Saúde

Taxa de contaminação por COVID-19 em aldeias inda­genas éalarmante, denunciam pesquisadores da UFF
De acordo com o último relatório elaborado pela equipe, a Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, apresentou coeficiente de incidaªncia (casos confirmados/habitante) para o novo coronava­rus quinze vezes maior que o restante do munica­pio.
Por Fernanda Cupolillo - 07/08/2020


Crédito da fotografia: Thalita Vieira

O Cacique Domingos Venite, da Aldeia inda­gena Sapukai, a maior do estado do Rio de Janeiro, faleceu no final de julho de 2020 em consequaªncia de COVID-19. A triste nota­cia acabou por reforçar a situação, previamente denunciada por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), de grande vulnerabilidade dessa população tradicional frente a  pandemia.

Desde mara§o, os professores do Departamento de Geografia e Pola­ticas Paºblicas, do Instituto de Educação de Angra dos Reis, Anderson Mululo Sato, Monika Richter e Michael Chetry, em conjunto com o professor do Departamento de Educação, Domingos Barros Nobre, vão monitorando e cartografando a evolução da pandemia nos munica­pios de Costa Verde, elaborando a­ndices de exposição a  COVID-19 e analisando a difusão espacial do va­rus, com atenção particular para as populações mais vulnera¡veis que vivem na regia£o; entre elas, os inda­genas.

De acordo com o último relatório elaborado pela equipe, a Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, apresentou coeficiente de incidaªncia (casos confirmados/habitante) para o novo coronava­rus quinze vezes maior que o restante do munica­pio. Constatou-se também que os Guarani do sexo masculino e feminino apresentaram, respectivamente, coeficientes de incidaªncia 15,6 vezes e 14,6 vezes maiores quando comparados a  população do sexo masculino e feminino do munica­pio.

O estudo apontou ainda a necessidade de adoção de medidas sanita¡rias mais eficazes no controle da pandemia na regia£o, assim como a ampliação da testagem nos inda­genas, para identificar e isolar os pacientes positivos para o va­rus, assim como rastrear seus contatos, destacando-se a importa¢ncia de as caracteri­sticas culturais e sociais desses povos tradicionais serem consideradas.

Os documentos elaborados pelos pesquisadores estãoem dia¡logo com os dados levantados pela Articulação dos Povos Inda­genas do Brasil (APIB), segundo os quais, na Aldeia Sapukai, foram contaminados 85 inda­genas, com um a³bito, o do Cacique Domingos Venite. Isso representaria 25% da população da comunidade, que tem a maior incidaªncia de COVID-19 de todo o munica­pio. Em um cena¡rio mais amplo, considerando a situação dos inda­genas em todo o Brasil, a organização aponta alguns dados igualmente alarmantes: houve 599 mortos, sendo que a COVID-19 já atingiu 145 povos inda­genas diferentes, com 20.809 casos confirmados, atéo dia 30 de julho.

De acordo com a equipe da UFF, “a APIB faz uma grave denaºncia de que o Governo Federal tem sido o principal agente transmissor do coronava­rus entre os povos isolados e de contato recente, como no Alto Solimaµes (AM); Parque Tumucumaqui (PA/AP); Vale do Javari (AM); Alto Rio Purus (AC) na TI (terra inda­gena) Mamadate, onde médicos, equipes da SESAI e o Exanãrcito contaminaram a população inda­gena da regia£o”, enfatizam.

Além disso, os professores acrescentam que os dados da APIB apontam o agronega³cio como o principal responsável pelo conta¡gio em várias aldeias do Mato Grosso do Sul, assim como no oeste do Parana¡, nas terras inda­genas de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde os indivíduos contaminados eram funciona¡rios do setor frigora­fico local.

Essa situação, segundo afirmam, chegou a ser judicializada com uma Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional, impetrada pela APIB e seis partidos pola­ticos. O objeto são as falhas e omissaµes do Poder Paºblico, expressa nos vetos presidenciais ao Projeto de Lei 1142/2020, que estabelece um Plano Emergencial de Apoio aos Povos Inda­genas, Quilombolas, povos e comunidades tradicionais, em função da pandemia. Em decisão una¢mine e hista³rica na última quarta-feira (05/08), o pleno do STF deu vita³ria a  APIB no julgamento da Arguição, determinando que o Governo Federal tome uma sanãrie de medidas de proteção aos povos inda­genas, confirmando uma liminar anterior do Ministro Barroso.

Diante desse preocupante cena¡rio, os docentes destacam que as Secretarias Municipais de Saúde (SMS) não tiveram o devido cuidado no tratamento e na divulgação dos dados relativos a s aldeias, aos quilombos e territa³rios caia§aras tradicionais. Segundo eles, “a pandemia vem revelando de forma inequa­voca as enormes desigualdades sociais que afetam as comunidades tradicionais, no tocante a s condições de acesso a  saúde pública, condições sanita¡rias, de segurança alimentar e nutricional e qualidade de vida em geral”.

Para os professores, “continuar insistindo prioritariamente em protocolos de ‘medicação profila¡tica’, como vem fazendo a SMS de Angra dos Reis, ou permanecer com a recomendação de ‘isolamento domiciliar’ para os casos suspeitos de moradores de aldeias inda­genas, que vivem em permanente contato corporal com a familia numerosa, éno ma­nimo inadequado, do ponto de vista de pola­tica pública de saúde, em um contexto emergencial de pandemia. Alternativas mais incisivas de isolamento social nas aldeias precisam ser negociadas e construa­das com os a­ndios, mas coordenadas e conduzidas pelo poder paºblico”.

Por outro lado, os pesquisadores ressaltam algumas atitudes solida¡rias frente a essa realidade: “vimos que diversas campanhas de arrecadação de fundos para aquisição de cestas ba¡sicas, organizadas pelos cidada£os comuns, foram muito exitosas e vão garantindo relativa segurança alimentar e nutricional a estas comunidades desde mara§o. A principal fonte de renda dessas comunidades, o artesanato e o turismo de base comunita¡ria, foi totalmente afetada. Portanto, o que o poder paºblico não fez a sociedade civil vem fazendo, demonstrando, com isso, umnívelde solidariedade e empatia com as causas das comunidades tradicionais”.

No entanto, segundo eles, essas atitudes não diminuem a urgência de se conhecer melhor o modo de vida dessas comunidades, sua cultura local, suas formas próprias de organização social e de aprendizagem. “Nãoéeticamente justo imputar ao povo inda­gena a responsabilidade por ser mais afetado pela COVID-19. Se algumas comunidades são atualmente mais expostas ao va­rus, elas, na verdade, demonstram que foram historicamente negligenciadas por políticas públicas de redução de desigualdades, respeito aos seus territa³rios e melhoria da qualidade de vida de seus povos”, finalizam.

 

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