Saúde

Qual éo caminho para a equidade em saúde?
A Dra. Marcella Nunez-Smith éinternista de Yale e especialista nas barreiras estruturais para tratamento equitativo e resultados de saúde para pessoas de cor e outras populaa§aµes vulnera¡veis
Por Marcella Nunez-Smith - 04/10/2020


Dra. Marcella Nunez-Smith - Cortesia

A Dra. Marcella Nunez-Smith éinternista de Yale e especialista nas barreiras estruturais para tratamento equitativo e resultados de saúde para pessoas de cor e outras populações vulnera¡veis; ela também éa diretora fundadora do Pozen-Commonwealth Fund Fellowship in Health Equity Leadership em Yale SOM. Conversamos com ela sobre sua carreira, o que precisamos fazer para progredir e o que o aumento do interesse pela justia§a racial significou para seu trabalho.

Perguntas e Respostas


Ser médico já consome muito tempo e exige muito treinamento. Como vocêcomeçou a adicionar equidade em saúde como foco?

Sim, o treinamento cla­nico no caminho para se tornar um médico éum compromisso real - éintenso; éemocionalmente, psicologicamente desgastante e desgastante. Mas, ao longo dessa jornada, não sei como pude deixar de me interessar por equidade, porque vocêtestemunha iniqa¼idades todos os dias, desde a faculdade de medicina. 

Na³s nem mesmo ta­nhamos a la­ngua quando eu era estudante de medicina. Nãohavia a linguagem da disparidade, não ta­nhamos a linguagem da saúde determinante social, não ta­nhamos a linguagem da equidade ou da justia§a a  saúde. Mas fui presidente da nossa Student National Medical Association, que éo braa§o estudantil da National Medical Association, que foi fundada essencialmente porque os médicos afrodescendentes nos Estados Unidos foram exclua­dos das sociedades profissionais organizadas e basicamente foram exclua­dos da obtenção de privilanãgios e licena§as para praticar em hospitais. Essa foi uma das ferramentas estruturais usadas para segregar a saúde. 

Portanto, embora não seja expla­cito, o fato de o SNMA existir fala sobre o legado de discriminação e preconceito em nosso sistema de saúde. Como médico, me identifico como alguém de ascendaªncia africana, por entender que estava tentando fazer meu caminho em um sistema que havia resistido, por tanto tempo, a  minha presena§a. E entendendo também o que significava ser um paciente de cor movendo-se por aquele mesmo sistema que, por muito tempo, resistiu a  sua presena§a.

“O papel e a influaªncia da raça no sistema de saúde foram, para mim, atravanãs da minha experiência de vida, dominante e esmagadora, e foi uma lente atravanãs da qual entender a medicina cla­nica.”


Fui compelido a pensar sobre a desigualdade em saúde como estagia¡rio, como alguém que não estava em uma posição de poder. Se um paciente de cor me visse entrar na sala, 9,9 em 10 vezes, haveria um comenta¡rio feito antes da alta sobre como era reconfortante para ele ter alguém de cor em sua equipe de atendimento. E muitas vezes, se fosse um paciente sem cor, eles fariam muitas suposições sobre meu papel. Atéhoje, como médico assistente em Yale, os pacientes estãoconstantemente me entregando suas bandejas e me perguntando se posso ligar para o médico. E sou o médico responsável oficialmente, e nos encontramos várias vezes. 

O papel e a influaªncia da raça no sistema de saúde foram, para mim, atravanãs da minha experiência de vida, dominante e avassaladora, e foi uma lente atravanãs da qual entender a medicina cla­nica. Ao aprender a prática cla­nica, também tive que lidar com essas realidades sociais que se manifestam no sistema de saúde. 

Qual foi o ponto quando vocêassumiu a equidade na saúde de uma forma mais formal?

Na faculdade de medicina, tive a oportunidade, por meio do SNMA e de alguns professores importantes, de entender um pouco mais sobre o que significa ser uma pessoa de cor nesta profissão. E durante minha residaªncia, que foi extremamente reveladora, eu treinei no Brigham and Women's Hospital. Acho que parte do nosso curra­culo oculto como residentes era o nosso dever de pensar em maneiras de melhorar a saúde e os resultados para as populações e comunidades, além de cuidar daquele paciente individual na nossa frente.

