Saúde

Um dia na vida de um médico de emergaªncia
A residente do terceiro ano, Anita Chary, descreve os ensaios pessoais e profissionais trazidos pela pandemia
Por Colleen Walsh - 01/05/2020


Esta¡ frio la¡ fora, enquanto Anita Chary faz a curta caminhada de seu apartamento para a area Manãdica de Longwood. Pouco antes das sete da manha£, ela chega a uma das entradas designadas da Brigham and Women's na Francis Street e segura seu smartphone. Um profissional de saúde verifica o aplicativo rastreador de sintomas de Chary para garantir que ela completou a lista de perguntas. A parte superior da tela mostra "Limpo para o trabalho", em negrito e verde. “Se vocêépositivo em relação a algum sintoma” do COVID-19, Chary diz: “vocênão pode entrar no prédio.”

Ela recebe uma ma¡scara para usar, depois segue pelos taºneis atéseu departamento, onde veste bata azul, protetor facial e a³culos de proteção e inicia outro turno de nove horas em uma sala de emergaªncia, a linha de frente da pior saúde pública dopaís. crise em mais de um século. Chary, que estãoem seu terceiro ano de quatro anos no programa de Residaªncia de Medicina de Emergaªncia Afiliada do Hospital Geral Brigham e Women's / Massachusetts em Harvard , vera¡ menos pessoas do que ela teria durante um turno normal apenas alguns meses atrás. Mas hoje em dia tudo énormal, diz ela, detalhando o que agora passa para um dia ta­pico. A maioria chega com complicações relacionadas ao novo coronava­rus, exigindo um tratamento mais envolvido, a s vezes intensivo.

Anita Chary e Paul Chen em seu EPI. Anita Chary consulta o médico supervisor do
departamento durante o dia, Paul Chen, diretor de operações cla­nicas do programa
de medicina de emergaªncia do hospital.

Como fez tantas vezes nas últimas semanas, Chary divide os pacientes com sintomas do va­rus, ou com um diagnóstico positivo, em três categorias: aqueles que estãobem o suficiente para sair e se recuperar em casa; aqueles que precisam ser admitidos porque precisam de oxigaªnio para ajuda¡-los a respirar; e aqueles que precisam de cuidados intensivos e um ventilador.

Atualmente, a maioria de seus pacientes se enquadra nas duas primeiras categorias, incluindo uma mulher que retorna ao pronto-socorro que deu positivo para o coronava­rus e ainda estãocom sintomas. Chary verifica seus na­veis de oxigaªnio e descobre que eles são normais. Enquanto ela se prepara para liberta¡-la, ela percebe o medo nos olhos da mulher. Desde o diagnóstico, muitos familiares da mulher acabaram na UTI, diz Chary mais tarde, e ela ainda tem outras pessoas em casa que precisam de cuidados. O mesmo éverdade para muitos que chegam ao pronto-socorro não estãodoentes o suficiente para serem hospitalizados. Chary os vaª sair torturados pelo pensamento de infectar seus entes queridos. "a‰ a perspectiva de ir para casa e potencialmente espalhar o coronava­rus para outras pessoas em casa que étão difa­cil de suportar."

Ciente de que sempre existem outros pacientes que precisam dela, Chary mantanãm suas emoções próximas no hospital. Depois do trabalho, sozinho em casa, émais difa­cil segura¡-los. Faz meses que ela vaª o marido, médico pediatra em uma unidade de terapia intensiva em Houston. Seu sono sofreu, diz ela, o resultado de uma enorme necessidade de verificar as fichas eletra´nicas de seus pacientes para atualizações. “Eu tento fazer isso antes de dormir a  noite; éa primeira coisa que faa§o de manha£. a‰ apenas essenívelmais alto de preocupação constante com os pacientes que já tive. ”

Ela se preocupa com todos eles, mas ésobrecarregada por alguns mais do que outros. " Com pacientes mais jovens, pode ser particularmente devastador quando vocêvaª que eles ainda não estãomelhorando depois de ficar na UTI por semanas".

E háo afluxo de pacientes de baixa renda das comunidades de cor.

"Muitas vezes acho que esses pacientes estãotrabalhando em tarefas essenciais", diz ela. “Eles estãotrabalhando em supermercados; eles estãooperando transporte paºblico; eles estãoem servia§os de custa³dia; ou eles estãofazendo coisas como entrega em domica­lio. E eles estãorealmente na linha de frente da sociedade, assim como nosestamos no hospital. Trabalhar em casa não éuma opção. E também édifa­cil para eles distanciarem-se e se isolarem porque vivem em apartamentos menores e tendem a viver em lares multigeracionais onde as pessoas também estãodoentes. ”

iPhone com o aplicativo rastreador de sintomas. O iPhone de Chary com
o aplicativo rastreador de sintomas que mostra que ela
foi liberada para o trabalho.

