Saúde

A beleza milagrosa e o poder de cura das bactanãrias comuns
O engenheiro biomédico Tal Danino encontra arte e novas terapias de combate ao câncer nas formas de vida mais abundantes da Terra.
Por Paul Hond - 16/01/2020


"Arco-a­ris microbiano" (detalhe), Tal Danino, 2018 

John James Audubon desenhou pa¡ssaros, os cra¢nios pintados de Georgia O'Keeffe '71HON, Damien Hirst prendeu borboletas na tela. Mas a arte de Tal Danino se aproxima ainda mais do a¢mago da natureza: sua paleta estãoviva, sua pintura feita das criaturas mais antigas, menores e mais abundantes do mundo. 

Em um laboratório no Northwest Corner Building, Danino, professor assistente de engenharia biomédica , estãocultivando bactanãrias. Danino trabalha nas fronteiras da biologia sintanãtica, uma disciplina jovem em que os sistemas biola³gicos são geneticamente redesenhados para realizar tarefas aºteis. Combinando as nota¡veis ​​habilidades das bactanãrias e o poder da engenharia genanãtica, Danino estãomirando o câncer - especificamente, ele estãoprogramando micróbios para liberar medicamentos dentro de tumores. Mas para Danino, as bactanãrias não são apenas soldados em uma guerra contra doena§as; elas também são formas de vida singularmente bonitas, expressivas e significativas. Como hera³is de suas "pinturas" bacterianas, que foram expostas em galerias em Nova York, Pequim, Seul e Abu Dhabi, esses micróbios da£o um novo significado a  "natureza morta".

Danino normalmente comea§a suas obras de arte com uma pipeta de bactanãrias e uma placa de Petri revestida com a¡gar, um meio de crescimento derivado de algas. Com a ajuda do pesquisador Soonhee Moon, ele deposita gota­culas precisas, cada uma contendo alguns milhares de bactanãrias, no a¡gar. As bactanãrias se replicam rapidamente, dividindo-se e se espalhando em padraµes semelhantes a explosaµes estelares intensas, flores delicadas, globos oculares, corais, continentes em expansão e seções transversais de pedra de a¡gata. Usando corantes químicos para ressaltar os intrincados motivos formados pelos micróbios em proliferação, Danino leva o pontilhismo ao seu limite irreduta­vel: imagens feitas de milhões e milhões de células microsca³picas.

"Descobri que o componente visual éuma maneira extremamente poderosa de comunicar a ciaªncia", diz Danino. “Meu tema geral éque o meio - neste caso, bactanãrias - éa mensagem.” Essa mensagem nos pede que consideremos a vida e a saúde nonívelmais fundamental. "Na³s evolua­mos a partir de bactanãrias", diz Danino. "a‰ incra­vel quando vocêpensa sobre isso: eles são nossos ancestrais e também vivem dentro de nós." 

No Liberty Science Center, em Jersey City, as imagens da placa de Petri de Danino cumprimentam os visitantes no Microbes Rule! Exibir. “As pessoas que veem o trabalho perguntam: 'O que éisso? Do que isso éfeito? Qual éo seu significado? '”, Diz Danino. "Para mim, a arte éprovocar perguntas sobre o que essas pequenas coisas significam e como elas se conectam a s nossas vidas."

Tendo evolua­do ao longo de bilhaµes de anos, e tendo, entre outras faznhas, fornecido oxigaªnio a  atmosfera do planeta, essas “pequenas coisas” são um grande nega³cio. Inconta¡veis ​​e generalizadas, as bactanãrias vivem em florestas e desertos, casas e escolas, hospitais e restaurantes, nasuperfÍcie de lagoas e no fundo de oceanos, em areia e solo, em vulcaµes e sob mantos de gelo. Variações sutis no DNA tornam impossí­vel saber quantas espanãcies distintas existem. No total, as bactanãrias são mais numerosas do que as estrelas do universo e, em nossos corpos, onde prosperam aos trilhaµes, desempenham funções essenciais a  nossa sobrevivaªncia, como produzir vitaminas e revestir nossas entranhas para prevenir doena§as. 

Mas alguns micróbios podem nos deixar doentes, um problema de relações públicas que obscureceu os benefa­cios das bactanãrias, reais e prospectivas, para a saúde humana. Danino, tanto como artista quanto como diretor do Laborata³rio de Sistemas Biola³gicos Sintanãticos da Columbia , estãoajudando a mudar isso. "Embora as bactanãrias sejam unicelulares, elas são incrivelmente sofisticadas", diz ele. “Eles se reproduzem assexuadamente, tem caudas chamadas flagelos que lhes permitem nadar, sofrem mutações para se adaptarem ao ambiente e 'conversam' entre si atravanãs de um processo de comunicação química chamado 'quorum sensing', no qual as bactanãrias atingem uma certa densidade e depois executar tarefas coletivamente, como genes expressos necessa¡rios para a bioluminescaªncia ".

As qualidades que tornam as bactanãrias pintores dina¢micos - a capacidade de se multiplicar rapidamente e agir de forma sa­ncrona - também as tornam, nas ma£os de Danino, agentes ideais para a medicina. No vera£o passado, Danino, com o imunologista da Cola´mbia  Nicholas Arpaia  e um estudante de doutorado co-orientado, Sreyan Chowdhury, publicaram um artigo na  Nature Medicine  mostrando que, aproveitando o mecanismo de detecção de quorum,  eles poderiam programar bactanãrias para encolher tumores em ratos . 
Seus experimentos se concentraram no CD47, uma protea­na que estãopresente nasuperfÍcie de muitas células. Essa protea­na, uma espanãcie de sinal de "não me coma", diz ao sistema imunológico que a canãlula éina³cua, incentivando os gla³bulos brancos a se moverem, pois não énecessa¡ria nenhuma ação do sistema imunológico. Amedida que as células envelhecem, elas perdem o CD47, permitindo que o sistema imunológico elimine as células defeituosas, abrindo caminho para novas. Mas em uma canãlula cancera­gena, o CD47 pode ser ativado erroneamente, plantando a bandeira "não me coma" e enganando o sistema imunológico a ignorar a malignidade. 

