Tecnologia Científica

O mistério da vida do naªutron
Como muitas outraspartículas subatômicas, o naªutron não dura muito fora do núcleo. Ao longo de cerca de 15 minutos, ele se divide em um pra³ton, um elanãtron e uma minaºscula parta­cula chamada anti-neutrino.
Por Shannon Brescher Shea - 08/09/2020


A partir da esquerda, a equipe do ORNL, Matthew Frost e Leah Broussard, trabalha no Reflecta´metro de Magnetismo na Fonte de Naªutrons de Espalação, usado para uma busca por naªutrons espelho. Crédito: Genevieve Martin / Oak Ridge National Laboratory, US Dept. of Energy

Nove segundos. Uma eternidade em alguns experimentos cienta­ficos; uma quantidade inimaginavelmente pequena no grande esquema do universo. E apenas o suficiente para confundir os fa­sicos nucleares que estudam a vida útil do naªutron.

O naªutron éum dos blocos de construção da matéria, a contraparte neutra do pra³ton positivo. Como muitas outraspartículas subatômicas, o naªutron não dura muito fora do núcleo. Ao longo de cerca de 15 minutos, ele se divide em um pra³ton, um elanãtron e uma minaºscula parta­cula chamada anti-neutrino.

Mas quanto tempo leva para o naªutron se desfazer apresenta um certo mistanãrio. Um manãtodo mede 887,7 segundos, mais ou menos 2,2 segundos. Outro manãtodo mede 878,5 segundos, mais ou menos 0,8 segundos. A princa­pio, essa diferença parecia ser uma questãode sensibilidade de medição. Pode ser apenas isso. Mas a  medida que os cientistas continuam a realizar uma sanãrie de experimentos cada vez mais precisos para avaliar possa­veis problemas, a discrepa¢ncia permanece.

Essa persistaªncia leva a  possibilidade de que a diferença esteja apontando para algum tipo de física desconhecida. Pode estar revelando um processo desconhecido na decadaªncia de naªutrons. Ou pode apontar para a ciência além do Modelo Padra£o que os cientistas usam atualmente para explicar toda a física das partículas Ha¡ uma sanãrie de fena´menos que o Modelo Padra£o não explica totalmente e essa diferença pode apontar o caminho para responder a essas perguntas.

Para desvendar essa estranha disparidade, o Escrita³rio de Ciência do Departamento de Energia (DOE) estãotrabalhando com outras agaªncias federais, laboratórios nacionais e universidades para determinar a duração da vida útil dos naªutrons.

Uma quantidade fundamental

Os fa­sicos nucleares começam a estudar a vida dos naªutrons por causa de seu papel essencial na física. "Existem algumas quantidades fundamentais na natureza que parecem ser sempre importantes", disse Geoff Greene, professor da Universidade do Tennessee e fa­sico do Laborata³rio Nacional Oak Ridge do DOE. Ele tem pesquisado a vida útil dos naªutrons durante grande parte de sua vida - cerca de 40 anos. "As teorias vão e va£o, mas a vida útil dos naªutrons parece permanecer um para¢metro central em uma variedade de coisas."

O naªutron éum guia útil para a compreensão de outras partículas a‰ a parta­cula mais simples que éradioativa, o que significa que regularmente se decompaµe em outras partículas Como tal, ele fornece muitos insights sobre a força fraca , a força que determina se os naªutrons se transformam em pra³tons ou não. Frequentemente, esse processo libera energia e faz com que os núcleos se quebrem. As interações da força fraca também desempenham um papel importante na fusão nuclear, onde dois pra³tons se combinam.
 
A vida útil do naªutron também pode fornecer uma visão sobre o que aconteceu momentos depois do Big Bang. Nos poucos segundos após a formação de pra³tons e naªutrons, mas antes de se unirem em elementos, houve um momento preciso. O universo estava esfriando rapidamente. Em certo ponto, esfriou o suficiente para que pra³tons e naªutrons se unissem quase instantaneamente para formar hanãlio e hidrogaªnio. Se os naªutrons decaa­ram um pouco mais rápido ou mais devagar em pra³tons, isso teria grandes efeitos nesse processo. Haveria um equila­brio muito diferente de elementos no universo; éprova¡vel que a vida não existisse.

"a‰ um daqueles acidentes fortuitos da natureza o fato de termos elementos qua­micos", disse Greene.

Os cientistas gostariam de ter um número sãolido para a vida útil do naªutron para se conectar a essas equações. Eles precisam que a incerteza de toda a vida diminua para menos de um segundo. Mas obter essa certeza émais difa­cil do que parecia inicialmente. "A vida útil do naªutron éum dos parametros fundamentais menos conhecidos no modelo padra£o", disse Zhaowen Tang, fa­sico do Laborata³rio Nacional de Los Alamos (LANL) do DOE.

