia incluiu informações sobre uma fase intermedia¡ria na base internacional clinicaltrials.gov. Segundo essas novas informações, a fase 2 teria sido realizada em paralelo a  fase 1 e finalizada no dia 03/08/2020, embora nenhuma informação sobre a conclusão dos testes tenha sido inclua­da. No dia 11/08/2020, o governo do Parana¡ afirmou que pode fechar acordo para trazer o imunizante para o Brasil. A realização da fase 3 no Brasil depende de aprovação das agaªncias regulata³rias locais, como o CONEP e a ANVISA. Pode atéser uma boa vacina e tomara que seja mesmo, mas nesse momento, éimportante termos precaução em relação ao anaºncio dessa vacina desenvolvida pela Raºssia, pela ausaªncia dos resultados produzidos pela imunização. a‰ fundamental termos transparaªncia por parte dos russos em relação aos resultados dos ensaios clínicos. Nãose pode pular etapas e tem sempre que haver preocupação com a segurança e efica¡cia.

Produção das vacinas no Brasil: Oxford e do Butantan

A Fiocruz produzira¡ cerca de 100 milhões de doses da vacina de Oxford (AZD1222) e o Butantan produzira¡ 120 milhões de doses da CoronaVac. Caso a vacina de Oxford seja utilizada em apenas uma dose, serápossí­vel imunizar 100 milhões de brasileiros e caso a do Butantan com a Sinovac precise de duas doses para dar resposta de imunização, serápossí­vel imunizar mais 60 milhões de brasileiros. O que preocupa éque pelos acordos de transferaªncia de tecnologia firmados inicialmente, o Brasil importara¡ a matéria-prima necessa¡ria para o desenvolvimento das vacinas (Ingrediente Farmacaªutico Ativo, IFA), para preparar essas 220 milhões de doses. Neste momento, nossos laboratórios ira£o são envasar e etiquetar os produtos.

Cena¡rios para produção local

O desenvolvimento da matéria-prima no Paa­s ocorrera¡ em um outro momento, sendo fundamental para dominarmos o processo produtivo. O Brasil étotalmente dependente de mercados externos como India e China para importação dos IFAs necessa¡rios para a produção de medicamentos e vacinas. Apa³s aprovação de uma vacina, certamente havera¡ demanda para todos os insumos e tera¡ ini­cio uma corrida entre ospaíses. Teremos também os desafios tecnola³gicos, pois a candidata vacinal de Oxford utiliza uma técnica inovadora que o Paa­s não domina, um adenova­rus de Chipanzanã, enquanto a Raºssia usa adenova­rus humano, ambas com um gene com o ca³digo da protea­na S do coronava­rus inserido no vetor adenoviral. A candidata vacinal da Sinovac emprega uma tecnologia de va­rus inativado, o que éinteressante e representa uma vantagem na produção em larga escala, pois éuma plataforma semelhante a  de outras vacinas fabricadas pelo Butantan, como as de gripe e raiva. Tanto a Fiocruz como o Butantan tera£o que ser capazes de processar milhões de doses mensais das vacinas sem comprometer os outros projetos vacinais em andamento. a‰ preciso inicialmente preparar a formulação mais concentrada e na sequaªncia diluir, envasar, etiquetar, testar e distribuir para a população no Paa­s inteiro. Questaµes de loga­stica como armazenamento e transporte devem ser consideradas, pois trata-se de um produtosensívela  variação de temperatura.

Como se organiza a loga­stica de distribuição e vacinação

Apa³s a aprovação da ANVISA, as vacinas devem ser entregues ao Programa Nacional de Imunização do Ministanãrio da Saúde, que vai disponibilizar as vacinas no Sistema ašnico de Saúde (SUS). Desenvolver a vacina seráum grande desafio, mas temos desafios industriais de produzir vacinas em larga escala e distribuir para a população. Na³s temos o maior programa de vacinação pública no mundo, temos experiência em campanhas de vacinação em massa, tivemos experiência anterior com os surtos de sarampo e epidemia de febre amarela, eliminamos vara­ola, temos campanhas de pa³lio, gripe e nostemos mais de 37 mil locais de vacinação no Paa­s. Mas hámuitas questões de loga­stica que devem ser pensadas, como acesso a frascos para envaze, seringas, agulhas, luvas, ma¡scaras, ca¢maras frias para armazenamento das vacinas. Imunizar toda a população em umpaís tão grande, tem outros desafios, como levar aopaís inteiro, como fazer chegar nos postos de saúde, como aplicar. Temos que garantir acesso igualita¡rio a todos, usando critanãrios humanita¡rios, atendendo as populações das periferias, aos mais vulnera¡veis, as populações inda­genas, os refugiados. Temos que lembrar que o ini­cio do ano éperíodo de chuvas na regia£o norte e em alguns lugares são se chega de barco. As vacinas va£o precisar de refrigeração, não podemos perder vacinas com armazenamento, transporte. a‰ necessa¡rio um planejamento bem feito.

Quem deve ter prioridade na vacinação 

Teremos questões anãticas, como quem vacinar primeiro, mas certamente devemos priorizar pessoas que correm maior risco de doença grave ou que estejam mais expostos a ambientes com va­rus circulante, como profissionais de saúde e de segurança. Idosos e pessoas com comorbidades também pertencem aos grupos mais importantes a serem vacinados inicialmente. Na³s não sabemos se uma possí­vel vacina vai funcionar no grupo de risco, nas pessoas que de fato mais precisam de proteção, nas pessoas com comorbidades, nos mais idosos, que são mais suscetíveis a  infecção. Pode ser que a primeira vacina a ser liberada não apresente uma proteção muito alta, ou não sirva para idosos, pode ser que não seja esterilizante, não evitando que pessoas infectadas ainda transmitam o va­rus. No entanto, mesmo que oferea§a proteção apenas parcial, ou que permita uma doença mais amena, uma vacina seráútil e possibilitara¡ uma boa flexibilização da quarentena e de medidas preventivas atéque uma vacina mais robusta seja desenvolvida.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Luiz Carlos Dias  
Professor Titular do Instituto de Quí­mica da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Manãrito Cienta­fico e membro da Fora§a-Tarefa da UNICAMP no combate a  Covid-19.

 

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