Tecnologia Científica

Descoberta de novos va­rus em animais do Cerrado
Estudo encabea§ado por aluno de graduaa§a£o revelou ainda novos hospedeiros para va­rus já conhecidos e descreveu, pela primeira vez, a existaªncia de alguns organismos
Por Nicolau Ferraz - 21/11/2019


O aluno de graduação da UnB Matheus Duarte foi um dos protagonistas do estudo: trabalho de campo, coleta e análise no laboratório

Os va­rus formam um universo ainda pouco explorado pelo ser humano. Por definição, são os aºnicos organismos acelulares presentes no planeta hoje e, apesar de apresentarem uma estrutura simples, são pouco conhecidos pela ciência Assim, muitos pesquisadores e cientistas investem em pesquisas nesse campo.

O sentimento não foi diferente para Fabra­cio Campos, professor da Universidade Federal do Tocantins. Inspirado em uma pesquisa de sucesso que fez anteriormente com lobos-marinhos osquando descobriu novas espanãcies virais –, ele decidiu aplicar a mesma metodologia em novo estudo com animais silvestres do Cerrado presentes no Hospital Veterina¡rio (HVet). A ideia surgiu quando ele foi professor visitante da UnB, de 2016 a 2018, e se deparou com uma enorme variedade de espanãcies no setor de animais silvestres do HVet. 

a‰ importante ressaltar que mais de 70% das doenças humanas derivam da interação com animais, as chamadas zoonoses. Isso se deve ao fato de eles possua­rem diversos va­rus que podem se tornar patógenos humanos em caso de infecção. “Conhecer e monitorar a presença de va­rus em animais selvagens étambém uma questãode saúde pública, pois isto pode prevenir e evitar que epidemias ocorram”, explica o professor Fabra­cio Campos. 

PARCERIA osPara realizar a pesquisa, o professor Fabra­cio convidou o estudante de graduação da UnB Matheus Duarte e os professores do Instituto de Ciências Biola³gicas (IB) Tatsuya Nagata, Bergmann Ribeiro e Fernando Lucas. Matheus foi um dos protagonistas do estudo, ficando encarregado do trabalho de campo, da coleta do material e das análises no laboratório. “Liderar e participar de uma pesquisa que traz tantas novas informações acerca do microbioma viral de espanãcies conhecidas, mas pouco estudadas, émuito gratificante”, afirma, lembrando da necessidade que ainda existe de se caracterizar o viroma (conjunto de va­rus) dos animais silvestres do Cerrado. 

O resultado da pesquisa não são servira¡ de apoio para futuros estudos sobre va­rus e a propagação deles entre animais do Cerrado, como também gerou um artigo, intitulado Faecal Virome Analysis of Wild Animals from Brazil, publicado na renomada revista internacional Viruses.

Segundo o professor Fabra­cio, em meio a um período de contingenciamento e cortes de gastos com bolsas para pesquisa cienta­fica, o estudo representa um sinal de resistência do meio acadaªmico. Além da falta de financiamento, outro problema que dificulta o trabalho cienta­fico éo “descranãdito da sociedade em relação a ciência e cientistas”, segundo ele. “Infelizmente, isso desestimula novos alunos a seguirem essa carreira tão empolgante”, lamenta.

RESULTADOS osA parte prática envolveu a coleta de fezes no setor de animais silvestres do HVet. Traªs espanãcies de mama­feros (macaco-prego, saruaª e fura£o) e três espanãcies de aves (papagaio-verdadeiro, aratinga e cana¡rio-da-terra) foram utilizadas. 

As amostras coletadas foram refrigeradas numa temperatura de -70°C e levadas para o Laborata³rio de Virologia (IB). La¡, foi realizado o processamento da coleta e a extração do material genanãtico (DNA e RNA) dos va­rus. Depois, o material passou por um processo de sequenciamento de alta performance, o que gerou milhões de pequenos fragmentos correspondentes ao material genanãtico. A partir disso, foi possí­vel realizar análises dos va­rus por bioinforma¡tica, ou seja, feita por meio do computador. 

Como resultado, foram encontradas 14 espanãcies de va­rus, sendo novas as nove espanãcies abaixo:


Além disso, também foi possí­vel descobrir novas espanãcies de animais hospedeiros para va­rus também já conhecidos e descrever, pela primeira vez, a existaªncia de certos organismos já conhecidos, como psittacine adenovirus 3, chicken anemia virus, avian gyrovirus 2, gyrovirus 3 e beak and feather disease virus. 

Um dos va­rus identificados no trabalho éo da anemia infecciosa das galinhas. A presença dele em aves não domésticas levanta questionamentos para estudiosos a respeito do papel de aves silvestres na propagação da doença causada por esse va­rus. 

“Esses resultados mostram a complexidade do microbioma viral que animais silvestres podem ter e quanto pouco explorado ele éno que diz respeito a  fauna do Cerrado. O nosso estudo contribui tanto em termos de vigila¢ncia sanita¡ria como para a compreensão da biodiversidade viral nesses animais”, explica Matheus. 

Para o professor Fernando Lucas, que atuou na pesquisa com a parte da análise de resultados, o trabalho serve como um primeiro passo para pesquisas posteriores. “Ele vai guiar e direcionar futuros trabalhos, pois, a partir dele, serápossí­vel conhecer os novos va­rus descobertos e quais os efeitos deles nos animais e no ser-humano. Se são va­rus que causam doenças ou não”, observa. 

 

.
.

Leia mais a seguir