Tecnologia Científica

Pesquisa apresenta novidades sobre a Bacia Amaza´nica
Estudo inanãdito da biodiversidade de peixes, com base em fatores como o clima do presente e do passado, tenta explicar a formaa§a£o da bacia
Por Carolina Pires - 07/11/2019

Douglas Bastos/Agência Fapesp
Consãorcio Amazon Fish reaºne instituições de diferentespaíses para consolidar base de dados sobre peixes da Bacia Amaza´nica

Em uma extensão de sete milhões de quila´metros quadrados estãoa maior diversidade de peixes de águadoce do planeta. A Bacia Amaza´nica éa maior do mundo, mas ainda não foi totalmente desvendada pela ciência Uma pesquisa recente identificou que as mais de duas mil espanãcies de peixes da Amaza´nia tem uma distribuição peculiar, o que pode dar novos inda­cios sobre a formação da bacia.

Publicado na revista Science Advances osperia³dico internacional de alto impacto os, o estudo éresultado do projeto de colaboração internacional intitulado Amazon Fish, que contempla uma grande base de dados sobre peixes amaza´nicos. A plataforma écoordenada por diferentes instituições europeias, como o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), da Frana§a, e o ERANet-LAC, rede cienta­fica que integrapaíses da Unia£o Europeia e da Amanãrica Latina e Caribe.

A iniciativa reaºne ainda cientistas depaíses onde se situa a Bacia Amaza´nica (Brasil, Peru, Cola´mbia, Equador, Venezuela, Guiana e Bola­via) e também da Banãlgica. Participaram do artigo, 21 pesquisadores de 17 instituições. O professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biola³gicas (IB) da UnB Murilo Sversut Dias foi o responsável pela análise do banco de dados, em colaboração com o pesquisador francaªs Thierry Oberdorff.

O trabalho teve ini­cio hátrês anos e, desde então, foram realizadas reuniaµes peria³dicas para discutir a integração de dados dos diferentes pesquisadores participantes. “Como cada instituição tinha um conjunto de informações de uma regia£o onde trabalhava hámais tempo, o maior esfora§o foi reunir esses detalhes, organizar e consolidar uma base de dados única”, explica Dias.


O objetivo dos encontros era, entre outros, verificar questões sobre a ocorraªncia das espanãcies e das bacias de drenagem, e a forma de classificação da fauna, assim como compartilhar resultados preliminares do estudo. Segundo o docente, esta foi uma das primeiras investigações utilizando a base no a¢mbito do grupo de pesquisa.

“Embora seja de suma importa¢ncia e muito diversa, a Bacia Amaza´nica ainda éum grande hiato do conhecimento, não são em termos de peixes, mas de outros seres vivos”, disse. O estudo inova ao trazer uma compreensão mais ampla sobre essa biodiversidade em grande escala.

BIOGEOGRAFIA osA pesquisa utilizou uma abordagem macroecola³gica e biogeogra¡fica com o objetivo de determinar como a distribuição da riqueza de espanãcies e de endemismos foi determinada por fatores ambientais do presente e do passados ao logo dos últimos milhares de anos. “Esta¡ relacionado a como e onde esses animais surgiram nos diferentes rios da bacia e com que intensidade”, pontua.

“Quera­amos entender quais espanãcies ocorrem em determinados rios ou bacias de drenagem, quantas espanãcies existem e o quanto similar éa fauna de peixes entre as bacias. Isso tudo levando em conta o contexto hista³rico dos últimos dez, vinte milhões de anos na Amaza´nia; ou seja, o que aconteceu com essa fauna em função dasmudanças na bacia", completa o pesquisador da UnB.


De acordo com o professor Dias, especialista em macroecologia, existem outros trabalhos prévios sobre a distribuição de peixes da Amaza´nia, mas esta foi a primeira vez em que a fauna foi relacionada a diferentes fatores oscomo, por exemplo, o clima do presente e do passado osque podem ter influenciado a formação da fauna de peixes amaza´nicos. “Nesse sentido, o nosso estudo foi pioneiro, pois nosnão são descrevemos e quantificamos as espanãcies, mas tentamos explicar como essa diversidade foi formada”, afirma.

A investigação de uma bacia hidrogra¡fica permite conhecer um pouco do que aconteceu naquela área ao longo do tempo. No caso da Amaza´nia, épossí­vel inferir como asmudanças no continente sul-americano determinaram a biodiversidade, que éprópria daquela regia£o tropical. Portanto, “entender a história desses organismos éentender sua origem evolutiva e como essa regia£o megadiversa foi formada”, segundo o professor brasileiro. 

