Tecnologia Científica

Cientistas desenvolvem expertise estudando a interação ma£e-feto a partir da placenta
Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas busca proteger gestaa§aµes com derivado do azeite e ganha reconhecimento internacional
Por Naísia Xavier - 11/09/2019

Foto: Naa­sia Xavier
Grupo de pesquisa da Ufal se concentra em atenção preventiva a gestantes

Como épossí­vel fazer boa ciência no Brasil? Com os recursos dispona­veis, sensibilidade para os problemas das pessoas reais, colaboração interdisciplinar enívelde qualidade internacional.  Pelo menos, esta éa receita que parece estar gerando resultados significativos no Grupo de Pesquisa Saúde da Mulher e da Gestação, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

O biomédico e doutor em biologia celular, Alexandre Borbely, coordena uma equipe de 10 pesquisadores, da iniciação cienta­fica ao pa³s-doutorado, que se dividem em três linhas de investigação, todas elas focadas em problemas que podem acometer a ma£e e o feto durante uma gestação. Tambanãm participa do grupo a pa³s-doutoranda Karen Borbely, da Faculdade de Nutrição da Ufal.

Em uma das linhas de pesquisa, eles observam como o uvaol, uma substância derivada do azeite de oliva, poderia prevenir a morte de células da placenta causadas pela bactanãria Streptococcus agalactiae, um tipo de estreptococo do grupo B, que são normalmente encontradas na vagina de 30% das mulheres, tanto empaíses em desenvolvimento quanto nospaíses desenvolvidos. Cerca de um em cada 2 mil bebaªs recanãm-nascidos sofrera¡ com uma infecção neonatal causada por elas.

Mas, e durante a gravidez? O professor Alexandre explica que a bactanãria pode subir pelo canal vaginal: “Essa infecção pode passar pela placenta e membranas fetais, chegando no bebaª, e causar algumas alterações nas mucosas ocular e auditiva, e alguns danos de sistema neurola³gico”.   

A inflamação das membranas do feto écaracterí­stica de uma doença chamada corioamnionite, que érelativamente comum e estãoligada a  maioria dos casos de prematuridade e abortamento.

“Acaba sendo algo que impacta muito tanto na mulher, porque ela pode perder o bebaª durante esse processo, mas também acaba impactando muito o SUS”, explica o cientista. “O bebaª pode nascer com menos peso, com um tamanho menor, e isso vai requerer mais cuidados”.

Desafio


Ainda não hámanãtodos diagnósticos eficazes para se lidar com isso. a€s vezes, a mulher não apresenta sintomas da infecção durante sua gravidez e muitos casos acabam passando despercebidos pelas analises de rotina de um pré-natal. O que pode ser feito écoleta do material vaginal, poranãm, em caso positivo, o aºnico tratamento dispona­vel ainda são medicamentos antibia³ticos.

Isso pode alterar toda a flora microbia³tica que estãosendo construa­da no bebaª, causando efeitos negativos que va£o se estender para além da gestação. “Nunca ébom usar antibia³ticos numa gravidez; isso são vai acontecer em casos de infecção muito grave”, comenta Borbely.

Estratanãgia


A ideia de aplicar o uvaol a  corioamnionite surgiu a partir da interação com bons resultados de outro trabalho produzido no Laborata³rio de Biologia Celular, no bloco de pesquisa multidisciplinar da Ufal, no qual o professor Emiliano Barreto, doutor em biologia, observou efeitos antinflamata³rios e antiarlanãrgicos da substância em animais com asma.  

“Porque não utilizar o uvaol durante a gestação, para prevenir os efeitos ruins que essa bactanãria causa? Indo mais nessa questãonutricional, se a mulher consome bastante do azeite de oliva, ou usa desse composto como suplemento, caso a gente consiga levar para o mercado, isso poderia prevenir uma infecção ou um efeito colateral pior. a€s vezes, são o fato de a mulher inflamar já éruim para o bebaª. Diminuir essa inflamação nessa regia£o do corpo émuito importante se ela quiser manter a gestação atéo fim”, comenta o biomédico.

Prêmios e Colaborações


Ainda em andamento, a pesquisa já estãorendendo premiações. Duas bolsistas de iniciação cienta­fica do projeto ganharam um praªmio antecipado da International Federation of Placenta Associations (Federação Internacional das Associações [de pesquisa sobre] Placenta, IFPA), uma entidade responsável por coordenar encontros cienta­ficos internacionais que reaºnem o que háde mais relevante em sobre pesquisas sobre placenta em curso no mundo inteiro.

Lays Xavier, graduanda em biologia, e Rayane Martins, graduanda em enfermagem, ganharam o praªmio YW Loke New Investigator Award, para pesquisadores iniciantes, se destacando com a qualidade cienta­fica dos respectivos resumos do trabalho de cada uma. Desta forma, elas va£o poder apresentar seus artigos no encontro internacional da Federação isentas da inscrição, no valor de 500 da³lares, cada.