Danino e seus colegas queriam encontrar uma maneira de desligar o sinal CD47, evitando os efeitos colaterais da imunoterapia com anticorpos, uma forma de tratamento contra o câncer que reagrupa as defesas naturais do corpo. "Se vocêinjetar o anticorpo CD47 na corrente sanguínea, vera¡ uma redução nas contagens de gla³bulos vermelhos ou plaquetas", diz Danino. “Isso éo que causa efeitos colaterais adversos.” Então, em vez disso, a equipe injetou bactanãrias geneticamente reprogramadas diretamente nos tumores - bactanãrias criadas para liberar, na hora, uma carga útil de anticorpos CD47.

Conseguir que as bactanãrias fizessem isso exigia uma solução pesada de problemas. Como as bactanãrias não podem produzir anticorpos complexos, Danino teve que direciona¡-las para gerar protea­nas mais simples, chamadas nanocorpos, que em massa poderiam estimular o sistema imunológico da mesma maneira. Usando DNA personalizado em seu laboratório e uma cepa não patogaªnica de E. coli(que vive em nossos intestinos), Danino criou o que chama de "cavalo de Tra³ia medicinal". Uma vez introduzidas em um tumor, as bactanãrias manipuladas comea§am a se replicar atéatingirem um limiar ma­nimo (ou quorum) de densidade. Isso os aciona para estourar e descarregar os nanocorpos. Esses nanocorpos se ligam a s protea­nas CD47 do tumor, ocultando os sinais defeituosos de “não me coma” e permitindo que o sistema imunológico identifique e consuma as células ruins. Nas recentes experiências com ratos, os tumores encolheram. Danino estãotrabalhando na tradução dessa tecnologia para seres humanos e espera iniciar testes dentro de três anos. 

"Supernova", 2014, nas galerias públicas do Instituto Koch, Cambridge, Massachusetts.  Pelo engenheiro biomédico da Columbia Tal Danino.

Danino cresceu em Los Angeles, filho de imigrantes israelenses. Seu pai, que estudou engenharia elanãtrica, fomentou o amor por computadores, e sua ma£e, uma artista, envolveu-o em projetos de arte - um dos favoritos era o barbear com giz de cera no papel, dobrar o papel, passar a ferro atéque as aparas derretessem e depois abrindo o papel para revelar um padrãodeslumbrante de floco de neve. Isso pressagiou seu interesse pelas figuras elaboradas feitas por bactanãrias e seus esforços para imitar e aumentar esses processos em seu laboratório. 

"A arte inspira muita ciência que fazemos", diz Danino. “Os artistas são realmente bons em explorar. No entanto, quando vocêescreve uma bolsa de ciências, deve ser o mais maluco possí­vel para ser financiado. A arte não éassim: émais subjetiva e menos meta³dica, mais baseada na intuição e na tentativa de idanãias malucas. Essa mentalidade me permite pular na ciência e desenvolver a história a  medida que avana§a. ” 

Danino, que émembro do Data Science Institute da Columbia , empreendeu suas primeiras tentativas de programar bactanãrias na escola de graduação da Universidade da Califórnia em San Diego, onde fundiu seu interesse em computadores e matemática com biologia. Ele ficou interessado no uso de micróbios para melhorar a saúde humana como pa³s-doutorado no MIT e começou a explorar maneiras de manipular geneticamente bactanãrias para tratar o ca¢ncer. Algumas de suas obras colaborativas daquela anãpoca estãoem seu escrita³rio. Para eles, Danino cultivou células cancera­genas em umasuperfÍcie pla¡stica, que foi fotografada pelo artista brasileiro Vik Muniz. Uma dessas fotolitografias, HeLa Pattern 1 , mostra um desenho ornamentado composto pelas células cancera­genas de Henrietta Lacks, uma mulher afro-americana que morreu em 1951 e cujas células invulgarmente resistentes foram colhidas sem o seu consentimento. As células HeLa representam a linha celular humana "imortalizada" mais usada, o que significa que as células, devido a uma mutação, continuam se dividindo indefinidamente, tornando-as inestima¡veis ​​para a ciência "Praticamente todos os laboratórios do mundo que trabalham com câncer tem células HeLa", diz Danino. “Bilhaµes e bilhaµes de células, vivas e usadas hoje em dia para pesquisas.” 

A idanãia de um organismo eterno nunca deixa de despertar a imaginação de Danino. Como as células de Lacks, as bactanãrias continuam se multiplicando: uma única bactanãria pode se tornar milhões em poucas horas. Para Danino, as implicações também são infinitas. 

"Um corpo humano em decomposição causa mais vida aos microorganismos", diz ele. “Portanto, existe uma conexão interessante entre o nosso ciclo de vida e o das bactanãrias. Nossa vida útil éfinita, mas as bactanãrias continuam se dividindo. Eles são imortais, de certa forma. a‰ uma maneira diferente de pensar sobre a vida. ”

Este artigo aparece na edição impressa de inverno de 2019-20 da  Columbia Magazine  com o tí­tulo "Arco-a­ris microbianos".

 

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