Opinião

Retorno a s aulas: ainda sabemos muito pouco
Enquanto não tivermos uma parcela considera¡vel da populaa§a£o vacinada, nossas únicas precaua§aµes são o distanciamento social e os cuidados com a higiene.
Por Marcelo Takeshi Yamashita - 13/04/2021


Na imagem acima, professora usa spray de a¡lcool para desinfetar as ma£os dos alunos em sala de aula. Crédito: IStock.

No dia 27 de mara§o, o governador Joa£o Doria (PSDB) publicou um decreto que estabelece como essenciais as atividades relacionadas ao ensino. Uma matéria da Folha de S.Paulo relaciona esse decreto com um possí­vel aumento da pressão pelo retorno a s aulas presenciais e menciona o Movimento Escolas Abertas. Nesse mesmo jornal, as fundadoras desse movimento defendem uma reabertura das escolas baseada principalmente na menor transmissibilidade da doença pelas criana§as, motivo corroborado pelo secreta¡rio de Educação do Estado de Sa£o Paulo, que também acrescenta de maneira descabida que “a sociedade não se importa com a educação“.

Na escola aprendemos que alternativas que generalizam afirmações podem, na maioria das vezes, ser eliminadas em questões de maºltipla escolha. Isso porque generalizações são provenientes em grande parte de uma análise rasa de alguma questãocomplexa. Ou, como diria o jornalista norte-americano H. L. Mecken (1880-1956), para todo problema complexo, hásempre uma solução simples e errada. No caso do retorno a s aulas, não épossí­vel fazer uma análise única, geral, considerando-se apenas a questãodo conta¡gio em criana§as na perspectiva de uma classe média com acesso a escolas e vea­culos particulares.

Uma grande parte da população serve-se de um transporte paºblico lotado e toda uma cadeia de profissionais precisa ser deslocada para que as aulas acontea§am. Nessa situação, a transmissibilidade da doença em criana§as ésomente um dos fatores a serem considerados na constituição de uma pola­tica pública. Além disso, éina³cua a redação de protocolos bem definidos numa realidade de escolas públicas preca¡rias com equipes de limpeza reduzidas, janelas que não abrem e problemas de fornecimento de a¡gua.

Desigualdades

Da mesma maneira que não épossí­vel uma análise única de escolas com realidades tão da­spares, também não éapropriado considerar que o ensino remoto teve o mesmo impacto nas fama­lias de um Brasil que ocupa a nona colocação depaís mais desigual do mundo, segundo ca¡lculos do Banco Mundial. De acordo com o IBGE, quase 30% da população brasileira sequer tem acesso a  internet e a diferença da densidade de moradores por classe de renda varia de 2,7 pessoas por dormita³rio para os pobres da Regia£o Norte até1,5 pessoas para os ricos da Regia£o Sul, como mostra o livro “Legado de uma Pandemia”.

Os para¡grafos anteriores descrevem somente algumas consequaªncias da pandemia no agravamento da desigualdade social. A situação que se impaµe mostra uma realidade cruel onde a população mais afetada pelos aspectos negativos do ensino remoto também seria a mais afetada pela exposição ao va­rus com o retorno a s aulas presenciais. Ainda que faz parte de uma evidência aneda³tica, vale mencionar que o estabelecimento de um protocolo ra­gido para criana§as em torno de sete anos éalgo quase fantasioso: quem tem a oportunidade de acompanhar aulas com parte da turma na escola e a outra online vaª que abraa§os, salas comuns sem higienização entre a troca de turmas e uso inadequado de EPIs são coisas corriqueiras.

Divulgação apressada

No momento em que presenciamos o recrudescimento da pandemia e a quadruplicação do número de criana§as e adolescentes infectados, no dia 30 de mara§o a Folha divulgou um estudo cuja conclusão foi a de que “a volta a s aulas não afetou o ritmo da pandemia de Covid-19 nos 131 munica­pios paulistas que reabriram escolas de outubro a dezembro do ano passado, na comparação com os que não abriram”.

Além de desconsiderar que trata-se de um preprint osum texto em publicação preliminar, que não passou pela revisão por pares os“o estudo citado simplesmente não analisa o efeito das aulas porque, da maneira que foi feito, não épossí­vel observar e concluir nada sobre o efeito das aulas”, como explicamos eu e o professor Otaviano Helene, do Instituto de Fa­sica da USP, em artigo na Revista Questãode Ciência. Isso mostra que o desastre da cloroquina, turbinado pela divulgação apressada de preprints por jornalistas, ainda não foi suficiente para alertar a imprensa para esse tipo de armadilha.

Distanciamento e higiene

a‰ verdade que sabemos mais sobre a pandemia em comparação com o ano passado, mas ainda émuito pouco. Precisamos entender melhor as novas variantes que pipocam por aa­. Nesse contexto, a equação a ser resolvida para decidir sobre o retorno das criana§as a s aulas não ésimples e sua solução deve ir muito além de declarações rasteiras ou sensacionalistas que veladamente possam carregar um interesse mercadola³gico.

Sem vida não existe economia. Sem vida não existe educação. Enquanto não tivermos uma parcela considera¡vel da população vacinada, a única maneira de nos precavermos épor meio do distanciamento social e de cuidados com a higiene. Dados cienta­ficos mostram que, do ponto de vista psicola³gico, a população mundial foi resiliente a  pandemia e a s medidas restritivas. Aguentemos um pouco mais.

*As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

Marcelo Takeshi Yamashita
Assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Fa­sica Tea³rica (IFT) no período de 2017 a 2021 e émembro do Conselho Editorial da Revista Questãode Ciência.

 

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