Tecnologia Científica

E se o lixo pudesse ser reciclado de forma eficiente e lucrativa?
O engenheiro qua­mico Will Tarpeh diz que poderia ajudar a aliviar uma infinidade de desafios globais - da sustentabilidade ambiental a  fome.
Por Krysten Crawford - 18/07/2020

Doma­nio paºblico

Como um cientista empenhado em lidar com a crise global de saneamento,  William Tarpeh  não fica perturbado com a urina ou os excrementos.

Mas mesmo ele ficou impressionado com a enorme escala de lodo fecal que chegou pelo caminha£o em um centro de tratamento de resíduos que ele visitou recentemente no Senegal.

"Era uma esteira rolante", diz Tarpeh, professor assistente de engenharia química de Stanford e afiliado do  Stanford King Center on Global Development . "A cada minuto, caminhaµes estavam parando para esvaziar suas cargas." Tambanãm foi um lembrete da produção dia¡ria de esgoto do mundo: três trilhaµes de garrafas de 2 litros, ou o equivalente a 200 galaµes por pessoa. Desse volume dia¡rio, 80% recebem alta sem tratamento.

Para Tarpeh, a fa¡brica mundial de a¡guas residuais tem o potencial de aliviar uma infinidade de desafios globais - da sustentabilidade ambiental a  fome. A urina humana contanãm nitrogaªnio, fa³sforo e pota¡ssio, que são nutrientes vitais para o crescimento das plantas. As fezes também contem vitaminas e minerais. O que, diz Tarpeh, se o efluente humano pudesse ser reciclado de maneira eficiente e lucrativa - não apenas nos centros de tratamento de resíduos, mas também em residaªncias, prédios de escrita³rios e fa¡bricas?

Por mais audacioso que possa parecer, éuma visão que Tarpeh estãotrabalhando duro para avana§ar.

Foi assim que ele e dois estudantes de Stanford acabaram no centro de tratamento de resíduos em Dakar, capital do Senegal, que já estãoconvertendo lodo em composto. Eles viajaram para la¡ no final do ano passado com o apoio do King Center para demonstrar o novo manãtodo de Tarpeh para extrair nutrientes da urina para produzir fertilizantes la­quidos, desinfetantes e outros produtos industriais. Em seguida, Tarpeh e sua equipe planejam montar um laboratório de demonstração no local, operado pela Delvic Sanitation Initiatives (um  donata¡rio de Stanford Seed ), onde realizara£o um estudo de campo sobre seu processo quando as restrições de viagem do COVID-19 forem levantadas.

Reconhecendo a oportunidade

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 2,4 bilhaµes de pessoas em todo o mundo não tem acesso a banheiros. Isso os coloca em risco de contrair doenças potencialmente fatais que os impedem de trabalhar e receber educação.

Existem efeitos secunda¡rios também. Por exemplo, as meninas abandonam a escola quando atingem a puberdade por causa da falta de privacidade no banheiro. Isso, por sua vez, exacerba a divisão de gaªnero nos nega³cios e na pola­tica. A qualidade dos alimentos também sofre, pois a águapolua­da éusada para o cultivo.

“Para a maioria de nós, o saneamento éalgo que consideramos garantido. Na³s coramos e esquecemos ”,

Tarpeh.

“Mas para pessoas que não tem esse luxo, isso muda a vida. Algo tão simples quanto o banheiro pode afetar tudo, desde a economia de umpaís a  liderana§a pola­tica e qualidade ambiental. ”

Por muito tempo, ele diz, o saneamento "ficou em segundo plano" na águae preocupações com a segurança da a¡gua.

A conscientização, no entanto, estãoaumentando. Um  relatório das Nações Unidas de 2017  destacou seu "vasto potencial como fonte de recursos" e o chamou de "subexplorado".

Inovando em escala global

O cerne da pesquisa no  laboratório de Tarpeh se  concentra em um processo chamado remoção eletroquímica. Ele requer um dispositivo com três ca¢maras que converte nitrogaªnio na urina em ama´nia, que éconhecido como produto qua­mico para uso em larga escala em produtos industriais como desinfetante, refrigerante e fertilizante. Soluções energanãticas e químicas são usadas para separar a ama´nia de outros nutrientes na urina e transforma¡-la em nitrogaªnio la­quido, que pode ser usado para produzir fertilizantes ou desinfetantes.

Uma segunda abordagem, denominada coluna de troca ia´nica, envolve o derramamento de urina em um tubo que contanãm pequenas esferas de resina com carga negativa. O nitrogaªnio, parte do ama´nio com carga positiva, se liga a s esferas a  medida que a urina restante passa. O a¡cido regenera as esferas de resina, deixando apenas a solução de nitrogaªnio.

Qualquer um dos manãtodos pode ser implantado com um dispositivo porta¡til simples ou um aparelho maior colocado em uma cama de caminha£o ma³vel.