Tive mentores incra­veis no Brigham. Tive a Dra. JudyAnn Bigby, que foi minha orientadora oficial do programa quando eu era residente. Mais tarde, ela se tornou secreta¡ria de saúde e servia§os humanos do Estado de Massachusetts. Ela foi um modelo como pesquisadora, defensora e formuladora de políticas de equidade em saúde. Paul Farmer foi um dos meus participantes no Brigham; ele éalguém que deixou marcas incra­veis em todo o mundo em termos de pensamento sobre saúde global e igualdade na saúde global. Eu estava cercado por pessoas que estavam realmente motivadas por aquele valor compartilhado de patrima´nio, então comecei a pensar muito nisso. Foi quando eu disse: “Preciso de mais treinamento nisso”.

Minha irmã mais velha no programa era Sonia Angell, que agora écomissa¡ria de saúde do Estado da Califa³rnia. Ela estava indo fazer o Programa de Bolsistas Cla­nicos da Fundação Robert Wood Johnson, um programa de dois anos para médicos que proporcionava a vocêum conjunto de habilidades para se tornarem lideres em saúde. Sonia disse: “Vocaª deveria considerar este programa”. Eu olhei para o programa e fui fazer uma entrevista no site de Yale e tive a sorte de ser aceito. 

A comunha£o foi incra­vel. Harlan Krumholz e Betsy Bradley eram os codiretores na anãpoca. Howard Forman, com quem agora trabalho no Pozen-Commonwealth Fund Fellowship, era um de meus professores. Tudo o que aprendi sobre pola­tica, aprendi com Howie. 

Havia um talento incra­vel do corpo docente no Programa de Acadaªmicos Cla­nicos. E isso me deu o kit de ferramentas. Eu já sabia que estava no caminho de pensar sobre a equidade na saúde e era nisso que queria me concentrar. E o programa de bolsas em Yale me deu a oportunidade de construir esse arsenal. 

Quando vocêestãodecidindo se vai assumir algo, quais são os valores que vocêaplica para dizer: “Vale a pena meu tempo”? 

Dou conselhos aos professores juniores o tempo todo sobre como vocêaborda isso. Vocaª tem que responder a s perguntas, por que vocaª? e por que agora? E a resposta precisa ser: “Porque não haveria mais ninguanãm e porque a porta se fechara¡ se vocênão fizer isso”. Esse éo conselho que tento seguir. Tem que ser eu, essencialmente? Ha¡ mais alguém que pode fazer isso, que poderia ser mais adequado para fazer isso, francamente, do que eu? a‰ uma oportunidade para eu dar uma chance a outra pessoa e tentar continuar a pagar o patroca­nio e a orientação que recebi? 

E então, tem que ser hoje? Isso éalgo que, se eu disser não para hoje, vai voltar? Ou éapenas uma vez? 

Minha inclinação édizer sim. O trabalho que faa§o a s vezes pode ser desesperador. Os repa³rteres costumam dizer: "Oh, isso étão deprimente." Mas para mim, háotimismo, háesperana§a, háoportunidade no desafio, e acho que o trabalho éprofundamente divertido. Portanto, tento dizer sim, e provavelmente digo sim com mais frequência do que deveria. 

Como o Pozen-Commonwealth Fund Fellowship se encaixa em seu projeto pessoal de longo prazo? 

O que muitos de nosgostamos no trabalho que fazemos éa oportunidade de criatividade. O ini­cio de algo, seja um programa ou um projeto de pesquisa, éa chance de apenas inventar e imaginar. 

Lembro-me muito claramente de que Howie e eu esta¡vamos na cerima´nia de formatura do Programa de Bolsistas Cla­nicos, que agora éo Programa Nacional de Bolsistas Cla­nicos, e Howie disse: “O que vocêacha de trabalharmos juntos em uma proposta para o Fundo da Comunidade para um bolsa de estudos focada na igualdade na saúde? ” a‰ isso que te deixa realmente animado. 

“Este ano, algumas pessoas disseram: 'Oh, seria a³timo voltar para onde esta¡vamos.' E não acho que estamos tentando voltar para onde esta¡vamos. Estamos tentando chegar a um lugar diferente que seja melhor. ”


Tem sido um verdadeiro esfora§o de equipe com todos na SOM para trazer esse programa a  existaªncia. Este programa éum reconhecimento tanga­vel de que todos precisamos nos concentrar na equidade em saúde; este não éum conceito restrito a, digamos, uma escola de saúde pública ou uma escola de medicina. Precisamos do conjunto de habilidades de todas essas diferentes escolas de pós-graduação profissional para realmente comea§ar a fazer o progresso que acho que podemos fazer para alcana§ar a igualdade na saúde. 

