Saúde

Estimulação magnanãtica transcraniana 'theta-burst' éineficaz para tratar depressão mista
Tanãcnica foi aplicada em 90 voluntários com transtorno bipolar e transtorno depressivo maior. Resultados são importantes para ajudar a decisão dos médicos quanto aos protocolos mais adequados para tratar esses pacientes
Por Ivanir Ferreira - 23/07/2021


Pessoas que sofrem com depressão mista tem baixa resposta a  maior parte dos medicamentos dispona­veis, tendo inclusive piora com antidepressivos osArte: Jornal da USP

Resultados de uma pesquisa realizada no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Cla­nicas (HC) da Faculdade de Medicina  (FM) da USP descartam o uso de estimulação magnanãtica transcraniana, modalidade theta-burst (TBS), no tratamento de pessoas com depressão mista osum subgrupo da doença com baixa resposta ao tratamento convencional da depressão, os antidepressivos. O estudo, que durou seis semanas e contou com a participação de 90 voluntários com transtorno bipolar e transtorno depressivo maior (depressão cla¡ssica), mostrou ausaªncia de eficácia na resolução dos sintomas neste tipo de depressão, confirmando outros estudos que mostram a resistência desses pacientes a tratamentos convencionais. 

Os resultados obtidos são de grande importa¢ncia porque va£o servir para orientar a decisão dos médicos quanto aos protocolos mais adequados para tratar pacientes com sintomas mistos de depressão na vida real. Um artigo descrevendo o estudo foi publicado dia 30 de junho na revista Neuropsychopharmacology osPubmed.

Segundo o médico psiquiatra Diego Freitas Tavares, do IPq, autor da pesquisa e o primeiro autor do artigo, a depressão mista se apresenta como um quadro diferente em termos de curso cla­nico, tendo elevada recorraªncia (mais de três episãodios depressivos ao longo da vida) e com menor resposta aos tratamentos convencionais. Ocorre tanto em portadores de depressão cla¡ssica quanto em pessoas com transtorno bipolar. Na depressão mista, háuma combinação variada de sintomas de depressão e de agitação, que traz mais sofrimento aos pacientes, relata Tavares.

Os principais sintomas incluem humor deprimido (tristeza, culpa e sentimento de inutilidade), redução na capacidade de sentir prazer pelas coisas e falta de energia e motivação ospra³prios de uma depressão comum. Associado a essas questões, o paciente também pode ser acometido por uma grande quantidade de pensamentos, dificuldade de concentração, irritabilidade e aumento da impulsividade ospra³prios da ativação. “Nesses quadros, os antidepressivos tendem a causar piora da depressão, intensificando a agitação, a irritabilidade, a insa´nia, a ansiedade, a quantidade de pensamentos, a dificuldade de concentração e a tristeza, com o surgimento de angaºstia e desespero, e mais comportamentos compulsivos (comer, fumar, beber, gastar, se masturbar, etc.)”, explica.

Estimulação magnanãtica transcraniana

Segundo o pesquisador, a estimulação magnanãtica transcraniana (EMT) éuma técnica não farmacola³gica já amplamente utilizada no tratamento dos transtornos de humor (depressão e transtorno bipolar). a‰ considerada uma técnica de neuromodulação pois teria capacidade de regular o funcionamento cerebral sem o uso de psicofa¡rmacos. A técnica consiste na utilização de ondas magnanãticas que va£o produzirmudanças nos neurocircuitos cerebrais, que modulam as regiaµes envolvidas com os transtornos do humor, com as áreas la­mbicas e associadas aos na­veis de energia, ao impulso e ao pensamento, explica.

Mais recentemente, foi desenvolvida uma nova modalidade de estimulação magnanãtica, a TBS, cuja vantagem principal seria o menor tempo de duração da sessão em relação a  EMT convencional: em torno de 10 minutos na TBS, enquanto que a EMT convencional tem duração de cerca de 45 minutos.

