Saúde

Os benzodiazepa­nicos são os novos opioides?
Os especialistas em dependaªncia de Yale acreditam que o sistema de atenção prima¡ria pode desempenhar um papel fundamental na prevena§a£o de outra epidemia.
Por Jennifer Chen - 17/12/2019

Crédito: Getty Images
Entre 1996 e 2013, o número de benzodiazepa­nicos prescritos para adultos aumentou 67%, para 135 milhões de prescrições por ano, e a quantidade prescrita por paciente mais que triplicou durante esse período. David Fiellin, MD, teme que a trajeta³ria da prescrição de benzodiazepa­nicos leve a uma epidemia de medicamentos em consona¢ncia com a crise dos opia³ides.

Imagine que vocêtem o tipo de ansiedade paralisante, onde vocêfica deitado sem dormir na cama a  noite, com os pensamentos acelerados. Vocaª se sente paralisado no trabalho porque cada decisão parece uma que o levara¡ a ser demitido. Vocaª já tentou de tudo, desde medicamentos anti-ansiedade atéterapia, mas nada ajuda.

A ansiedade como condição médica atormenta os seres humanos háséculos. Seja o estoicismo na Granãcia antiga ou o cheiro de sais durante a era vitoriana, as pessoas tentaram uma variedade de soluções para a doena§a.

A década de 1970 deu ini­cio a outra: uma classe de medicamentos chamados benzodiazepa­nicos. Esses medicamentos demonstraram tratar a ansiedade que anteriormente não respondia a nenhum outro tratamento e ajudava na insa´nia . Eles forneceram ala­vio para muitos pacientes e foram desenvolvidos para substituir outra categoria de medicamentos chamados barbitaºricos.

Os barbitaºricos foram uma das primeiras drogas poderosas desenvolvidas para a ansiedade, mas apresentaram desafios, incluindo fortes efeitos colaterais. Por um lado, era difa­cil medir a dose certa - uma overdose podia deprimir o sistema nervoso central o suficiente para causar coma ou morte. Por outro lado, eles eram viciantes porque proporcionavam ala­vio imediato da ansiedade em um curto período de tempo e resultavam emmudanças na química do cérebro que levavam a  tolera¢ncia, abstinaªncia e perda de controle sobre o uso. Como resultado, os barbitaºricos rapidamente se tornaram uma droga de abuso, levando a dezenas de milhares de mortes por overdose.

Mas os benzodiazepa­nicos também apresentaram riscos imprevistos. Eles trabalham ligando-se a receptores no cérebro chamados GABA, trazendo calma e sonolaªncia. Mas, com o tempo (cerca de 4 semanas em 50% dos pacientes, diz David Fiellin, MD , especialista em medicina interna e medicina da toxicodependaªncia da Yale Medicine), vocêpode precisar de doses mais altas para obter a mesma sensação de ala­vio. Embora levem mais tempo do que os barbitaºricos para causar uma reação, os benzodiazepa­nicos ainda podem ser viciantes. As pessoas que estãonelas hámuito tempo também acham difa­cil parar de toma¡-las devido a sintomas de abstinaªncia, como aumento de tensão e ansiedade, ataques de pa¢nico e tremores nas ma£os.

E, no entanto, por serem tão aºteis e a ansiedade ser um problema tão debilitante (e crescente), as taxas de prescrição dispararam. Entre 1996 e 2013, o número de benzodiazepa­nicos prescritos para adultos aumentou 67%, para 135 milhões de prescrições por ano, e a quantidade prescrita por paciente mais que triplicou durante esse período. 

Outra crise de opia³ides?


O Dr. Fiellin estãopreocupado que a trajeta³ria da prescrição de benzodiazepa­nicos leve a uma epidemia de medicamentos em consona¢ncia com a crise dos opia³ides. Existem paralelos. As prescrições de opia³ides aumentaram drasticamente após a entrada em vigor de novos mandatos para gerenciar a dor de maneira eficaz nos estabelecimentos de saúde nas décadas de 1980 e 1990. Esses mandatos - junto com o marketing de empresas farmacaªuticas, suposições falsas sobre a capacidade dos opioides de tratar a dor crônica e atenção inadequada a seus riscos - podem ter causado um aumento nas prescrições de opia³ides de 670.000 para 6,2 milhões entre 1997 e 2002. Em 2017, havia quase 58 prescrições opia³ides escritas para cada 100 americanos, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doena§as (CDC), que soma quase 190 milhões de prescrições por ano. Isso éparalelo ao número de prescrições de benzodiazepina atualmente sendo escritas a cada ano. As altas taxas de prescrição nos dois casos também levaram ao desvio de drogas - o fena´meno em que as drogas prescritas legalmente entram no cena¡rio das drogas ila­citas.

Entre os adolescentes, as taxas de dependaªncia de benzodiazepa­nicos já superaram as taxas de dependaªncia de opia³ides.Eles atéentraram na cultura popular. As letras que normalizam o benzodiazepa­nico usam as paradas mais populares da música, e as postagens de Instagram de alguns maºsicos são dominadas por fotos ou menções a Xanax. Exemplos: Um gaªnero de música chamado emo-rap normaliza o uso de benzodiazepa­nicos com letras como: “Eu oua§o vozes na minha cabea§a, elas me dizem para desistir / encontrei Xanax na minha cama, peguei isso, voltei a dormir . ”Essas frases em particular são do emo-rapper chamado Lil Peep, que morreu de uma overdose suspeita. Outro rapper chamado Lil Pump comemorou atingir um milha£o de seguidores no Instagram ao obter um bolo em forma de uma pa­lula Xanax, e Lil Xan, um maºsico com 5,4 milhões de seguidores no Instagram (seu identificador é"xanxiety"), recebe seu nome artistico de Xanax. 