Chary sabe que a morte vem por ser um médico especializado em cuidados urgentes, mas alguns dos aspectos aºnicos dessa doença ainda podem abala¡-la. Muitos médicos observaram a rapidez com que as condições podem se deteriorar e as altas taxas de mortalidade daqueles colocados nos ventiladores. Entre os pacientes que Chary perdeu para a doença nas últimas semanas, estava uma mulher idosa que precisou colocar no dispositivo para bombear ar dentro e fora de seus pulmaµes. “Eu sabia que a probabilidade de ela se recuperar era muito, muito baixa, e acho que háum peso que vocêsente ao sentir que seráa última pessoa a falar com alguém ou passar algum tempo com essa pessoa quando eles estãoacordados e alertas.

Por insistaªncia da equipe de cuidados paliativos do hospital, Chary e seus colegas estãorecebendo pacientes que necessitam de um ventilador para registrar mensagens de entes queridos em seus telefones antes de serem sedados. "Essa foi uma das experiências mais poderosas", diz Chary, com a voz traªmula. “Entregar o telefone a alguém e ouvi-lo dizer a  familia que os ama e apenas esperando poder falar com seus entes queridos novamente depois que eles saa­rem do ventilador, mas sem saber.”

No entanto, Chary se considera sortuda. Ela ouviu histórias de horror de amigos e colegas em lugares como Nova York e Detroit, onde caminhaµes refrigerados ficam ociosos do lado de fora dos hospitais, armazenando os corpos daqueles que faleceram, enquanto os pacientes sobrecarregam as enfermarias, a s vezes morrendo antes que um médico possa chegar atéelas. As condições de trabalho em Boston não chegaram a esse na­vel, embora Massachusetts seja um ponto quente na epidemia nacional. Na tera§a-feira, o Departamento de Saúde do estado colocou o número total de casos em 58.302, com 3.153 mortes.

"Acho que meu senso de dever de responder a uma crise superou as ansiedades de adoecer pessoalmente".

- Anita Chary

No ER de Chary, não hápacientes definhando nos corredores, falta desesperada de equipamento de proteção individual (EPI) ou ventiladores. O volume de pacientes no pronto-socorro de Brigham and Women's caiu nas últimas semanas. Chary, o principal residente chefe do departamento, normalmente atende de 15 a 20 pacientes por turno. Hoje esse número foi cortado pela metade. O medo de contrair o va­rus afastou muitos pacientes com ferimentos relativamente pequenos.

Em uma nota positiva, hoje Chary envia outro de seus pacientes não agudos com COVID-19 ao Boston Hope Medical Center, onde eles podem se recuperar isoladamente. A instalação improvisada com 1.000 leitos reservados para pacientes não cra­ticos e membros da população de rua da cidade estãolocalizada no Centro de Convenções e Exposições de Boston, no distrito de Seaport. "Essa foi uma alternativa maravilhosa", diz Chary, que também écla­nico em medicina de emergaªncia na Harvard Medical School.

O jovem médico diz que um planejamento cuidadoso foi a chave para a resposta de Brigham a  pandemia - o hospital teve 159 pacientes internados, sendo que 90 deles necessitam de tratamento intensivo, de acordo com as notas do site na tera§a-feira. Chary disse que tem acesso aos vestidos, luvas, ma¡scaras, protetores faciais e coberturas de que precisa, juntamente com um hora¡rio de trabalho reduzido - um esfora§o dos administradores para manter a força de trabalho o mais segura e sauda¡vel possí­vel. Para limitar ainda mais as taxas de infecção, o hospital, antecipando um aumento nos casos de coronava­rus, ergueu paredes em seu departamento de emergaªncia, criando quartos individuais para os pacientes que chegavam.

"A Brigham tem feito muita inovação, desenvolvimento e planejamento para saber como responder melhor a essa crise", disse Chary, que observa o mesmo no Hospital Geral de Massachusetts, onde também passa pelo pronto-socorro. "Nossa experiência tem sido diferente porque, na verdade, temos os recursos institucionais para cuidar dos pacientes que estãochegando em nossos servia§os de emergaªncia".

Ainda assim, limitar a exposição dela e de seus colegas ao va­rus éuma preocupação constante. Chary mantanãm o rigoroso protocolo que ela seguiu nas últimas semanas, telefonando para pacientes por telefone de fora de seus quartos para determinar se eles podem estar infectados. "a€s vezes, os pacientes relatam algo a  enfermeira da triagem na frente, mas eles negam os sintomas [do coronava­rus]", disse ela. "Então, quando vocêfala mais com eles, parece que eles realmente tem sintomas". Suas respostas determinam se Chary se adequara¡ totalmente ao EPI antes de entrar.

