Opinião

Joaquim Nabuco e Oliveira Vianna e os infortúnios da República! osParte 1
Os argumentos de Nabuco para justificar a transformação pessoal revelam racioca­nio arguto que, cedo, percebeu os perigos para a nação do radicalismo revoluciona¡rio de qualquer natureza, seja republicano ou socialista.
Por Geraldo Filho - 11/12/2021


Doma­nio paºblico

O socia³logo alema£o Niklas Luhmann apontou uma questãocuja resposta permite a existaªncia de sociedades de humanos que misteriosamente adquiriram a “consciência de si” (portanto, “sabem” que existem como pessoas singulares) em contraposição a s outras espanãcies que também vivem em sociedades, cujos participantes “não tem a consciência de si” (portanto, “não sabem” que existem, apenas “sentem que existem”). Isto não éum jogo de palavras, mas a descrição fundamental da condição emocional preca¡ria e insta¡vel de seres que passaram a “compreender” que nasceram, poranãm não pediram para nascer; “compreendem” que são mortais, no entanto não querem partir; “compreendem” que tem necessidades e desejos, contudo não podem satisfazer a maioria! Diante deste quadro desalentador a questãoindicada por Luhmann anã: Como podem os humanos construir a ordem social de cada sociedade para conseguirem viver em paz?! Ou, de outra maneira, como podem minimamente chegar a um consenso no qual as exigaªncias da coletividade também permitam a manifestação das caracteri­sticas inerentes a cada pessoa original?! (LUHMANN, 2018)

Por a³bvio as respostas a  questãosão tensas e inacabadas, elas formam o conjunto de todas as sociedades que resultaram da experiência hista³rica da espanãcie sapiens no planeta, dentre elas a brasileira. Uma conclusão se impaµe: Nenhuma delas atingiu padrãototalmente satisfata³rio para os desafios de uma ordem social ideal! Os humanos tem de se contentar com “aproximações” de uma ordem que equilibre imposições da coletividade com expressaµes de individualidades. Por que étão difa­cil a conquista deste equila­brio?!

Provavelmente porque a aquisição da “consciência de si” ainda não se provou suficientemente vantajosa (pelo menos sob a perspectiva emocional) para a evolução adaptativa da espanãcie sapiens!

Sim, na perspectiva estritamente biológica os sapiens se espalharam pelo planeta e colonizaram todos os biomas, tornado-se a espanãcie dominante (WILSON, 2013). Mas, por outro lado, quais as vantagens de tudo isto se a “consciência de si” expaµe toda a fragilidade emocional e impotaªncia diante das limitações da existaªncia?! Aqui se chega a  encruzilhada entre o mundo da ciência sociobiológica e o mundo divino, cuja intersecção explicativa foge a s capacidades cognoscitivas humanas. Diria somente: Eis o mistério da fanã! 

Tendo em mente que não háordem social ideal, apenas “aproximações” que equilibram de maneira danãbil coletividade X individualidade, observem o Brasil e seu ordenamento pola­tico, que foi construa­do na transição do Impanãrio para a República.
A ordem social de uma sociedade érepresentada pelas instituições políticas que criam o ordenamento pola­tico. No Brasil da independaªncia esse ordenamento se constituiu como Impanãrio, no qual o Imperador era Chefe de Estado e Chefe do Poder Moderador; o Primeiro Ministro, por sua vez, escolhido pelo Imperador no Parlamento (Poder Legislativo) era o Chefe de Governo (Poder Executivo), com a obrigação de formar um “gabinete” para administrar o vasto territa³rio imperial.

