Saúde

Dificuldade para mudar atitudes em relação a  covid-19 independe de renda, diz estudo
Renda e diploma não influenciam percepa§a£o de barreiras a  adoa§a£o de comportamentos positivos na prevena§a£o ao coronava­rus
Por Silvana Sales - 16/06/2020


Cariocas va£o a  praia apesar de decreto do governo do Estado impedindo a aglomeração de
pessoas osFoto: Tomaz Silva/Agencia Brasil

Um pesquisador do Instituto de Psicologia (IP) da USP investigou os pontos cra­ticos no comportamento das pessoas em relação a  covid-19 e descobriu que renda e escolaridade não influenciam quando o assunto éa dificuldade de mudar as atitudes para se proteger do coronava­rus. Ele descreveu os resultados do estudo em um artigo publicado na Revista de Saúde Paºblica. A pesquisa foi realizada entre os dias 17 e 24 de mara§o por meio de um questiona¡rio on-line distribua­do por redes sociais e indicação de participantes a seus conhecidos. No total, 276 pessoas responderam, todas residentes em Sa£o Paulo.

Segundo o autor do estudo, o professor Marcelo Fernandes Costa, a ideia foi utilizar uma ferramenta que permitisse comparar respostas individuais. Assim, os participantes usaram uma espanãcie de “ranãgua” para responder a perguntas que diziam respeito a riscos, sintomas e comportamentos relacionados a  covid-19. Essas perguntas serviram para analisar a percepção das pessoas tanto no que diz respeito a  susceptibilidade ao va­rus e a  severidade da doena§a, quanto aos benefa­cios em adotar determinados comportamentos positivos ou barreiras para pratica¡-los. Os participantes também responderam questões sobre hábitos para melhorar a saúde em geral.

“Tem gente que acha que vai ter poucas dificuldades em se comportar para evitar a infecção pelo coronava­rus e tem outras pessoas que acham que va£o ter grande dificuldade. O nosso estudo mostrou que essa grande dificuldade não estãorelacionada ao status socioecona´mico. Ou seja, não é(pelo) fato de precisar trabalhar que eu acho que me exponho mais. Gente que estãodentro de casa acha que estãocorrendo o mesmo risco, e tem gente que sai para trabalhar e acha que estãocorrendo pouco risco. Pessoas com alta escolaridade percebem grandes barreiras, pessoas com alto poder aquisitivo percebem grandes barreiras”, diz ele.

Devido a  forma como o questiona¡rio foi distribua­do, a amostra acabou concentrando um paºblico de maior escolaridade e renda média e alta. No entanto, Costa acredita que essas caracteri­sticas não prejudicam os resultados. O motivo éque, embora haja uma convergaªncia entre os participantes no entendimento de que atitudes como o uso de máscaras são relevantes para a proteção contra o coronava­rus, houve divergaªncias considera¡veis em outros aspectos.

“A discrepa¢ncia de entendimento entre os participantes émuito grande”,

 professor Marcelo Fernandes da Costa 

Estudo quantitativo

Para construir o questiona¡rio, Costa pegou emprestado da psicologia social o modelo de crena§a e combinou-o com uma metodologia da psicofa­sica. O modelo de crena§a foi desenvolvido na década de 1940 para estudar crena§as religiosas. Com o passar do tempo, começou a ser utilizado para entender também outros conjuntos de crena§as não religiosas. Recentemente, tem sido usado em áreas da medicina onde a adesão do paciente émuito difa­cil, como psiquiatria e cla­nica médica.

“Por que um paciente que tem diabetes, (que) sabe que tem diabetes, continua comendo doce, tomando bebida alcoa³lica, não comendo regularmente a cada três horas? O que faz com que a pessoa mesmo sabendo o que éuma doena§a, por que ela tem essa doena§a, o que acontece a longo prazo com essa doena§a, por que mesmo assim a pessoa adota comportamentos que são contra¡rios a  manutenção da sua saúde? Esse modelo de crena§a apareceu como uma solução para tentar entender por que isso acontece”, explica o pesquisador.

Já a psicofa­sica, área de especialidade de Costa, éum ramo da psicologia que busca identificar relações objetivas e matemáticas entre o mundo fa­sico e os aspectos subjetivos. No artigo, isso se traduziu na adoção de uma escala quantitativa que os participantes da pesquisa usaram para responder ao questiona¡rio. Eles responderam a cada questãolocalizando na escala a regia£o onde estava sua resposta verbal e assinalando um valor atribua­do dentro deste Espaço.

“A grande maioria dos questiona¡rios acaba usando a escala Likert, que éuma escala ordinal (escala que organiza as respostas num gradiente que vai de pouco a muito, por exemplo). Esse tipo de informação émuito qualitativo, apenas. A gente não consegue entender exatamente qual éo risco que a pessoa estãopercebendo”, diz o professor, explicando que a escala quantitativa traz ganhos ao oferecer dados mais precisos e compara¡veis. A adoção de uma escala de razãopermitiu rapidamente trazr os perfis dos participantes em termos de crena§as em saúde e compara¡-los.


Gra¡fico compara as respostas de dois participantes que teriam o mesmo escore numa
escala qualitativa. O estudo quantitativo permitiu identificar grandes discrepa¢ncias,
como no caso da questãoem que eles tiveram de indicar como o risco de perder
o emprego afeta a adoção de medidas de proteção contra a covid-19. O participante A
percebe esse risco como inexistente. Já o participante B vaª a perda de emprego
como uma barreira máxima que interfere com a adoção de comportamentos
positivos a  saúde osFoto: Revista de Saúde Paºblica

Segundo o pesquisador, o objetivo do trabalho foi criar uma ferramenta que possa ser utilizada com facilidade em postos de saúde, por equipes da Estratanãgia de Saúde da Fama­lia e para medir os efeitos de intervenções de saúde. “Basta vocêimprimir as perguntas com a escala. Aa­, na sala de espera do posto de saúde, a enfermeira pode distribuir esse questiona¡rio. As pessoas preenchem esse questiona¡rio enquanto estãoesperando seu exame de sangue, sua consulta, e na hora vocêconsegue ter o perfil da pessoa”, diz Costa.

Ainda segundo o professor, o tempo ma¡ximo de resposta do questiona¡rio foi de 15 minutos, com uma média entre cinco e sete minutos. Ele sugere que os trabalhadores da saúde poderiam se apoiar nas informações do perfil para direcionar orientações e intervenções aos pacientes já na própria consulta.

 

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