Os dois medicamentos compartilham outro ponto de conexa£o: embora os benzodiazepa­nicos sejam seguros quando usados ​​como pretendido, o risco de overdose e morte émuito maior quando combinado com opioides (prescritos ou não). Isso ocorre porque ambos afetam o sistema nervoso central e, quando usados ​​juntos, podem exacerbar efeitos colaterais perigosos, como dificuldade em respirar. De acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas, mais de 30% das mortes por overdose de opia³ides incluem benzodiazepina.

O principal problema


Embora a ansiedade exista hámilhares de anos, os diagnósticos aumentaram recentemente - cerca de 41,4 milhões de adultos americanos em 2011 tem algum tipo de diagnóstico de saúde mental, de acordo com a Administração de Servia§os de Abuso de Substa¢ncias e Saúde Mental (SAMHSA). Mas nem todo mundo procura atendimento de saúde mental de um psiquiatra ou terapeuta.   

"Muitas pessoas que precisam de cuidados de saúde mental atualmente procuram por seus médicos de cuidados prima¡rios, porque émuito difa­cil procurar atendimento especializado", diz John Krystal, MD , psiquiatra de Yale Medicine. "A doença mental estãoevoluindo de uma preocupação apenas de especialistas em psiquiatria para uma preocupação de todos os médicos, da mesma forma que pressão arterial ou diabetes são uma preocupação para todos os médicos".

Muitos médicos de cuidados prima¡rios não são treinados especialmente para prescrever benzodiazepa­nicos, diz o Dr. Fiellin. Eles também são pressionados pelo tempo, porque geralmente precisam abordar uma variedade de questões durante sua visita aos pacientes e podem não ter a chance de fazer perguntas profundas a um paciente sobre sua condição ou educa¡-lo adequadamente sobre os riscos de medicamentos psiquia¡tricos.

Eles também podem enfrentar a pressão de seus pacientes. Kenneth Morford, MD , especialista em medicina interna e medicina da toxicodependaªncia da Escola de Medicina de Yale, que realiza pesquisas com o Dr. Fiellin sobre o uso indevido de benzodiazepa­nicos, diz que vaª pressão para prescrever em sua própria experiência. "Eu herdei muitos pacientes que procuram seu médico de cuidados prima¡rios por 20 a 30 anos que iniciaram um benzodiazepa­nico, e eles apenas esperam que a receita seja reabastecida a cada visita", diz ele.

Embora não esteja claro exatamente o que estãocausando os benzodiazepa­nicos se tornarem um problema, os especialistas da Yale Medicine acreditam que o sistema de atenção prima¡ria éo ponto principal para impedir que a crise dos benzodiazepa­nicos se torne outra crise de opia³ides.

"Parte da responsabilidade do médico, principalmente na atenção prima¡ria, éo consentimento informado", diz o Dr. Morford. Isso significa educar os pacientes sobre os riscos de um medicamento antes de prescrevaª-lo, especialmente com benzodiazepa­nicos, onde os sintomas de abstinaªncia podem dificultar sua interrupção se usados ​​a longo prazo. O Dr. Morford também defende que os médicos da atenção prima¡ria encaminhem os pacientes a um psiquiatra sempre que possí­vel. Os psiquiatras são treinados para fazer uma revisão cuidadosa da história do paciente e avaliar se eles são um bom candidato ao medicamento. A pesquisa mostrou que os benzodiazepa­nicos podem ser muito eficazes quando usados ​​corretamente e quando os pacientes são monitorados por profissionais médicos treinados.

O Dr. Krystal prevaª um sistema no qual os cuidados de saúde mental especializados sejam melhor integrados aos cuidados de saúde prima¡rios. Ele defende um modelo diferente de atendimento, no qual os profissionais de saúde mental trabalham em unidades de atenção prima¡ria para fornecer apoio e conhecimento a pacientes e médicos. Esse novo modelo de atendimento já estãoganhando força em residaªncias médicas centradas no paciente e em centros médicos acadaªmicos em todo opaís (a Yale Medicine lançou recentemente seu Programa de Atendimento Colaborativo a  Depressão, que permite que os pacientes no hospital acessem os cuidados de saúde mental atravanãs de seu provedor de saúde prima¡rio) "Nãosão apenas os benzodiazepa­nicos - os ISRSs e os anti-psica³ticos estãosurgindo, pois alguns dos medicamentos mais comumente prescritos e muitos [médicos] estãosendo empurrados para fora de suas zonas de conforto no gerenciamento de sintomas que não se sentem adequadamente preparados para administrar". diz o Dr. Krystal.

Em 2017, a Casa Branca declarou a epidemia de opia³ides uma emergaªncia nacional. Segundo o CDC, houve 46.700 mortes relatadas por overdose de opioides naquele ano. As mortes por overdose de benzodiazepa­nicos ainda não chegaram a essenível(em 2016, ocorreram 11.000 mortes relacionadas aos benzodiazepa­nicos de acordo com a SAMHSA), mas aumentaram exponencialmente nos últimos anos e podem seguir nessa direção em breve, diz o Dr. Fiellin .

"A verdadeira doença éque o modelo de atendimento que temos éinadequado para atender a  necessidade das comorbidades com as quais estamos cada vez mais incumbidos de tratar", diz o Dr. Krystal. "O sintoma éa prescrição excessiva de benzodiazepa­nicos". 

 

.
.

Leia mais a seguir