Experimentos individuais conseguiram atingir essenívelde precisão. Mas a incongruaªncia entre os diferentes tipos de experimentos estãoimpedindo os cientistas de encontrar um número especa­fico.

Descobrindo uma Discrepa¢ncia

A descoberta de que havia uma diferença surgiu do desejo dos fa­sicos de serem abrangentes. Usar dois ou mais manãtodos para medir a mesma quantidade éa melhor maneira de garantir uma medição precisa. Mas os cientistas não podem colocar temporizadores nos naªutrons para ver com que rapidez eles se desfazem. Em vez disso, eles encontram maneiras de medir os naªutrons antes e depois de decaa­rem para calcular o tempo de vida.

Os experimentos de feixe usam ma¡quinas que criam fluxos de naªutrons. Os cientistas medem o número de naªutrons em um volume especa­fico do feixe. Eles então enviam o fluxo atravanãs de um campo magnético para uma armadilha departículas formada por um campo elanãtrico e magnanãtico. Os naªutrons decaem na armadilha, onde os cientistas medem o número de pra³tons restantes no final.

"O experimento do feixe éuma maneira realmente difa­cil de fazer uma medição de precisão", disse Shannon Hoogerheide, um fa­sico do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST), que colaborou com cientistas do DOE. "A medição do feixe requer não uma, mas duas medições absolutas."

Em contraste, experimentos com garrafas prendem naªutrons ultrafrios em um recipiente. Naªutrons ultracongelados se movem muito mais devagar do que os normais - alguns metros por segundo em comparação com os 10 milhões de metros por segundo das reações de fissão. Os cientistas medem quantos naªutrons estãono recipiente no ini­cio e novamente após um certo período de tempo. Ao examinar a diferença, eles podem calcular a rapidez com que os naªutrons decaa­ram.

"O experimento da garrafa mede os sobreviventes, o experimento do feixe mede os mortos", disse Greene. "O experimento da garrafa parece fa¡cil, mas na verdade émuito difa­cil. Por outro lado, o experimento do feixe parece difa­cil e édifa­cil."

Um experimento de feixe no NIST em 2005 (com o apoio do DOE) e um experimento com garrafa na Frana§a, pouco depois, revelou a diferença na medição. Desde então, os experimentos tem tentado reduzir o espaço entre os dois, minimizando o ma¡ximo de incertezas possí­vel.

Greene e seus colaboradores fizeram novas medições em 2013 no NIST que os ajudou a recalcular o experimento de feixe de 2005 com ainda mais precisão. Nesse ponto, os cientistas haviam conclua­do cinco experimentos com garrafas e dois feixes. Greene estava convencido de que os experimentos anteriores de feixe haviam perdido uma das maiores fontes de incerteza - contar com precisão o número de naªutrons no feixe. Eles melhoraram a medição dessa varia¡vel para torna¡-la cinco vezes mais precisa. Mas oito anos de trabalho a¡rduo os deixaram com quase exatamente a mesma lacuna nos resultados.

Os fa­sicos que trabalham em experimentos com garrafas enfrentaram suas próprias dificuldades. Um dos maiores desafios era evitar que os naªutrons se perdessem nas interações com o material de que o recipiente éfeito. Um vazamento altera o número de naªutrons no final e prejudica o ca¡lculo da vida útil.

Para resolver esse problema, o experimento mais recente da garrafa no LANL (que foi apoiado pelo Office of Science) eliminou as paredes físicas. Em vez disso, os fa­sicos nucleares usaram campos magnanãticos e gravidade para manter os naªutrons no lugar. "Eu estava no campo de, se fizermos isso, podera­amos fazer um naªutron viver mais e concordar com a vida útil do feixe", disse Chen-Yu Liu, professor da Universidade de Indiana que liderou o experimento. "Esse era meu preconceito pessoal."

Mas a diferença permaneceu. "Foi um grande choque para mim", disse ela, descrevendo o resultado publicado em 2018. As chances de que essa diferença acontea§a por acaso éinferior a uma em 10.000. Mas ainda pode ser causado por uma falha nos experimentos.

Caa§ando a causa raiz

Os cientistas enfrentam dois tipos de incertezas ou erros em experimentos: estata­sticos ou sistema¡ticos. Erros estata­sticos vão de não ter dados suficientes para tirar conclusaµes sãolidas. Se vocêpuder obter mais dados, podera¡ reduzir esses erros de maneira confia¡vel. Erros sistema¡ticos são incertezas fundamentais do experimento. Muitas vezes, eles estãolonge de ser a³bvios. Os dois tipos de experimentos de vida útil dos neura´nios tem erros sistema¡ticos potenciais muito diferentes. Os experimentos seriam uma a³tima verificação uns dos outros se os resultados fossem compata­veis. Mas fica terrivelmente difa­cil descobrir por que eles não o fazem.