Ao se analisar de uma distancia temporal de quase 200 anos o arranjo pola­tico concebido por Pedro I, consagrado pela Constituição de 1824, que uniu o Principio Absolutista dos antigos estados nacionais monarquistas da Europa (o Poder Moderador, acima dos demais poderes, tendo a função de mediar possa­veis conflitos entre eles) com o Principio Parlamentar (o “gabinete” ministerial) das repúblicas democra¡ticas (que estavam germinando desde a Carta de Joa£o Sem-Terra, na Inglaterra de 1212), constata-se que ele obteve sucesso, pois perdurou por 65 anos, até1889, com a Proclamação da República, atéhoje o mais longo período de estabilidade pola­tica do Brasil independente. Pera­odo marcado por convulsaµes internas e guerras externas, que, no entanto, não abalaram os alicerces lana§ados pelo gaªnio pola­tico do primeiro imperador. Por que foi assim?!

"A República fez um mal terra­vel ao Brasil, cujas consequaªncias o atingem 132 anos após a Proclamação! O mesmo legado de instabilidade pola­tica e desordem social que os franceses receberam como herana§a da Revolução de 1789 os brasileiros receberam como resultado de 1889, exatos 100 anos depois". 


Apesar de inspirado no ordenamento pola­tico representado pela monarquia parlamentar inglesa, Pedro I percebeu que suas instituições políticas não poderiam ser replicadas literalmente no Brasil, objetivo dos constituintes de 24, que almejavam neutralizar o poder de comando do Imperador, como fizeram os nobres na Inglaterra, ao transformarem o Rei em Chefe de Estado, uma instituição pola­tica cerimonial, sem função executiva alguma. Como um socia³logo na função de cientista pola­tico Pedro I notou que a formação hista³rica e geogra¡fica do Brasil pulverizou pelas prova­ncias (os antigos estados) grupos sociais com interesses estritamente circunscritos a s próprias regiaµes de influencia pola­tica e econa´mica, sem qualquer dimensão de interesse nacional (VIANNA, 2000), de unidade nacional, cuja única instituição pola­tica concreta era simbolizada pelo Imperador e a Corte.

Os arroubos republicanos dos constituintes de 24 certamente levariam a  fragmentação do imenso territa³rio imperial em pequenas nações independentes (como aconteceu após a desintegração do Impanãrio Espanhol nas Amanãricas), que dentro de pouco tempo iriam a  guerra em decorraªncia das tendaªncias expansionistas dos grupos locais de cada prova­ncia, consequaªncia natural das atividades econa´micas, agra­colas ou de pecua¡ria extensivas, que obrigavam a procura por terras agriculta¡veis e recursos ha­dricos.

Conforme sua intuição pola­tica Pedro I fechou a Constituinte e outorgou a Constituição de 1824, salvando a integridade nacional ao adotar uma monarquia parlamentar com o Poder Moderador. Assim, centralizou o poder no Trono, como uma força centra­peta a segurar as oligarquias provinciais na sua a³rbita, arbitrando os interesses dos cla£s pola­ticos no Parlamento da Corte, dividido em liberais e conservadores. Esse arranjo institucional eficiente foi legado a Pedro II até1889, quando foi destrua­do pela República.

A República fez um mal terra­vel ao Brasil, cujas consequaªncias o atingem 132 anos após a Proclamação! O mesmo legado de instabilidade pola­tica e desordem social que os franceses receberam como herana§a da Revolução de 1789 os brasileiros receberam como resultado de 1889, exatos 100 anos depois. 

O reconhecimento factual disto não significa, por outro lado, que a ordem social do Impanãrio fosse a ideal, afinal havia o problema da escravida£o, no entanto esse desafio estava sendo enfrentado e resolvido nos limites da visão conservadora que caracterizava toda monarquia secular e a brasileira não seria exceção (herdeira de longa tradição dina¡stica: Bragana§a e Habsburgo). Nãosignifica também que a visão econa´mica dos conservadores e liberais do Impanãrio fosse a mais adequada, pelo contra¡rio, entre eles predominava forte influaªncia da tradição econa´mica francesa fisiocrata, pela qual a riqueza verdadeira era a extraa­da da terra e não a resultante das atividades fabris de transformação que se disseminavam velozmente no século XIX, em decorraªncia das revoluções industriais.