Apesar das precauções, os profissionais de saúde, pela própria natureza de seus papanãis, enfrentam um risco maior. Um relatório recente do Centers for Disease Control and Prevention constatou que mais de 9.000 profissionais de saúde foram infectados pelo coronava­rus, incluindo mais de 320 no Brigham.

Um punhado de colegas de Chary testou positivo nas últimas semanas e se auto-colocou em quarentena. “Sinto que tenho que ser resiliente no momento e esperar o melhor, e espero ter sorte”, diz Chary, “e acho que meu senso de dever de responder a uma crise superou as ansiedades sobre pessoalmente. ficando doente. ”

“Cresci em uma familia hindu e meus pais sempre enfatizaram o serviço a  sociedade. "Tambanãm ta­nhamos o ditado: 'Ma£os que servem são mais sagradas que la¡bios que rezam.'"

- Anita Chary

Os desafios são muitos. Chary descobre que uma ambulância estãocorrendo para o hospital com um paciente cujo coração parou. Ela sabe que os minutos são importantes e que um teste no local para coronava­rus levaria horas. Portanto, ela assume que o paciente épositivo e continua seu trabalho, ciente de que a RCP tem um risco maior de espalhar as gota­culas la­quidas que contem o va­rus, aumentando a chance de transmissão.

"No passado, haveria uma abordagem de muitas ma£os no convanãs", diz Chary. “Mas com o coronava­rus, quando esse tipo de coisa acontece, temos que estar muito atentos aos riscos que podem acontecer com a exposição a um número maior de funciona¡rios. Tudo fica muito bem definido em termos de exatamente quantas pessoas teremos na sala, quem fara¡ o que e como podemos minimizar o número de pessoas que precisam ser potencialmente expostas. ”

Incapaz de ressuscitar o paciente, a incerteza sobre a infecção permanece. "Nãosaber se essa pessoa morreu por causa de complicações por coronava­rus édifa­cil para a familia e para a equipe de atendimento", diz Chary.

Muitos podem enfrentar uma crise de saúde pública macia§a tão cedo em uma carreira médica assustadora. Chary não éum deles. “Na verdade, sinto-me muito privilegiado e com sorte por poder estar entre os médicos que atendem pacientes neste momento, quando realmente precisam de nospara cuidar deles. Penso que muitas pessoas recorrem a  medicina com esse desejo de curar os doentes e sinto que nunca estive mais orgulhoso de ser médico. ”

E hámomentos brilhantes.

Ela vaª esperana§a na unidade de triagem do Centro de Convenções e Exposições de Boston, onde pode enviar pessoas para se recuperarem, para que não ponham em risco seus entes queridos. Ela também vaª isso nos esforços da equipe do hospital para conectar-se aos membros da comunidade por meio de reuniaµes virtuais que oferecem uma variedade de idiomas para aprender sobre o va­rus e as melhores maneiras de se manter seguro. E ela encontra esperana§a nos esforços de seus colegas que acompanham os pacientes enviados para casa do pronto-socorro com telefonemas e visitas virtuais.

"Meus colegas são inspiradores, e érealmente maravilhoso ser testemunha e participante neste momento de grande inovação e neste momento de pessoas se unindo." Ainda assim, ela acrescenta, “ainda existe essa incerteza e ansiedade sobre os pacientes e como eles estão”.

Quando o turno dela termina a s 16h, Chary se prepara para sair, desinfetando seu telefone e estetosca³pio com desinfetante, lavando meticulosamente as ma£os e os braa§os atéos cotovelos e trocando a bata azul por roupas limpas. De volta ao apartamento, ela toma banho assim que entra, uma parte normal de sua rotina dia¡ria na era do coronava­rus.

Chary relaxa com a Netflix e liga para a fama­lia. Seus pais em Illinois estãona categoria de alto risco, com mais de 65 anos, com condições de saúde subjacentes e, como no marido, ela não os vaª hámeses. "a‰ difa­cil, mas a coisa mais segura para mim, meus entes queridos e a sociedade énão viajar agora", diz Chary.

Passara¡ alguns dias antes que ela retorne para outro turno no pronto-socorro. Chary repetira¡ seu mantra favorito - "Vou fazer o bem no mundo hoje" - antes de sair. "Eu cresci em uma familia hindu, e meus pais sempre enfatizaram servir a sociedade", diz ela. "Tambanãm ta­nhamos o ditado: 'Ma£os que servem são mais sagradas que la¡bios que rezam.'"

Ao sair do apartamento todas as manha£s, ela vaª outro lembrete de sua missão olhando de volta para ela.

"a‰ o desenho de uma mulher com um estetosca³pio das minhas duas sobrinhas", diz ela. “Eu pendurei na minha porta, então éalgo que eu vejo quando saio de casa todos os dias. a‰ uma pequena afirmação positiva de que estou fazendo algo significativo. ”

 

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