"A coisa mais difa­cil sobre medir a vida útil dos naªutrons éque ela émuito curta e muito longa", disse Hoogerheide. "Acontece que 15 minutos éum momento realmente estranho para medir em física."

Portanto, os cientistas nucleares continuam trabalhando para coletar mais dados e minimizar erros sistema¡ticos.

"Uma das coisas que acho mais divertidas na minha área éa atenção requintada aos detalhes exigidos e quanto profundamente vocêtem que entender todos os aspectos de seu experimento para fazer uma medição robusta", disse Leah Broussard, física nuclear do ORNL .

No NIST, Hoogerheide, Greene e outros estãoexecutando um novo experimento de feixe que aborda cada problema possí­vel da maneira mais abrangente possí­vel. Infelizmente, cada ajuste afeta os outros, então são dois passos para frente e um para trás.

Outros esforços estãobuscando novas maneiras de medir a vida útil dos naªutrons. Pesquisadores da Johns Hopkins University e da Durham University do Reino Unido apoiados pelo DOE descobriram como usar dados da NASA para medir a vida útil dos naªutrons. Com base nos naªutrons saindo de Vaªnus e Mercaºrio, eles calcularam uma vida útil de 780 segundos com uma incerteza de 130 segundos. Mas, como a coleta de dados não foi projetada para esse propa³sito, a incerteza émuito alta para resolver a diferença de vida útil. No LANL, Tang estãopreparando um experimento que éum cruzamento entre os experimentos de garrafa e feixe. Em vez de medir pra³tons no final, ele medira¡ os elanãtrons.

Possibilidades exa³ticas aguardam

Tambanãm existe a possibilidade de que a diferença esteja revelando uma lacuna em nosso conhecimento dessa parta­cula fundamental.

"Nãopodemos deixar pedra sobre pedra", disse Tang. "Existem tantos exemplos de pessoas que viram algo, simplesmente erraram em algo, não trabalharam nisso com força suficiente, e alguém o fez e eles ganharam o Praªmio Nobel."

Uma teoria éque o naªutron estãose decompondo de uma forma que os cientistas simplesmente não sabem. Ele pode se decompor empartículas diferentes da conhecida combinação de pra³tons, elanãtrons e anti-neutrinos. Se isso acontecer, isso explicaria por que os naªutrons estãodesaparecendo nos experimentos com as garrafas, mas o número correspondente de pra³tons não estãoaparecendo nos experimentos com feixes.

Outras ideias são ainda mais radicais. Alguns teóricos propuseram que os naªutrons estãose fragmentando em raios gama e matéria escura misteriosa. A matéria escura representa 75 por cento da matéria no universo, mas atéonde sabemos apenas interage com a matéria regular por meio da gravidade. Para testar essa teoria, um grupo de cientistas do LANL fez uma versão do experimento da garrafa em que mediram naªutrons e raios gama. Mas os raios gama propostos não se materializaram, deixando os cientistas sem evidaªncias de matéria escura de naªutrons.

A matéria espelhada éoutro conceito possí­vel que soa como ficção cienta­fica. Em teoria, os naªutrons "ausentes" poderiam estar se transformando em naªutrons espelho, ca³pias perfeitas que existem em um universo oposto. Tendo evolua­do de uma maneira diferente do nosso universo, este universo-espelho seria muito mais frio e dominado pelo hanãlio. Enquanto alguns cientistas nucleares como Greene pensam que isso é"implausa­vel", outros estãointeressados ​​em testa¡-lo apenas no caso.

"a‰ um territa³rio relativamente inexplorado. a‰ muito atraente para mim porque tenho uma grande fonte de naªutrons no meu quintal", disse Broussard, referindo-se a  Fonte de Naªutrons de Espalação e Reator Isota³pico de Alto Fluxo, ambas instalações de usuários do DOE Office of Science em ORNL .

Para testar essa teoria, Broussard estãoanalisando dados de um experimento que imita os experimentos de vida do feixe, mas ajustados para captar um sinal do potencial parceiro invisível do naªutron. Ao disparar um feixe de naªutrons atravanãs de um campo magnético especa­fico e, em seguida, interrompaª-lo com um material que interrompe os naªutrons normais, ela e seus colegas devem ser capazes de detectar se existem ou não naªutrons espelho.

Quaisquer que sejam os resultados desse experimento, o trabalho para entender a vida útil dos naªutrons continuara¡. "a‰ muito revelador que haja tantas tentativas de medir com precisão a vida útil dos naªutrons . Isso mostra a reação emocional dos cientistas a uma discrepa¢ncia no campo -" Eu quero explorar isso! ", Disse Broussard." Todo cientista émotivado por o desejo de aprender, o desejo de compreender. "

 

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