Opinião

A difa­cil inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
Lei de Cotas se aproxima de completar 30 anos desde a sua promulgaa§a£o e ainda enfrenta desafios para ser plenamente cumprida
Por Samuel Ribeiro dos Santos Neto - 25/09/2020


Doma­nio paºblico

No Brasil, toda empresa com 100 funciona¡rios ou mais éobrigada por lei a ter de 2% a 5% dos seus cargos preenchidos por pessoas com deficiência. a‰ o que prevaª o artigo 93 da Lei nº 8.213/91, também conhecida como Lei de Cotas, que apesar de seus quase 30 anos ainda não éplenamente cumprida. Em se tratando de mercado de trabalho, as pessoas com deficiência ainda enfrentam muitos desafios.

“Existe um desconhecimento em relação a  legislação. a‰ algo que deveria ser institua­do nos cursos de graduação. As pessoas precisam conhecer a lei para aumentar a adesão das empresas”, explica a enfermeira Maiza Claudia Vilela Hipa³lito, que recentemente defendeu sua tese de doutorado na Faculdade de Educação Fa­sica (FEF), orientada pelo professor Gustavo Luis Gutierrez.

Intitulada Inclusão de pessoas com deficiência em empresas do setor industrial, a pesquisa analisou as visaµes de 19 gestores e profissionais de recursos humanos em três unidades de uma empresa de grande porte que atua na área de mineração e metalurgia. A ideia foi mapear prática s e políticas adotadas pelos empregadores e também as questões relativas ao acesso e a  permanaªncia de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Alerta para o Projeto de Lei que pode retirar direitos e diminuir as chances de contratação
de PCDs no mercado formal Categoria estãoem alerta para o Projeto de Lei 6159
submetido pelo Governo Federal que pode retirar direitos e diminuir as chances
de contratação de pessoas com deficiência no mercado formal

Um mercado em transformação

Para Gustavo Luis Gutierrez, professor da FEF e orientador da tese, as cotas tem diminua­do o preconceito e trazido maior aceitação social para as pessoas com deficiência. “A legislação faz parte de um movimento amplo, que envolve também o esporte parala­mpico e as lutas por acessibilidade. Ha¡ todo um esfora§o pelo resgate da cidadania e dos direitos dessas pessoas”, afirma.

Atualmente, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei 6159, submetido pelo Governo Federal ao Congresso Nacional em novembro de 2019 e que visamudanças na Lei de Cotas e no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Entre outras medidas, o projeto autoriza que as empresas substituam a contratação de PCDs pelo recolhimento mensal de dois sala¡rios-ma­nimos por cargo não preenchido, o que tem gerado cra­ticas por parte de representantes e organizações dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência. Em carta publicada em janeiro deste ano e assinada por dezenas de entidades, o alerta éde que o PL pode retirar direitos e diminuir as chances de contratação de PCDs no mercado formal.

Segundo Gutierrez, pesquisas como a realizada por Maiza são importantes porque mostram aspectos do começo do funcionamento das leis de inclusão e de uma geração de pessoas com deficiência que são recentemente entrou no mercado de trabalho. “Estamos estudando, escrevendo e registrando um processo enquanto ele estãoacontecendo”, explica o professor.

Os dados da inclusão no Brasil

O direito ao trabalho estãoprevisto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, institua­do pela Lei nº 13.146/2015, e também faz parte da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (PCD), da qual o Brasil ésignata¡rio. Mas a situação do mercado de trabalho para as PCDs ainda estãolonge do ideal. “Ha¡ poucas pessoas com deficiência trabalhando e menos ainda com emprego formal”, afirma Maiza.

Segundo nota técnica do IBGE de 2018 referente ao Censo 2010, 6,7% da população brasileira (cerca de 12,7 milhões de pessoas) possua­am algum tipo de deficiência. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018 apontam que havia cerca de 486 mil pessoas com deficiência com empregos formais naquele ano, correspondendo a cerca de 1% das ocupações no mercado formal.

Apesar de ainda ser pouco, o número tem crescido nos últimos anos: eram cerca de 418 mil PCDs formalmente empregadas em 2016 e 441 mil em 2017. O crescimento estãorelacionado com o aumento da fiscalização dos órgãos paºblicos sobre as empresas, mas também com uma melhor definição das regras da Lei de Cotas a partir de 2015, com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Desconhecimento ainda éo maior desafio

Os resultados da pesquisa realizada por Maiza Hipa³lito mostraram que ainda existe desconhecimento por parte desses gestores e profissionais de RH em relação a  legislação. Além disso, a inserção de pessoas com deficiência no setor évista por eles como um dificultador. “A maioria relata que elas devem ser inseridas na área administrativa”, conta Maiza. Os principais fatores que contribuem para isso são as barreiras arquiteta´nicas (a falta de adaptação dos Espaços fa­sicos, muito comum em sedes industriais mais antigas) e as próprias caracteri­sticas de risco do setor, como a presença de altas temperaturas ou o uso de maquina¡rio pesado. A pesquisa também constatou que háescassez de treinamento para os profissionais em relação a  inserção e manutenção das pessoas com deficiência na empresa.

Já em relação a  qualificação profissional das PCDs, Maiza conta que muitos gestores a relatam como sendo preca¡ria, o que pode ser explicado pela pouca inserção dessa população no mercado de trabalho. “O pra³prio empregador pode promover essa qualificação”, ressalta. “A empresa que pesquisei tem essa preocupação, mesmo porque édifa­cil encontrar uma PCD qualificada no setor de metalurgia”.

Apesar dos problemas identificados, a empresa cumpre a legislação vigente e possui um comitaª de diversidade que, entre outras ações, busca promover adaptações no espaço fa­sico para melhorar a inserção de pessoas com deficiência.

Para a pesquisadora, uma grande dificuldade desse tipo de estudo éo acesso aos ambientes laborais para fazer a coleta de dados. “Durante o mestrado entrei em contato com várias empresas para fazer a tese de doutorado, mas elas não da£o abertura. Foi extremamente difa­cil conseguir essa empresa”, conta. “Fica subentendido que alguns empregadores não cumprem as cotas e tem receio que a pesquisadora denuncie”.

Os limites da lei

Apesar da importa¢ncia da Lei de Cotas para a garantia de direitos, ainda existem desafios para que a inclusão acontea§a em todos os contextos no mundo do trabalho. Um deles éa própria variedade do mercado, que vai de supermercados e escrita³rios atéfa¡bricas e unidades de mineração como as visitadas por Maiza. A pouca especificidade da legislação também éum problema: a Lei de Cotas não define a quantidade de pessoas a serem contratadas em relação ao tipo de deficiência (auditiva, visual, física, intelectual) ou a  sua gravidade.

“A maioria das empresas opta por pessoas com deficiência leve. a‰ mais fa¡cil adaptar uma pessoa com amputação de um dedo, por exemplo, do que alguém com deficiência intelectual”, explica a pesquisadora.

Outro ponto levantado éque não basta apenas contratar a pessoa com deficiência para que acontea§a a inclusão. a‰ necessa¡rio qualifica¡-la e adaptar seu trabalho para que seu potencial seja aproveitado de maneira produtiva. “Contratar uma pessoa com sa­ndrome de Down e deixa¡-la na recepção para dar bom dia, boa tarde e boa noite não éa adaptação que nosbuscamos”, afirma Maiza.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Samuel Ribeiro dos Santos Neto
Mestre em Educação Fa­sica e bolsista do programa Ma­dia Ciência FAPESP no curso de especialização em Jornalismo Cienta­fico da Unicamp.

 

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