Saúde

Estudo indica um dos fatores que tornam nova variante do coronava­rus mais contagiosa
Usando a bioinforma¡tica, pesquisadores verificaram que a protea­na spike da nova linhagem viral - a B.1.1.7 - interage melhor com o receptor celular humano ACE2
Por Camila Paim - 08/01/2021


Reprodução

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP e da Faculdade de Odontologia de Ribeira£o Preto (FORP) da USP identificaram um dos fatores que tornaram mais infecciosa a nova variante do coronava­rus SARS-CoV-2, a B.1.1.7, origina¡ria do Reino Unido e com dois casos confirmados no Brasil pelo Instituto Adolf Lutz.

Por meio da aplicação de ferramentas de bioinforma¡tica, eles constataram que a protea­na spike osque forma a estrutura de coroa que da¡ nome a  familia dos coronava­rus osda nova variante estabelece maior força de interação molecular com o receptor ACE2, presente nasuperfÍcie das células humanas e com o qual o SARS-CoV-2 se liga para possibilitar a infecção.

O aumento na força de interação molecular da nova linhagem écausado por uma mutação já identificada no resíduo de aminoa¡cido 501 da protea­na spike do SARS-CoV-2, chamada de N501Y, que deu origem a  nova variante do va­rus, observaram os pesquisadores.

Os resultados do trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), foram publicados na plataforma bioRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares.

“Vimos que a interação entre a protea­na spike da nova variante do coronava­rus com a mutação N501Y émuito maior do que a apresentada pela primeira linhagem do va­rus isolado em Wuhan, na China”, diz a  Agência Fapesp Geraldo Aleixo Passos, professor da FMRP e da FORP e coordenador do projeto. Outro autor do estudo, que realizou as análises bionforma¡ticas, éJadson Santos, que realiza doutorado na FMRP, sob orientação de Passos. 

Com o surgimento da linhagem B.1.1.7 no Reino Unido, os pesquisadores levantaram a hipa³tese de que a mutação N501Y presente na protea­na spike da nova variante, resultante da substituição de um aminoa¡cido asparagina (N501) por um do tipo tirosina (N501Y), poderia ser um dos fatores responsa¡veis pela alta contagiosidade da nova linhagem do coronava­rus.

Isso porque o N501 já havia sido identificado como um resíduo de aminoa¡cido crucial na afinidade de ligação da protea­na spike ao receptor ACE2 humano e, consequentemente, implicado na infectividade do novo coronava­rus. Além disso, estudos anteriores também apontaram que a mutação N501Y encontrada na linhagem B.1.1.7 cobre um dos seis resíduos de aminoa¡cidos de contato-chave dentro da protea­na spike.

“Existem outras mutações no genoma dessa linhagem que não analisamos. Focamos na N501Y porque ela estãoimplicada na ligação da protea­na spike com o ACE2”, explica Passos.

A fim de testar a hipa³tese de que a alta infectividade da linhagem B.1.1.7 poderia ser devido amudanças na força de interação entre a protea­na spike mutante e o receptor ACE2, foram utilizadas estruturas da protea­na spike do SARS-CoV-2 isolado em Wuhan e da linhagem B.1.1.7, depositadas em um banco de dados de protea­nas, o Protein Data Bank.

Por meio de um software de doma­nio paºblico, chamado PyMOL, foi possí­vel visualizar a interação entre o resíduo de aminoa¡cido 501 da protea­na spike do SARS-CoV-2 com o resíduo Y41 da protea­na ACE2 humana e simular e analisar as interações resultantes da mutação N501Y encontrada na linhagem B.1.1.7 com o receptor celular.

“Esse software permite visualizar imagens dessas estruturas moleculares com uma aproximação de 3.5 angstrom de campo, muito maior do que as imagens geradas atémesmo por um ultramicrosca³pio”, compara Passos.

Por meio de outro software também de doma­nio paºblico, chamado PDBePISA, foi possí­vel comparar a interação das protea­nas spike da linhagem selvagem do SARS-CoV-2 e da mutante com o receptor ACE2 humano.

Os resultados das análises mostraram que a mutação N501Y na protea­na spike da nova variante do coronava­rus estabelece maior interação com o receptor ACE2 em comparação com a linhagem selvagem do va­rus. As interações foram predominantemente não covalentes osmais fracas –, observaram os pesquisadores.

“A somata³ria de várias ligações fracas entre a protea­na spike mutante da nova variante do coronava­rus com o receptor ACE2 humano resulta em interações moleculares mais fortes, que permitem que o va­rus entre mais facilmente nas células e deflagre o sistema de replicação”, explica Passos.

O estudo também revelou que a mutação N501Y causa uma alteração no espaa§amento entre os resíduos de aminoa¡cidos da protea­na spike, permitindo que estabelea§a ainda mais interações com o receptor ACE2.

“Juntas, essasmudanças confirmaram a hipa³tese de que a protea­na spike da B.1.1.7 interage mais fortemente com o receptor ACE2”, afirma Passos.

De acordo com o pesquisador, os resultados do estudo feito por meio de simulações computacionais in silico permitira£o orientar novos experimentos in vitro, voltados a avaliar em laboratório a infectividade da nova variante do coronava­rus em culturas de células humanas.

Evolução surpreendente

Segundo os pesquisadores, a rápida propagação do SARS-CoV-2 entre os humanos estãoimpulsionando sua evolução molecular. Atéagora, o va­rus acumulou mutações a uma taxa de atédois nucleota­deos por maªs, e isolados recentes apresentam pelo menos 20 alterações de nucleota­deos em seus genomas em comparação com a linhagem selvagem, isolada em janeiro de 2020. A maior parte das mutações estãolocalizada na protea­na spike.

A linhagem B.1.1.7., detectada no ini­cio de setembro e descrita em dezembro de 2020 pelo Covid-19 Genomics UK Consortium, no Reino Unido, e já registrada em outros 17países, incluindo o Brasil, representa um exemplo, entre vários outros, da rápida evolução molecular do novo coronava­rus. Contudo, surpreendeu os cientistas por acumular 17 mutações, das quais oito estãolocalizadas no gene que codifica a protea­na spike nasuperfÍcie do va­rus. “Essa nova linhagem acumula muitas mutações. Se observa um número menor em outras linhagens virais”, compara Passos.

Como a descrição dessa nova variante érecente, ainda não da¡ para avaliar com maior detalhe o fena³tipo, ou seja, se ela émais ou menos patogaªnica, explica o pesquisador.

 

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