O evento acontece em Buenos Aires, na Argentina, de 10 a 13 de setembro, em consona¢ncia com o 8º Simpa³sio Latino Americano de Interação Materno-Fetal e Placenta (SLIMP). Com o apoio da Fapeal, também viajam para o mesmo evento o professor Alexandre Borbely e a doutoranda Eloiza Tanabe, que foram selecionados atravanãs do Edital de Apoio a  Participação em Eventos Cienta­ficos (AORC).

O grupo de pesquisa já faz parte de uma rede internacional de colaboração chamada Rivatrem (Rede Ibero-Americana de Alterações Vasculares em Problemas da Gestação), que reaºne pesquisadores da Argentina, Brasil, Chile, Cola´mbia, Equador e Manãxico, além de colaborar de perto com um laboratório canadense. 

Lembrando que a produção cienta­fica denívelinternacional responde igualmente a necessidades especa­ficas do estado, o professor Fa¡bio Guedes, diretor-presidente da Fapeal, comenta:

“Esta éuma excelente nota­cia para Alagoas. Ao mesmo tempo em que o Governo Renan filho constra³i e equipa um hospital que serádedicado a  mulher, com atenção especial a s gestantes, os pesquisadores da nossa universidade federal estãodesenvolvendo esse tipo de expertise”, avalia o gestor.

Inovação e Resultados


“Poucas pessoas no mundo pesquisam formas de se prevenir algo na gestação”, aponta o professor Alexandre Borbely.  “Porque se acontece algum problema, dificilmente existe algum tratamento ou algum remanãdio que pode ser usado nessa fase. A gestante fica muito exposta, acaba sendo um grupo de extremo risco”, avalia o cientista, contando inclusive com o olhar sensibilizado de quem se tornou pai recentemente.

Ele comenta a pertinaªncia de pesquisar algo que pode ser usado como preventivo: “Ainda mais um produto natural que pode ser adquirido atépela alimentação, ou como um suplemento alimentar”, observa o cientista, comentando que, a  exceção do a¡cido fa³lico (vitamina B9), usado hámuitos anos, durante a gestação, para prevenir alterações no sistema nervoso dos bebaªs, quase nada mais foi comprovado na área de suplementação para as futuras mama£es.

No entanto, além da boa ideia, os pesquisadores estãofortalecendo sua abordagem atravanãs da inovação técnica, principalmente com a colaboração interdisciplinar.

Nesta caso, a parceria écom a Fa­sica, atravanãs dos professores Samuel de Souza e Eduardo Jorge da Fonseca, que compõem o Grupo de a“ptica e Nanoscopia no Instituto de Fa­sica, da Ufal, que possui um microsca³pio de força atômica, do qual hápoucos exemplares no Brasil, e um instrumento de espectroscopia Raman, uma técnica de alta resolução que utiliza a³tica e luz, proporcionando, em poucos segundos, informação química e estrutural de quase qualquer material, orga¢nico ou inorga¢nico, permitindo assim sua identificação. 

Alexandre Borbely diz que, dessa forma, épossí­vel integrar equipamentos de ultima geração na pesquisa em saúde, conseguindo resultados que “conversam” mais entre si, e aumentando a sensibilidade para observar eventos que passariam despercebidos de outra forma.

Essa integração, no trabalho de Lays Xavier, rendeu o praªmio de melhor pa´ster num congresso da Sociedade Brasileira de Biofa­sica, em Recife, já este ano.

“a‰ muito importante ter a noção de que a gente estãocontribuindo para a ciência de uma forma mais efetiva e acho que nosso trabalho éde extrema releva¢ncia, porque traz uma inovação que pode ser via¡vel, e háuma escassez disso nesse ramo na ciaªncia”, observa Lays.

Já trabalho de Rayane Martins, ganhou honras em 2017, no tradicional Congresso (internacional) da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapaªutica Experimental. 

“Para mim, que sou da enfermagem, pessoalmente émuito interessante sair da aanãrea cla­nica e entrar um pouco na pesquisa, vendo como ajudar a mulher de outras formas também, buscando uma forma acessa­vel para prevenir problemas com a ma£e e o feto”, comenta Rayane.   

Trabalhos orientados pelo professor Alexandre Borbely ganharam nove prêmios em três anos, de 2017 atéagora, sendo maioria deles sobre placenta.

Recentemente, o Grupo de Pesquisa Saúde da Mulher e da Gestação publicou seu primeiro artigo, numa revista cienta­fica internacional, considerada pelo Ministanãrio da Educação como sendo da melhor qualidade (de acordo com o indicador Qualis A, da agaªncia federal Capes), e de alta releva¢ncia, de acordo com a manãtrica mundial do fator de impacto, que neste caso, encontra-se em 3,68.O texto vai assinado por 16 pesquisadores, sendo 13 da Ufal e três do Canada¡ (universidades McGill e Sherbrooke).  

 

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