As melhores decisaµes são as assentadas em dados, em experiências prévias. Atualmente já háuma quantidade considera¡vel de trabalhos publicados sobre os impactos do lockdown na contena§a£o da pandemia pelo mundo.

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O surgimento da cepa P.1, também conhecida com variante de Manaus, mudou a dina¢mica da pandemia no Brasil. Notadamente mais transmissavel, essa variante vem transformando em tsunami a segunda onda de propagação do novo coronavarus com aumento descontrolado nos números de a³bitos e de novos casos a partir de meados de fevereiro de 2021.
A alta demanda mundial por vacinas e a consequente baixa disponibilidade dos imunizantes estãoretardando o avanço da vacinação no Brasil e em alguns outrospaíses. Além das medidas de higienização, utilização de máscaras e distanciamento social, não parece haver solução de curto prazo. O avanço da pandemia por aqui estãoaumentando a pressão sobre o sistema de saúde e o recrudescimento em diferentes graus das medidas de redução de conta¡gio tem sido a única opção para diminuir a transmissibilidade, o número de casos e a³bitos.
Entre a conhecida ordem de permanaªncia “fique em casa†e o restrito bloqueio ou lockdown, estãoincluadas medidas como toques de recolher, quarentenas e bolhas sanita¡rias. Ha¡ uma gradação entre as medidas restritivas e o termo lockdown tem sido reservado a situações em que se proabe a circulação de pessoas e o funcionamento de servia§os considerados não essenciais.
No Estado de Sa£o Paulo foi decretada uma fase emergencial, mais restritiva que a fase vermelha do Plano Sa£o Paulo, a partir do dia 15 de mara§o e estendida recentemente até11 de abril. As restrições dessa fase foram consideradas insuficientes por algumas cidades que optaram por medidas ainda mais limitativas e em diferentes naveis. Como exemplos, Ribeira£o Preto optou por um curto lockdown entre 17 e 21 de mara§o e em Sa£o Josédo Rio Preto o lockdown foi feito entre 17 e 31 de mara§o. Ainda écedo para avaliar os efeitos dessas medidas.
Em Araraquara, o lockdown foi adotado em fevereiro e os resultados da medida já são mensura¡veis. Em 21 de fevereiro, a ocupação dos leitos (enfermaria e UTI) na cidade chegou a 100%, e o lockdown foi decretado por 10 dias entre 21 de fevereiro e 2 de mara§o. A média ma³vel de novos casos atingiu um ma¡ximo de 138 em 27 de fevereiro (sete dias portanto após o inicio das medidas de restrição). A partir de então, a média começou a cair e encontra-se aparentemente estacionada em torno de 70 novos casos dia¡rios hámais de duas semanas. A situação ainda estãolonge da ideal, claro, mas a contanua queda no número de novos casos já estãorefletindo na diminuição na ocupação de leitos hospitalares e no número de a³bitos, cuja média ma³vel atingiu um ma¡ximo em 17 de mara§o e começou a cair. A diminuição da taxa de ocupação de leitos e no número de a³bitos são considerados parametros tardios e que podem ser previstos a partir da queda no número de novos casos, como observado claramente nesse caso de Araraquara.
A comparação da dina¢mica da pandemia nas cidades de Sa£o Carlos e Araraquara parece bastante oportuna pela similaridade de caracteristicas importantes como a população total (em torno de 245 mil habitantes) e densidade demogra¡fica, andice de desenvolvimento humano (IDH) e pira¢mides eta¡rias.
Em Sa£o Carlos não houve lockdown mas os efeito das restrições da fase emergencial do estado também já são notadas. Dados oficiais consultados em 31 de mara§o revelam uma diminuição de 9% no número de novos casos na última semana. Colocada em perspectiva, essa queda contrasta com a tendaªncia de aceleração da pandemia nopaís, e com os recordes nos números de casos e de a³bitos registrados nesse período.