RESULTADOS INESPERADOS osEm geral, quando se trata de peixes de águadoce, são encontradas mais espanãcies a  medida que se aproxima da foz do rio, pois énessa regia£o onde teoricamente os animais conseguem passar com mais frequência, funcionando como um ponto de conexão da fauna aqua¡tica. Além disso, este éo local mais abundante e rico, com mais ha¡bitats e alimentos dispona­veis.

Dias assegura, no entanto, que o estudo na Amaza´nia mostrou justamente o contra¡rio. Os dados indicam uma diversidade grande de espanãcies na porção oeste da bacia, na parte mais rio acima, distante da foz. Isto éo que os pesquisadores chamaram de gradiente inverso de diversidade.

Apa³s analisar a variedade de espanãcies de peixes em 97 sub-bacias, os dados correlacionados com os fatores hista³ricos e geogra¡ficos confirmam que a Bacia Amaza´nica tinha uma configuração diferente hálguns milhões de anos. “Os rios a oeste da bacia drenavam para o Norte, em direção ao Caribe, ou seja, as a¡guas desaguavam onde hoje estãoa Venezuela e a Cola´mbia”, sinaliza.

Amedida que os Andes foram soerguendo, a bacia de drenagem foi mudando de configuração e a águapassou a drenar para o Oceano Atla¢ntico. Mas os cientistas acreditam que as espanãcies não tiveram tempo de acompanhar essasmudanças nos rios, e não tiveram tempo para descer, migrar e se dispersar rio abaixo. Por isso, acredita-se que a mudança na configuração do rio não seja tão antiga quanto se imaginava (dois milhões de anos ou ainda mais recente).

A pesquisa também revelou que as áreas mais esta¡veis climaticamente nos últimos duzentos mil anos apresentam, além de uma riqueza e variedade maiores, muito mais espanãcies de peixes endaªmicas, que são ocorrem naquela regia£o e em nenhum outro lugar do mundo. “As bacias que se mantiveram quentes e aºmidas são aquelas com mais espanãcies; por outro lado, aquelas cujo clima se alterou mais ao longo do tempo contemplam um número de espanãcies endaªmicas muito menos significativo", explica Dias. 

O endemismo foi mais notado justamente no entorno da bacia, nos escudos, tanto do Centro e Norte do Brasil, quanto das Guianas e na proximidade das cordilheiras. E essas, segundo Dias, “são regiaµes que também contem muitos rios fragmentados por cachoeiras, um fator biogeogra¡fico importante para a geração de espanãcies novas ao longo de milhares de anos de evolução”. Portanto, émais um indicativo do efeito hista³rico na formação da fauna de peixes da Bacia Amaza´nica.

PERSPECTIVAS osCom a consolidação da base de dados, outros estudos estãosendo desenvolvidos, especialmente no sentido de identificar as lacunas de pesquisa. Uma das aplicações prática s desse projeto foi a determinação de áreas na bacia que ainda precisam de novas amostragens de peixes.

Outra linha de investigação éa classificação das bacias de drenagem de acordo com a necessidade de conservação e o potencial de produção energanãtica e/ou agra­cola. Segundo Murilo Dias, épreciso conjugar esses cenários e determinar quais são as áreas estratanãgicas para o uso sustenta¡vel e a preservação da fauna, especialmente nos locais que registram grande número de espanãcies endaªmicas.

Os pesquisadores estãopreocupados, ainda, em fazer projeções demudanças climáticas e analisar seus efeitos nos peixes, apontando quais espanãcies va£o expandir ou reduzir sua área de distribuição, migrar para rio abaixo ou rio acima. Ha¡ também a expectativa de incluir dados filogenanãticos, relacionando as caracteri­sticas das espanãcies e suas adaptações a um contexto evolutivo.

A expectativa do projeto Amazon Fish édisponibilizar e tornar as informações sobre a biogeografia de peixes mais acessa­veis e o grupo espera que, até2020, a base de dados esteja dispona­vel para fomentar novos estudos. E, embora existam no Brasil alguns centros amaza´nicos específicos, como o Instituto Nacional de Pesquisa da Amaza´nia, em Manaus, ou ainda o Museu Paraense Ema­lio Goeldi, em Belanãm, o docente reconhece que ainda épreciso um esfora§o maior para conhecer toda a diversidade que a regia£o amaza´nica abriga. 

 

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