O reconhecimento da relativa estabilidade pola­tica do Impanãrio, sobretudo durante o reinado de Pedro II, apontava para um caminho de reformas que vinham sendo realizadas por gabinetes (“pasmem”) conservadores (de acordo com o espa­rito da teoria conservadora inglesa!), lentas éverdade, mas que progressivamente levariam opaís para a modernização segura! E quem atesta isso éJoaquim Nabuco, um dos mais importantes pola­ticos e diplomatas do Brasil, pouqua­ssimo conhecido (a não ser por nome de rua!) e nunca estudado nas faculdades de sociologia e direito dopaís, quando, no entanto, teria muito a ensinar as gerações atuais de professores e alunos.

A autobiografia Minha formação, escrita em 1900, da qual destacarei a dimensão pola­tica, descreve sua conversão de um jovem republicano radical, iconoclasta, em um defensor da monarquia parlamentar. Os argumentos de Nabuco para justificar a transformação pessoal revelam racioca­nio arguto que, cedo, percebeu os perigos para a nação do radicalismo revoluciona¡rio de qualquer natureza, seja republicano ou socialista.

A maturidade dos 51 anos, quando escreveu Minha formação, transparece na lembrana§a dos tempos de Colanãgio Pedro II (1860-1865) e na imagem do pai: 

(...) eu não tinha sido ainda invadido pelo espa­rito de rebeldia e independaªncia, por essa petula¢ncia da mocidade que me fara¡ mais tarde, na Academia, contrapor a s vezes o meu modo de pensar ao dele [seu pai, senador Nabuco de Araaºjo], em lugar de apanhar religiosamente, como faria hoje, cada palavra sua. (NABUCO, 2004, p. 18)

Em seguida relata como ao entrar na “Academia”, Faculdade de Direito de Sa£o Paulo, em 1866, aos 16/17 anos, tomou contato com o liberalismo igualitarista republicano, iniciando batalha interior que são encerrou com o contato com as ideias de Walter Bagehot sobre a monarquia parlamentar inglesa:

Na situação em que fui para Sa£o Paulo cursar o primeiro ano da Academia eu não podia deixar de ser um estudante liberal. (...) 
As minhas ideias eram, entretanto, uma mistura e uma confusão; havia de tudo em meu espa­rito. (...)
Posso dizer que não tinha ideia alguma, porque tinha todas. (NABUCO, 2004, p. 18-19)

Nabuco não sabia, mas a profusão de ideias e indefinições éprópria de um cérebro adolescente/jovem em reprocessamento no caminho da maturidade, fena´meno comprovado pala Neurociênciae pela sociobiologia faz pouco tempo (COSTA FILHO, 2018), o que implica, muitas vezes, tomada de decisaµes equivocadas, que são sera£o corrigidas com arrependimento (quando acontece) décadas depois:

Quando entrei para a Academia, levava minha fécata³lica virgem; sempre me recordarei do espanto, do desprezo, da comoção com que ouvi pela primeira vez tratar a Virgem Maria em tom libertino; em pouco tempo, poranãm, não me restava daquela imaginação senão o pa³ dourado da saudade... Ao catolicismo são vinte e tantos anos mais tarde me serádado voltar por largos circuitos [caminhos] de que ainda um dia, se Deus me der vida, tentarei reconstruir o complicado roteiro. (NABUCO, 2004, p. 19)

Quanto a  guerra interior entre convicções monarquistas e republicanas que opunha na arena pola­tica do Impanãrio conservadores e liberais monarquistas (incluindo seu pai) contra liberais republicanos radicais ela se decidiu quando leu A constituição inglesa (1867), de Walter Bagehot:
(...)


Prof. Dr. Geraldo Filho 
Universidade Federal do Delta do Parnaa­ba  (UFDPar)


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