Tipos de depressão

Segundo o médico psiquia¡trico Diego Tavares, a depressão não se manifesta de forma idaªntica nas pessoas e cada espectro da doença exige avaliação criteriosa e acompanhamento de um profissional de saúde. Na depressão melanca³lica, os sintomas mais comuns são tristeza, culpa, sentimentos de inutilidade e desesperana§a,  insa´nia, falta de apetite, queda na concentração e queda na libido. Na depressão ata­pica ocorre inversão dos sintomas da depressão melanca³lica: ao invanãs de insa´nia a pessoa apresenta sono excessivo; ao invanãs de falta de apetite, também hácompulsão alimentar. Na depressão ansiosa, a pessoa tem medo, preocupações e antecipação negativa do futuro. Na depressão mista, os pensamentos são acelerados, hámaior irritabilidade e comportamentos compulsivos de compra, de sexo e na forma de reagir a situações a aos outros. Na depressão psica³tica, além dos sintomas ta­picos da depressão, a pessoa apresenta dela­rios (crena§as irreais, como estar sendo perseguido) e alucinações (ver ou ouvir coisas que os outros não estãopercebendo). A depressão pa³s-parto estãoligada a  queda da produção de horma´nios que ocorre logo após o parto. E a depressão sazonal estãoassociada a  falta de luz solar e costuma acometer pessoas que moram empaíses de climas bastante frio, como a Noruega, e em alguns lugares do Canada¡ e EUA, onde a disponibilidade de luz natural émenor em períodos de inverno extremo.

A pesquisa

A pesquisa foi feita com metodologia de ensaio cla­nico randomizado, controlado e duplo-cego (manãtodo no qual nem o volunta¡rio da pesquisa nem o investigador sabem o que estãosendo utilizado) para não haver tendaªncia de avaliação enviesada dos dados.

Os voluntários foram convocados por meio de redes sociais e tiveram como critanãrio ter tido episãodios depressivos graves moderados ou graves com caracteri­sticas mistas e terem recebido pelo menos um tratamento farmacola³gico de primeira ou segunda linha, sem resposta positiva. Depois desta etapa, e após feita uma triagem presencial para avaliação cla­nica e neuropsicológica, foram selecionados os 90 pacientes que efetivamente participaram da pesquisa. O grupo era composto na maior parte de mulheres com idade entre 18 e 65 anos.

No centro de pesquisa, os pacientes foram divididos em dois grupos, metade recebeu os esta­mulos magnanãticos (grupo ativo) e o outro não (grupo simulado), lembrando que nem os pacientes nem os pesquisadores sabiam em que grupos cada paciente se encontrava. Igualmente, todos passaram pelo mesmo procedimento, com a diferença de que, para um dos grupos, o equipamento simulava a emissão do esta­mulo magnético mas não o fazia.

Foram seis semanas de pesquisa e observações. Nas primeiras três semanas, foram administradas sessaµes dia¡rias (uma sessão por dia, durante cinco dias consecutivos) e nas semanas seguintes a técnica foi conduzida de forma mais espaa§ada (uma sessão, dois dias por semana) para minimizar os efeitos de descontinuidade das intervenções.

Resultados

Ao final das seis semanas, os pesquisadores verificaram que, embora a técnica tenha demonstrado segurança e boa tolera¢ncia, não houve diferenças significativas na melhora do quadro da depressão entre os pacientes dos dois grupos, inclusive com uma tendaªncia de piora nos participantes que pertenciam ao grupo ativo. As estimulações ativas e simuladas foram semelhantes na taxa de eventos adversos (cefaleia, dor cervical, dor no couro cabeludo, queimação no couro cabeludo, dificuldade auditiva, dificuldade de concentração, alterações cognitivas, variações de humor e convulsão) e graves (agravamento da depressão e virada mana­aca decorrente do tratamento).

Diego Tavares disse que sua hipa³tese inicial era de que os pacientes que receberam TBS ativa tivessem maior redução nos sintomas depressivos mistos em relação aos que receberam TBS simulada, sugerindo que a TBS tivesse efeito estabilizador de humor, mas este resultado não se confirmou na prática . 

No momento, o tratamento mais indicado para essa modalidade de depressão são os estabilizadores do humor, uma classe de medicamentos que inclui alguns fa¡rmacos como la­tio, anticonvulsivantes (a¡cido valproico e carbamazepina) e antipsica³ticos (risperidona, olanzapina, quetiapina, aripiprazol, ziprasidona, entre outros), conclui o pesquisador.

A pesquisa sobre o uso de estimulação magnanãtica transcraniana TBS em pacientes com depressão mista também foi o tema do doutorado do médico que serádefendido no final de julho: Avaliação da efica¡cia, segurança e tolerabilidade da estimulação magnanãtica transcraniana modalidade theta-burst (TBS) nos transtornos bipolar e depressivo maior com caracteri­sticas mistas: um ensaio cla­nico randomizado, controlado, duplo-cego e de grupo paralelos. A orientação do trabalho foi dos professores Ricardo Alberto Moreno, do Grupo de Estudos de Doena§as Afetivas (Progruda), e AndréRussowsky Brunoni, do Servia§o Interdisciplinar de Neuromodulação e Estimulação Magnanãtica Transcraniana (SIN-EMT) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Cla­nicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

 

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