Saúde

Sa­ndrome da Gaiola caracteriza jovens que não querem contato com o mundo exterior
Medo e transtornos mentais, agravados pela pandemia do coronava­rus, fazem com que jovens deixem de receber esta­mulos do mundo externo, importantes para o seu desenvolvimento
Por Gustavo Zanfer - 16/06/2021


 Foto: Shutterstock

“Existem pessoas que estãomuito assustadas com a pandemia, em umnívelem que realmente não saem de casa e recebem, de uma forma muito distante, outras pessoas e esta­mulos externos” osFoto: Marc Thele osPixabay

Enquanto alguns jovens são motivo de preocupação por não se adaptarem a longos períodos isolados em casa e assim desrespeitarem o distanciamento social durante a pandemia do coronava­rus, outros preocupam por se adaptarem muito bem ao isolamento. O termo Sa­ndrome da Gaiola foi cunhado pelo psiquiatra da infa¢ncia e adolescaªncia da Associação Brasileira de Psiquiatria, Gabriel Lopes, e, em alusão aos pa¡ssaros que não deixam o cativeiro, refere-se aos jovens que estãono outro extremo, apoiando-se nas modalidades virtuais e desconsiderando por completo os esta­mulos vindos do contato com o mundo exterior. A educação foi uma das áreas-alvo da sa­ndrome e, nesse contexto, de uma sanãrie a outra sem sair do quarto, transtornos mentais podem ser desenvolvidos ou agravados mesmo em alunos que conseguiram manter um bom desempenho escolar. 

“Existem pessoas que estãomuito assustadas com a pandemia, em umnívelem que realmente não saem de casa e recebem, de uma forma muito distante, outras pessoas e esta­mulos externos”, afirma Guilherme Polanczyk, psiquiatra da infa¢ncia e adolescaªncia e professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Ele explica que “essas pessoas, na maior parte das vezes, já apresentavam algum tipo de transtorno mental, frequentemente um transtorno de ansiedade antes da pandemia, ou, pelo menos, sintomas, e com esse estressor grande que a pandemia constitui, realmente apresentaram uma piora”, explica, apontando para a intensificação da ansiedade fruto da possibilidade de contaminação atravanãs do contato com o mundo externo, comportamento que caracteriza a Sa­ndrome da Gaiola.

O professor explica que as relações sociais são fundamentais para o desenvolvimento das criana§as e dos adolescentes. Nos adolescentes, a interação com os amigos, as experiências que acontecem a partir dessas interações, festas, viagens, namoros e conflitos são muito importantes para o desenvolvimento da identidade dos jovens. “Nesse período em que os adolescentes estiveram afastados uns dos outros e essas experiências não ocorreram, houve perdas importantes em termos de desenvolvimento, então eles saem da pandemia ou iniciam uma retomada das atividades de uma forma gradual, na medida em que pandemia estãomais ou menos controlada, com perdas e com danãficits”, afirma Polanczyk.

Para muitos alunos, o ensino on-line éefetivo, pode economizar tempo e, segundo o professor, “eles se sentem mais conforta¡veis em casa, ainda conseguem manter contato com os amigos, eventualmente atéencontra¡-los, e aa­ muitos tem resistência em sair desse modelo que, de alguma forma, estãofuncionando”. Entretanto, Polanczyk ressalta que o encontro com os colegas, com outros adolescentes, a exposição a s provas, a  aula presencial, pode levar a uma piora da ansiedade que estava estabilizada dentro de casa.

“A depressão, por outro lado, faz com que a criana§a ou adolescente tenha uma falta de energia e disposição, um sentimento negativo em relação a  vida e a si própria e, sem daºvida, isso interfere na realização das atividades escolares”, afirmando ainda que “muitas vezes, em casa, o ensino on-line estãosendo feito de uma forma parcial, então assistem a s aulas deitados na cama, ou não assistem, deixam a ca¢mara ligada, as provas eventualmente são feitas com consulta. Então, a retomada da aula presencial significa um esfora§o maior a uma necessidade realmente de dedicação e, para alguém que estãodeprimido, isso éalgo muito difa­cil”.

Além das dificuldades impostas por transtornos mentais e outros paradigmas que sustentam a Sa­ndrome da Gaiola, os jovens ainda podem lidar com outras demandas em casa, com a fama­lia, que sofreu uma reorganização em sua rotina. O professor Polanczyk acredita que a ação de servia§os de saúde vai ser necessa¡ria para auxiliar as pessoas, em termos de depressão, durante a retomada das atividades.

 

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