A média ma³vel dos novos casos dia¡rios em Sa£o Carlos subiu até158 em 22 de mara§o, oito dias portanto após o inicio da fase emergencial. Desde então, essa média vem caindo lentamente e chegou a 123 novos casos em 31 de mara§o. A melhoria na situação do sistema de saúde e na ocupação hospitalar deve comea§ar a ocorrer apenas quando esse número cair, de forma consistente, a cerca de metade desse valor, como em Araraquara. Chama a atenção o fato de que o inicio da queda na média ma³vel de novos casos ocorreu a partir do nono dia após o inicio da fase mais restritiva; como dito, em Araraquara, essa diminuição começou aos oito dias do lockdown. Além do mais, o número ma¡ximo de a³bitos em um aºnico dia éo mesmo em ambas as cidades, 14, e ocorreu em mara§o. Essas semelhanças reforçam a validade da comparação da dina¢mica da pandemia nas duas cidades. Extrapolando essa comparação para o número de vitimas fatais, pode-se estimar que a média ma³vel do número de a³bitos em Sa£o Carlos continuara¡ crescendo atéa segunda semana de abril, caso medidas adicionais não sejam tomadas.
A análise das taxas de isolamento indica que as restrições da fase emergencial do Plano Sa£o Paulo foram suficientes para que Sa£o Carlos atingisse naveis compara¡veis ao observado durante o lockdown em Araraquara, entre 41/42 e 54%.
A situação atual da pandemia, as imagens dos hospitais lotados, faltas de insumos, etc. pressionam as autoridades e agua§am o sentimento de urgência, de que épreciso fazer alguma coisa. Como dito, além da vacinação em massa, parece restar apenas a adoção de medidas mais ragidas de redução de conta¡gio. As decisaµes envolvidas no recrudescimento das medidas de isolamento social são geralmente complexas pois envolvem muitas varia¡veis.
A ocupação de cerca de 90% dos leitos hospitalares sinaliza claramente e necessidade de adoção de medidas mais ragidas. O planejamento da extensão dessas éessencial: o que pode e o que não pode; o que abre e o que fecha e em que o hora¡rio. A própria definição do que éou não essencial tem sido motivo de muito debate. A antecedaªncia do anaºncio das restrições e o planejamento do período entre o anaºncio e o inicio do lockdown também tem se mostrado importantes e aglomerações foram observadas em supermercados de muitas cidades durante esse intervalo. A duração das medidas éum para¢metro cratico.
A recomendação do Observatório Covid-19 da Fiocruz éde que a restrição de circulação e a suspensão das atividades não-essenciais durem cerca de 14 dias. Nesse sentido, melhorias apenas modestas são esperadas para bloqueios curtos como o de cinco dias adotado em Ribeira£o Preto. Ainda segundo o Boletim recente da Fiocruz, recomenda-se que as medidas de restrição sejam adotadas não de forma isolada, mas que tenham uma perspectiva regional. O ideal seria a adoção de ações coordenadas envolvendo os naveis municipal, estadual e federal da administração pública, mas essa coordenação parece esbarrar no problema da falta generalizada de liderana§as que viabilizem a articulação. Estratanãgias envolvendo ampla testagem e isolamento dos casos são bastante efetivas, menos danosas a economia e tem sido relativamente pouco utilizadas por aqui. Finalmente, a fiscalização das medidas adotadas e o acompanhamento contanuo dos resultados são fundamentais.
As melhores decisaµes são as assentadas em dados, em experiências prévias. Atualmente já háuma quantidade considera¡vel de trabalhos publicados sobre os impactos do lockdown na contenção da pandemia pelo mundo. A efetividade das medidas depende de vários fatores. No Brasil, a situação econa´mica e a politização da pandemia dificultam ainda mais o gerenciamento da crise e as decisaµes sobre medidas de restrição de conta¡gio. Os dados por aqui ainda são relativamente escassos e as experiências de Araraquara e Sa£o Carlos devem ser consideradas.
*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com
Hamilton Varela
Professor titular do Instituto de Química de Sa£o Carlos da USP