Saúde

Cientistas descobrem como age o va­rus que agrava a leishmaniose
Va­rus
Por Rosemeire Talamone - 21/11/2019


Leishmania - Foto: Wikimedia Commons CC

Casos graves de leishmaniose, que desfiguram a face dos doentes e podem levar a  morte, são causados pelo parasita Leishmania infectado por um va­rus, o Leishmania RNA va­rus (LRV). Esse fato já era conhecido da ciaªncia, mas agora pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP descobriram a forma como o va­rus age no organismo humano para agravar a doena§a. 

A leishmaniose éendaªmica na Amanãrica Latina e, segundo a ONG Manãdicos Sem Fronteiras, trata-se da segunda doença transmitida por parasita que mais mata no mundo. No Brasil, o Ministanãrio da Saúde registra cerca de 21 mil novos casos todos os anos, a maioria na regia£o Norte, seguida das regiaµes Centro-Oeste e Nordeste.

Um grande número de doentes apresenta lesões na pele. Ha¡, no entanto, casos mais graves, em que as lesões se espalham pelo corpo: éa chamada leishmaniose mucocuta¢nea, forma mais grave da doena§a, que surge nas mucosas, frequentemente nariz, boca e garganta. Essas lesões podem se tornar desfigurantes e são bastante graves.

Quando atingem o nariz, as lesões podem causar entupimentos, sangramentos, coriza, aparecimento de crostas e feridas. Quando atingem a garganta, os sintomas são dor ao engolir, rouquida£o, tosse.

Em alguns casos, os doentes com leishmaniose cuta¢nea se recuperam. Em muitos outros, a doença progride para a fase mucocuta¢nea e os pacientes chegam atémesmo a morrer. 

O pesquisador Renan Carvalho desenvolveu sua pesquisa de doutorado na FMRP com o objetivo de entender o que provoca a esses casos mais graves de leishmaniose. Junto ao seu orientador, o professor Dario Zamboni, Carvalho identificou os alvos celulares do sistema imunológico humano atacados pelo va­rus LRV.

Desarmando o sistema de defesa


Ao confirmar que os casos mais graves, decorrentes da leishmaniose mucocuta¢nea, são provocados pelo parasita infectado pelo va­rus LRV, os pesquisadores também conseguiram compreender como o va­rus atua ao aumentar a gravidade das lesões mucocuta¢neas. Para isso, eles estudaram, em laboratório, material coletado de pacientes doentes e analisaram a doença em ratos.

Os cientistas verificaram que o va­rus, introduzido no organismo pelo parasita da Leishmania, ativa um receptor nas células humanas chamado TLR3. Apa³s essa ativação, o sistema imunológico comea§a a produzir interferon tipo 1. O interferon, por sua vez, induz a autofagia das células humanas. Autofagia éo processo de degradação e reciclagem de componentes da canãlula.

O professor Dario Zamboni conta que quando o sistema imune comea§a a produzir interferon do tipo 1, as células humanas ficam muito mais vulnera¡veis. Isto acontece porque a presença do interferon impede a ação do inflamassoma, que éum conjunto de protea­nas do sistema imune que ajuda a combater a infecção. Arma importante para matar o protozoa¡rio Leishmania, “o inflamassoma ajuda nossas células a se defender do parasita”. 

a‰ como se o va­rus LRV “driblasse nosso sistema imune”, comenta Renan Carvalho. Agora, “entendemos como o va­rus age para manipular as defesas do nosso organismo e favorecer o crescimento do parasita”. Sem o va­rus, diz o pesquisador, “desenvolvemos uma resposta imune que, muitas vezes, écapaz de eliminar o parasita, mas na presença do va­rus ele consegue driblar nosso sistema imunológico” e provocar os problemas faciais da leishmaniose tegumentar mucocuta¢nea.

Caminho aberto para novos tratamentos


De acordo com Carvalho, essa descoberta éimportante porque abre novas perspectivas para o desenvolvimento de terapias para a doena§a. “Se conseguirmos direcionar tratamentos que atuem nesses alvos manipulados pelo va­rus, poderemos melhorar o combate ao parasita promovido pelo nosso sistema imune e impedir o agravamento da doena§a”, diz.

E são esses os pra³ximos passos da pesquisa, garante o pesquisador. Como já comprovaram os achados tanto in vitro (culturas de células humanas) quanto in vivo (animais de laboratório), agora eles devem validar os achados em humanos. Segundo Carvalho, o mais importante éque as descobertas já podem orientar os médicos para novas abordagens terapaªuticas para a leishmaniose.

O pesquisador diz que se um paciente estiver com diagnóstico confirmado da doena§a, deve-se verificar também, atravanãs de técnicas de biologia molecular, a presença ou não do va­rus. Se o parasita tiver o va­rus, “talvez o manejo cla­nico desse paciente tenha que ser diferenciado”, alerta Carvalho.

“Sem o va­rus, desenvolvemos uma resposta imune que, muitas vezes, écapaz de eliminar o parasita, mas na presença do va­rus ele consegue driblar nosso sistema imunológico”


Os resultados desse estudo acabam de ser publicados na Nature Communications,  pelos pesquisadores Carvalho e Zamboni e equipe nos laboratórios da FMRP, no a¢mbito do Centro de Pesquisas em Doena§as Inflamata³rias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiado pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp). 

 

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