Eu também dou uma aula sobre saúde da população e igualdade na saúde, junto com Brad Richards como meu co-instrutor, que éoferecida para o segundo ano do curso de saúde para o programa EMBA. Acho que ébastante singular em uma escola de nega³cios em qualquer lugar dizer: "Nãovamos apenas apoiar um programa de bolsa de estudos que tem a missão expla­cita de criar lideres no espaço de equidade em saúde, mas também que vemos o valor de ter um componente curricular isso garante que todos os nossos estudantes de saúde tenham a oportunidade de aprender mais sobre as disparidades e sobre o que eles podem fazer para promover a equidade. ”

Tudo o que aconteceu em 2020 influenciou seu pensamento sobre essas questões e como enfrenta¡-las? 

Parece que háum despertar em torno dessa questãodas disparidades, principalmente quando se trata de raça e etnia. Aprecio a curiosidade que estou experimentando de pessoas que estãoansiosas e famintas para aprender mais. Eu gosto agora de ser capaz de me levantar na frente do paºblico e não ter que justificar minha existaªncia, que éo que muitas vezes posso sentir. 

Sempre vai empurrar uma pedra morro acima. Isso éo que significa estar neste nega³cio de equidade em saúde, onde temos que enfrentar questões difa­ceis sobre a distribuição de recursos. Mas a pedra éum pouco mais leve. Se eu tiver 45 minutos, talvez não precise gastar o tempo todo tentando explicar que as disparidades são reais. a‰ este momento a oportunidade para iniciar conversas sobre como podemos chegar a soluções? E onde estãoessas soluções e como podemos encontra¡-las? 

Temos uma rede incra­vel de pesquisadores de equidade em saúde em todo opaís. Acho que todos estãoprendendo a respiração um pouco para ver quanto progresso podemos fazer neste momento especa­fico para não voltarmos a como as coisas eram.

Este ano, algumas pessoas disseram: “Oh, seria a³timo voltar para onde esta¡vamos”. E não acho que estamos tentando voltar para onde esta¡vamos. Estamos tentando chegar a um lugar diferente que seja melhor. Sofro de otimismo e espero em momentos como este, então acho que vamos emergir de forma diferente.

Quando vocêfala com as pessoas, o que vocêdiz a elas que são as coisas mais importantes que devemos fazer para fazer a diferença? 

Precisamos de acesso equitativo a cuidados de saúde de alta qualidade. E cada palavra nessa frase éimportante. 

Precisamos muito fora do setor de saúde. a‰ sobre todas as realidades estruturais que atuam na compreensão da desigualdade de forma mais ampla. A representação desproporcional de pardos e negros naqueles empregos de baixa renda na linha de frente que foram considerados essenciais durante a pandemia - essa éuma realidade estrutural. Para chegar a um lugar de resultados de saúde equitativos, temos de ter conversas difa­ceis sobre o acesso a s oportunidades. a‰ disso que realmente precisamos. Temos um sistema educacional segregado, separado e não igual nestepaís. 

Quando falamos sobre doenças pré-existentes e COVID, háuma narrativa que diz: “Oh, vocêtem pessoas que estãofazendo escolhas erradas com sua dieta e não estãose exercitando”, mas nunca háuma menção ao fato de que eles ' estou vivendo em bairros expostos a toxinas ambientais. Na³s não falamos sobre isso. Nãofalamos sobre o fato de que as pessoas vivem, não apenas em desertos alimentares, mas frequentemente em pa¢ntanos alimentares. Fui colher mirtilo ontem. Meus filhos tem muitos produtos frescos para comer. O que significa morar em um lugar onde vocêleva três a´nibus e um trem para chegar a um lugar que vende leite desnatado ou uma folha verde fresca? 

Temos que sair da área de saúde se formos sanãrios. As pessoas sempre ficam chocadas quando eu fornea§o essa estata­stica, mas sabemos que apenas cerca de 20% da variação nos resultados de saúde que vemos édevido ao atendimento cla­nico. Portanto, como médico, embora “acesso equitativo a cuidados de saúde de alta qualidade” seja a minha tatuagem, ainda tenho que dizer que, no final das contas, mais de 70% da varia¢ncia se deve a fatores socioecona´micos, para alguns desses fatores comportamentais que não são realmente baseados em escolhas. Se vocênão tem um supermercado, não tem escolha. 

Se eu tivesse essa varinha ma¡gica agora, ésobre acesso equitativo a cuidados de saúde de alta qualidade e acesso equitativo a oportunidades.

 

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