"A maioria das abordagens de tratamento de águaexige um local de tratamento", diz Tarpeh. “Queremos fazer o oposto, que étrazer o tratamento para a a¡gua. Da¡ muito mais flexibilidade. ”


Ainda existem desafios. Entre eles, estãoa maneira de dimensionar as duas tecnologias, garantindo ao mesmo tempo a eficiência a um prea§o razoa¡vel. Para esse fim, o grupo de pesquisa de Tarpeh descobriu recentemente uma maneira de personalizar o dispositivo eletroqua­mico de decapagem, para que os usuários possam escolher quanto fertilizante ou desinfetante seráproduzido. Um lote de urina, por exemplo, pode ser filtrado para gerar 75% de fertilizante e 25% de desinfetante.

"O King Center foi essencial para nos ajudar a desenvolver esse processo poderoso e tecnicamente fascinante", diz Tarpeh. Ainda hámuito trabalho para otimizar a técnica, mas estudantes e parceiros estãoa bordo para trazer o processo a  escala.

Combinando paixa£o e altrua­smo

Tarpeh, a quem os alunos chamam de "mago do lixo", ficou intrigado com a ideia da urina como um recurso valioso ao obter seu doutorado em engenharia ambiental em 2017 na UC-Berkeley.

"Minha abordagem a  ciaªncia, mesmo desde tenra idade, tem sido identificar para onde um campo estãoindo, destilar o mais distintamente possí­vel e, de maneira informada, correr na outra direção", diz Tarpeh. Ele também entendeu que a urina seria uma boa maneira de levar as pessoas a prestar atenção em sua missão.

As raa­zes do trabalho de Tarpeh também são pessoais. Nascido na áfrica Ocidental de pais americanos e liberianos, Tarpeh e sua familia se mudaram para os Estados Unidos depois que uma guerra civil estourou quando ele era criana§a. "Onde eu cresci fez uma grande diferença na minha vida", diz Tarpeh, que foi criado em Connecticut e Virginia. "Isso me fez pensar em fechar a lacuna entre as oportunidades que uma criana§a tem na áfrica Subsaariana e as oportunidades que uma criana§a tem nos Estados Unidos."

Uma carreira na academia, ele concluiu, permitiria que ele fizesse sua parte para mudar o mundo para melhor, satisfazendo sua paixa£o pela ciência Tarpeh, formado em engenharia química pela Universidade de Stanford, também éprofessor assistente por cortesia em engenharia civil e ambiental.

Fechando lacunas econa´micas e ecola³gicas

Tarpeh estãorapidamente ganhando reconhecimento por seu trabalho. No ano passado, ele foi  nomeado  para a lista de futuros cientistas da Forbes “30 Abaixo de 30” e para a lista dos Doze Talentos da Chemical and Engineering News, dos jovens cientistas que enfrentam os problemas mais difa­ceis do mundo atravanãs da química. Tarpeh também recebeu inúmeros prêmios de pesquisa, incluindo uma prestigiada  bolsa de estudos no ini­cio da carreira . Um  va­deo  sobre sua pesquisa no canal cienta­fico YouTube Seeker alcana§ou 5 milhões de visualizações.

Esses são outros sinais de que as idanãias de Tarpeh estãose firmando, principalmente na áfrica. Com  financiamento adicional  do King Center, ele estãotrabalhando com as Nações Unidas para implantar seu manãtodo para ajudar a reabilitar terras ara¡veis ​​no sudeste da áfrica que foram devastadas pelas inundações de um ciclone em 2019. Ele também fez parceria com a  Sanergy , uma empresa privada de saneamento em Quaªnia para reduzir em  até80%  os custos de importação de fertilizantes, produzindo uma variedade local feita com nitrogaªnio extraa­do da urina.

“Meu objetivo”, diz Tarpeh, “élevar o saneamento a um ponto em que ele se paga. E as vantagens de comea§ar em lugares como a áfrica Subsaariana éque não háum custo irrecupera¡vel no tratamento de águapolua­da. As condições que vemos como problemas agora podem oferecer oportunidades para reinventar e reimaginar resíduos. ”

Tarpeh também estãopensando agora na recuperação de recursos além da urina e fezes. Os processos industriais, ele diz, criaram um desequila­brio no ciclo natural de nitrogaªnio da Terra. Como resultado, a proliferação de algas alimentadas pelo excesso de nitrogaªnio estãodestruindo os ecossistemas aqua¡ticos e causando graves impactos a  saúde humana, como a sa­ndrome do bebaª azul.

"Nãotenho mais o foco do laser na recuperação de nitrogaªnio apenas para produzir fertilizante ou desinfetante", diz Tarpeh, que credita o apoio do King Center por permitir pensar de maneira mais abrangente sobre os problemas que ele estãotentando resolver. “Minha visão agora éreimaginar completamente como o mundo produz produtos industriais - para que os poluentes em um ambiente se tornem produtos valiosos em outro. Podemos fechar o ciclo ecola³gico para fornecer produtos industriais e ambientes limpos para as gerações futuras. ”

 

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