Opinião

As lições da pandemia: o que épossí­vel aprender com esta cata¡strofe?
Esperamos que os setores pola­ticos tenham aprendido algo com essa pandemia e que sejam no futuro representados por pessoas com esses valores, e que nos fazm ter orgulho deles também.
Por Charles Mady - 15/12/2020


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A pandemia que estamos enfrentando trouxe consequaªncias destrutivas, sentidas em toda a sociedade. Sofrimento fa­sico, psicola³gico e material estãomarcando nossas vidas, com feridas e sequelas profundas, que persistira£o por muito tempo. Essa enorme agressão estãodeixando lições para nós? Fila³sofos, e religiosos, de forma pragma¡tica, comentam que o sofrimento abre portas dida¡ticas para o ser humano, despertando a visão sobre erros e estimulando a criatividade para novas soluções. Na área de saúde, pública e privada, o que aprendemos com essa cata¡strofe? No setor paºblico, as universidades e o SUS deram uma demonstração do quanto eficientes podemos ser. As universidades, pola­tica e economicamente muito agredidas pelos dirigentes, mostraram resultados impressionantes, apesar da preca¡ria situação que se encontram. Ha¡ razões para isso, e a maior delas éo fator humano, que se mostrou determinado, superando todas as expectativas. Se políticas de saúde realistas, baseadas em ciaªncia, tivessem sido implementadas pelas autoridades, tera­amos tido resultados mais convincentes. Boa parte do pessoal que atuou na linha de frente foi graduada em universidades públicas, tendo conhecimento profundo da situação de nosso povo. Soube enfrentar a cata¡strofe de forma equilibrada, dentro das possibilidades dispona­veis. Nãose renderam, ficando expostos a s consequaªncias. Os hospitais universita¡rios, os que mais sofreram, tiveram que se reinventar, para se adaptarem a  nova realidade. Nãoforam raras as vezes que, com semblante de esgotamento, os reitores das estaduais se manifestaram na imprensa requisitando e recebendo ajuda de setores privados. As administrações ficaram sobrecarregadas pelos problemas que surgiam, e surgem diariamente. Nesse ponto, em nosso meio, éque o valor humano se destacou. Quando os escalaµes de segundo plano foram solicitados, sem que tenham tido cursos de administração, deram aulas de competaªncia e criatividade. Foram educados para ensinar, atender, e fazer ciaªncia, com responsabilidades administrativas limitadas. Se modernizaram, mostrando sua excelaªncia. Isto demonstra a importa¢ncia de um corpo administrativo profissional, junto aos recursos humanos de saúde, que tem outras obrigações. Empresas com corpos administrativos insuficientes tendem ao fracasso. As ranãdeas devem estar nas ma£os de profissionais qualificados para essas finalidades, em tempo integral, aconselhando e construindo soluções.

Este éum aspecto cultural antigo em hospitais universita¡rios. O acaºmulo de atividades acadaªmicas consome quase todo o tempo dispona­vel. Sera¡ que, com estrutura administrativa mais poderosa, os resultados teriam sido melhores? Outro ponto a se destacar foi a forma como as ciências de saúde enfrentaram o problema. Projetos cienta­ficos de qualidade internacional foram elaborados por pesquisadores, produzindo excelentes resultados. Sa£o cabea§as que teriam sucesso em qualquer centro universita¡rio do mundo. Estão eles sendo valorizados? Os setores pola­ticos entendem o progresso que isso nos traz? Eles compreenderam o valor dessas pessoas? Esse pessoal tem muito a aprender com a saúde de nossopaís, como já comentamos recentemente no artigo “A saúde como exemplo”, na Folha de S. Paulo. As academias são barreiras na pretensa pola­tica de destruição das universidades e hospitais paºblicos. Sa£o reconhecidos internacionalmente.

Ha¡ falhas e imperfeições, mas, ao invanãs de apoiar, ajudar a evoluir, assumem atitudes destrutivas. A pergunta que deve ser feita équal ou quais seriam as intenções dessas orientações? Ideola³gicas? Materiais, representando grupos com outros interesses? Fica a impressão de que, nos bastidores, o caminho para enfraquecer as academias e saúde públicas estãosendo devidamente pavimentado. Negar valor e desqualificar, com intenções destrutivas, revela profunda ignora¢ncia, ou desonestidade intelectual. O sentimento de desolação éna­tido em nossos corredores.

Outro setor a se destacar éo SUS. a‰ um sistema de saúde muito bem elaborado para o atendimento de toda a população. Foi introduzido sem base administrativa adequada na ocasia£o. Gerencia¡-lo foi, e anã, um desafio. A falta de recursos e a burocratização não impediram que os bons resultados surgissem, e se mostrou indispensa¡vel. a‰ evidente que esse sistema deve ser aprimorado, precisando, para isso, vontade pola­tica, com pessoas preparadas. Sua importa¢ncia, para a saúde no Paa­s, éindiscuta­vel. Muitos estãomigrando de planos suplementares, aumentando mais a sua responsabilidade. O que teria ocorrido se o SUS não tivesse atuado como atuou?

Importante enaltecer a rede privada hospitalar, abrindo portas, quando a pública estava prestes a se esgotar. Essa associação foi um sinal de maturidade e responsabilidade, colocando recursos a  disposição, recebendo elogios de todos. Lembramos que boa parte de seus profissionais foi formada na rede pública.

Para concluir, essa pandemia evidenciou o que temos de melhor, ou seja, recursos humanos altamente qualificados, que souberam reagir a  altura em um momento muito difa­cil. Esperamos que os setores pola­ticos tenham aprendido algo com essa pandemia e que sejam no futuro representados por pessoas com esses valores, e que nos fazm ter orgulho deles também.

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com


Charles Mady
Professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP

 

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